Vila d’Este: um bairro ansioso pela chegada do metro

A urbanização de Vila Nova de Gaia causou impacto na década de 1980 pela volumetria nunca vista no norte, pelas cores exuberantes dos edifícios (os prédios arco-íris entretanto pintados de branco). Para muitos, foi a oportunidade de comprar casa a baixo custo. A paisagem humana mudou, há mais comércio e serviços, a especulação imobiliária bate às portas e a linha amarela chega ali como um braço há muito desejado. Será uma revolução?

Matutina Barbosa está sentada junto ao seu prédio, na Rua das Mimosas, mesmo em frente à estação de metro, ainda por inaugurar, onde há movimentação, homens em gruas, painel eletrónico em teste, musiquinha a sair pelos altifalantes. “Nunca mais chega o dia, não vejo a hora de estrear, vou ao Porto quando o metro chegar”, diz. Promessa após promessa, lembra, em 2021, para quando se tinha anunciado o fim da empreitada foi quando a obra começou. Esse tempo já lá vai.

Mora em Vila d’Este num quinto andar há 38 anos. “Isto era tudo pinhal, era de meter medo, mato de um lado, mato do outro”, recorda. Saía para trabalhar noite escura, para apanhar o autocarro para os lados do hospital. “Aqui não havia transportes, juntámo-nos todos no autocarro e dissemos ao motorista ‘ou leva-nos a Vila d’Este ou apanha um enxerto de pancada’… foi assim que obtivemos transporte”, conta. Mulheres e homens cansados de quilómetros nas pernas para cima e para baixo e a camioneta, junto ao hospital, a seguir em frente para os Carvalhos, a não ir à urbanização. “A gente começou a fazer barulho.” Resultou.

Umas ruas mais abaixo, Rosa Gomes não pára, está a mudar de casa, vai morar com a irmã, o senhorio quer vender o apartamento que lhe arrendou há dez anos. Está em arrumações, a encaixotar coisas, a desfazer-se de outras, com algum desalento e tristeza. “Com as obras do metro, começou a ficar tudo maluco”, desabafa. Ainda tentou negociar a saída, até poderia ser que o novo dono lhe alugasse o T3, os argumentos não surtiram efeito, vai sair antes do prazo terminar. “Continuava aqui, se pudesse”, frisa. Não sairia de Vila d’Este se não fosse por estas circunstâncias e pelo valor das rendas que pedem ali à volta.

A vida segue. O autocarro 907 traz e leva gente, os miúdos saem da escola para o almoço, alguns não têm aulas à tarde, o fim de semana está perto, o sol puxa para as esplanadas, é hora do café, há mais movimento, alguns senhores juntam-se para o jogo do dominó mais ao fim da tarde. Num correr de prédios, entre uma entrada e outra, minimercado, laboratório de análises clínicas, loja de utilidades, talho, cabeleireiro. Tudo seguido. Do outro lado, café, casa de jogos, pronto a vestir, mais um café, barbearia, frutaria. São mais de 100 prédios, 2085 habitações, 76 estabelecimentos comerciais. A urbanização de Vila d’Este, rente à autoestrada, ergue-se numa encosta, edifícios atrás de edifícios brancos a pender para o cinzento, sete e oito andares ao alto, virados para poente, para o mar. Aqui moram mais de 17 mil pessoas.

Matutina Barbosa

Acácio Santos é um deles, reformado, foi carteiro no Porto, vive em Vila d’Este há 38 anos, comprou o apartamento ainda em construção. Nessa altura, lembra-se, ia a pé apanhar o autocarro que passava frente ao Hospital de Gaia “às sete menos 20 da manhã”. “Ao sol e à chuva, por aí acima, cães vadios nas ruas”, realça. Ainda havia pouca coisa, além de prédios. “Só havia aqui um café, uma sapataria lá ao fundo”, aponta. Será um utilizador do metro, com certeza, para as suas voltas e passeios. “Ontem já era tarde”, atira. Demorou mais tempo do que pensou. Para Acácio Santos, falta uma esquadra da Polícia na urbanização. “Antigamente, havia paz e sossego, era um dormitório”, adianta. Agora há mais agitação, confessa.

