Azia, mais do que aquilo que comemos

O tratamento da azia depende da causa

Um ardor na garganta, um gosto ácido na boca. Há fatores que explicam esses sintomas de uma perturbação digestiva. E o que é que isso diz sobre a nossa saúde? Várias coisas.

Não é propriamente uma doença, no sentido pleno da palavra e do seu significado, é antes um sintoma de que algo não vai bem no aparelho digestivo. Quando aquele refluxo ácido acontece, do estômago para o esófago, causando danos nas suas paredes, é necessário ver o que se passa. A azia é um problema de saúde, estima-se que afete cerca de 30% da população adulta do país, e não é aconselhável ignorar esse desconforto interno, essa sensação de enfartamento.

“A azia é um sintoma muito comum, que se caracteriza pela sensação de ardor ou queimadura na região epigástrica (região superior e central do abdómen, abaixo das costelas, onde se localiza o estômago)”, refere Manuel Coelho da Rocha, gastrenterologista do Hospital da Cruz Vermelha. Há um outro nome mais científico para a mesma sensação, ou seja, pirose, lembra Miguel Afonso, gastrenterologista da Gastroclinic. “É caracterizada por uma sensação de desconforto e ardor na garganta e nas regiões superior e média do peito, além de um gosto ácido na boca”, enquadra. No fundo, é um sintoma de refluxo que pode surgir acompanhado de regurgitação e de vómitos. Não é bom de sentir.

Regra geral, começa no esterno e pode subir até à garganta, provocando um sabor amargo na boca. É mais comum depois das refeições e quando o esófago se irrita com o conteúdo do estômago. Se é um sintoma, é preciso descobrir as causas. A ligação entre o esófago e o estômago pode não estar a funcionar bem e as secreções voltam atrás. Uma parte do estômago passa para cima do diafragma e entra na cavidade torácica, o que não deveria acontecer. Uma refeição de prato a abarrotar sem peso e medida, o stress, a ansiedade, o tabaco, a alimentação, o corpo inclinado para a frente, uma gravidez, alguns medicamentos. Tudo isso são fatores a analisar nestas circunstâncias.

Há várias explicações e diversos elementos a ter em atenção. “Perante um quadro de azia, é fundamental aferir a história clínica do paciente, nomeadamente a sua idade, medicação habitual e se existe algum sinal de alarme como, por exemplo, perda de peso não intencional, vómitos persistentes ou história familiar de cancro gástrico”, indica Manuel Coelho da Rocha. Depois da avaliação, poderá ser necessário realizar exames complementares de diagnóstico, como é o caso de uma endoscopia digestiva alta. É fundamental perceber o que se passa no estômago, no esófago, e entre os dois.

O tratamento depende da causa. Segundo Manuel Coelho da Rocha, em regra, os fármacos mais eficazes para aliviar e tratar a azia são os inibidores da bomba de protões, usados no tratamento de úlceras gastrointestinais ou em situações relacionadas com o ácido estomacal.

Substâncias que, como é óbvio, devem ser receitadas pelo médico assistente que sabe o que é mais eficaz para cada caso. “Existem medicamentos antiácidos que podem ser úteis no alívio momentâneo da azia, mas, uma vez mais, importa aferir a causa deste sintoma e abordar de acordo com a mesma”, insiste o clínico. “Em alguns casos pode ser necessário medicamentos para reduzir a azia”, reforça Miguel Afonso.

O deixa andar normalmente tem consequências. Perdas de sangue no esófago devido à lesão das suas paredes, úlceras ou até mesmo cancro no esófago. É preciso atenção. “A azia pode simplesmente ser um sintoma ocasional associado aos hábitos alimentares ou a fatores como o stress, ansiedade, mas pode também significar a presença de uma doença orgânica como, por exemplo, úlcera gástrica ou duodenal, doença de refluxo gastroesofágico, gastrite associada a infeção por helicobacter pylori ou toma de anti-inflamatórios não esteroides, ou outras condições mais sérias”, adianta Manuel Coelho da Rocha. Por isso, a importância de uma avaliação clínica adequada para um diagnóstico correto e, caso seja necessário, um plano terapêutico feito à unha, ao pormenor.

Os molhos e os picantes, o álcool e o tabaco

A azia é só uma questão de alimentação ou é mais do que isso? “A alimentação desempenha um papel preponderante, mas outros fatores, como a obesidade ou o tabagismo, podem agravar a azia”, responde Miguel Afonso. Há vários fatores, portanto, a analisar, a avaliar, a perceber.

De qualquer forma, a alimentação tem, de facto, um papel muito importante neste assunto. Há alimentos e bebidas que fazem disparar a azia. Denise Mendes é nutricionista, trabalha na Women Mental Click, e apresenta uma lista dos principais inimigos, sólidos e líquidos, para uma boa saúde digestiva. “Os principais alimentos que servem de gatilho à azia são: alimentos ácidos, como o tomate, citrinos, cebola, alimentos picantes, chocolate, menta e refeições ricas em gordura.” Na parte das bebidas, estão os líquidos gaseificados, alcoólicos, café e chá com teína.

“O tratamento não farmacológico da azia passa por melhorar os hábitos alimentares e manter um estilo de vida saudável”, avisa a nutricionista. Nesse sentido, Denise Mendes avança com várias recomendações para controlar a azia, desde evitar certos alimentos e bebidas, a não fumar. Há mais procedimentos a ter em conta. “Fracionar as refeições ao longo do dia de forma a ingerir uma pequena porção de cada vez. Evitar o consumo de refeições ricas em gordura ou com muitos molhos, pois estes atrasam o esvaziamento gástrico e contribuem assim para que surja azia”, aconselha. Refeições duas horas antes de dormir também são contraindicadas. Na cama, elevar a cabeceira 15 a 20 centímetros ou ter almofadas que permitem uma elevação equivalente. A nutricionista acrescenta mais alguns conselhos. “Manter um peso adequado à estatura, pois o excesso de peso e a obesidade contribuem para o agravamento da azia. Evitar usar roupas muito apertadas para evitar o aumento da pressão intra-abdominal.” Durante a gravidez, o controlo da azia deve ser feito com acompanhamento nutricional. Manuel Coelho da Rocha também toca nestes pontos para que a azia não seja um incómodo. Alimentação equilibrada, estilo de vida saudável, prática regular de exercício físico, não fumar, não beber bebidas alcoólicas.

Depois das recomendações, não é difícil adivinhar formas de prevenir a azia. “Do ponto de vista nutricional, a prevenção passa pela manutenção de um peso e perímetro abdominal adequados”, sustenta Denise Mendes, nutricionista. Miguel Afonso, gastrenterologista, concorda. “A prevenção da azia implica manter uma alimentação saudável evitando os alimentos e bebidas que agravam o refluxo gastroesofágico, bem como manter um peso e estilo de vida saudáveis.”

Em caso de sintoma recorrente ou persistente, em que a azia seja um desconforto permanente, é importante consultar o médico assistente ou agendar uma consulta de gastroenterologia. E fica uma dica de quem percebe da matéria. “Estudos recentes mostraram a pertinência do rastreio do cancro gástrico (no mesmo momento do rastreio do cancro colorretal), pelo que é uma questão que também poderá ser abordada na consulta médica”, realça Manuel Coelho da Rocha. A azia, afinal, tem que se lhe diga.

“Perante um quadro de azia, é fundamental aferir a história clínica do paciente, nomeadamente a sua idade, medicação habitual e se existe algum sinal de alarme”
Manuel Coelho da Rocha
Gastrenterologista