Valter Hugo Mãe

A educação para a cidadania


Dizer aos mais novos que existem identidades de género distintas não é assediar as suas mentes para serem o que não são.

O abaixo-assinado que tantos ilustres apresentaram contra a disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento é um manifesto covarde de quem não os teve no sítio para assumir afinal contra que raio se movimenta. O relambório é de tal modo que se esqueceu de referir, afinal, o que é que na disciplina os ofende e merece objecção de consciência. Estão genericamente em causa etiquetas simples de convivialidade e prácticas de sociedade sem sobressalto, como aprender a atravessar ruas e cumprir a ordem de chegada a uma fila.

Claro que sabemos o que incomoda os covardes e que passa pelo terror de se dizer aos mais novos que existem meninos e meninas e que algumas pessoas podem nascer com identidades de género mais complexas que talvez se definam de outro modo que não pela simples evidência do corpo. Os covardes são-no até com os próprios filhos, porque vão preferir educá-los miseráveis, mentindo-lhes em cada instante, a ter de aceitar que eles também podem nascer com uma identidade de género complexa, uma identidade por entender melhor e a solicitar maior inteligência e até solidariedade. Casos desafiantes não são apanágio das pessoas inteligentes. Os géneros “trocados” ou ambíguos podem acontecer nas famílias de covardes, nas famílias de estúpidos, e nas famílias de ignorantes. A ignorância e o preconceito não vão nunca impedir a natureza de seguir o seu curso. E o curso da natureza é a pura amplitude onde todas as diferenças se tornam plausíveis e têm de ser simplesmente aceites, legítimas, sem assombro.

Dizer aos mais novos que existem identidades de género distintas não é assediar as suas mentes para serem o que não são. Da mesma maneira que ponderar o terror nazi não é fazer nazis, e já sabemos bem como estes se fazem pela desumanização e pela mais grotesca estupidez.

Um abaixo-assinado contra uma disciplina alegando objecção de consciência sem que se refira afinal o que aflige estas almas frágeis e de fanico fácil, é não só a covardia que acima referi, é um precedente asqueroso que tem de ser severamente esmagado. A escola não anda a toque de peneiras nem de preconceitos. Faz-se pela pura liberdade de pensamento. São as academias que, segundo a premência da ciência do seu tempo, escolhem o que é fundamental para uma formação basilar. Se alguma família quiser manter as suas crianças no reino medieval da imbecilidade, faça isso em casa, mas não obrigue a academia a adoptar a imbecilidade como pressuposto universal. Já bastaram séculos de duras batalhas e conquistas regadas a sangue. Se quiserem censurar as escolas que metam os filhos num lugar apertadinho e os infernizem ali sozinhos, deixando os demais respirar a incrível coisa de saber e pensar livremente, sem temor, sem o pasmo pacóvio dos que preferem enfiar a cabeça na areia e fingir que o mundo é a merda que era no tempo em que tinham criadas até para lhes tirar os caroços às cerejas.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)