Transportes e habitação, os principais problemas

Arroz de lulas é o prato do dia na sede da Associação de Moradores de Vila d’Este, está escrito cá fora, à entrada, rente à estrada, há um ringue à esquerda a precisar de obras, mais à frente café e restaurante, onde há festa com música aos domingos à tarde. Luís Santos, presidente do conselho fiscal, está na sala da direção a tratar de papelada. A associação, a primeira a nascer na urbanização, não foi ouvida sobre o metro, a construção da estação tirou estacionamento e não foi dada alternativa, estacionar é sempre difícil, carros em cima dos passeios, há alturas em que o trânsito emperra por todo o lado. Uma das principais queixas que chega à associação é precisamente a dos transportes, outra é a habitação, contratos de arrendamento, questões com condomínios.

Luís Santos mora em Vila d’Este há 37 anos. “Foi aquilo que apareceu e que dava para comprar com os nossos trabalhos, o que nos pareceu mais fácil para mim e para a minha mulher.” “Não tenho automóvel, isto é caótico”, diz. Por isso, o metro é bem-vindo. “O metro de quatro em quatro minutos e 27 minutos até ao Hospital de São João? Para quem não tem carro, isto caiu do céu.”

A inauguração do metro em Vila d’Este acontecerá nos primeiros dias de maio. A extensão da Linha Amarela, a mais procurada do metro do Porto, só em 2023 registou mais de 15 milhões de validações, tem três novas estações: a de Vila d’Este e a do Hospital Santos Silva, ambas à superfície, e a Manuel Leão, subterrânea, em pouco mais de três quilómetros. O número de validações previsto no troço Santo Ovídio-Vila d’Este ultrapassa os 3,5 milhões por ano.

Vai haver muito movimento, pois claro. Serafim Teixeira, presidente da Junta de Freguesia de Vilar de Andorinho, sabe disso, depois de anos de lamento por a Linha Amarela ter parado em Santo Ovídio. Agora, está satisfeito. “Com certeza, lutámos durante muitos anos para que o metro chegasse, é uma mais-valia para a região, especialmente para a nossa freguesia.” “É uma revolução”, acrescenta. Porque é zona de muita mobilidade, salienta, de gente que sai e volta, de gente de outros países que chega. “Tem muito movimento de pessoas e o ambiente é bom.” E, segundo o autarca, o aumento do preço das casas não é de hoje, começou há alguns anos. “Por menos de 100 mil euros já não se consegue comprar um T1”, assegura.

Albino Pereira sente essa pressão da especulação imobiliária na pele. Ainda há um mês, foi abordado para vender o seu T3 por 170 mil euros. Atirou imediatamente a pergunta: “E vou viver para onde, para debaixo da ponte?” E não quis mais conversa. Com esse dinheiro, sabe que não compra um T3 em lado algum. “O metro veio puxar de vez por isto”, atira. Isto é o preço das casas. Os contactos têm disparado. Mas Albino Pereira, reformado, morador em Vila d’Este há 34 anos, não pensa sair, apesar da tranquilidade de outros tempos que diz não sentir agora.

Albino Pereira

O sociólogo João Teixeira Lopes, professor e investigador na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lembra-se do estigma colado ao bairro, olhado como habitação social, quando não o era, que tinha todas as condições para “ser excêntrico”. Valeu o esforço do poder local, em seu entender. “As políticas sociais não deixaram que fosse um reservatório de problemas sociais”, nota. E o metro significa integração, mais qualidade de vida, menos tempo no trânsito, mais tempo em casa e em família.

Primeiro, os apartamentos, depois, os equipamentos

A construção da Vila d’Este, na década de 1980, não passou despercebida, pela escala e volumetria nunca antes vista no norte, pela visibilidade face à autoestrada, pelos prédios que se erguiam pintados em tons coloridos – a urbanização arco-íris como era chamada. Construção privada, relativamente barata, nas mãos da empresa Niassa, que veio a falir, abrindo espaço para a entrada de cooperativas de habitação.

O geógrafo Álvaro Domingues, doutorado em Geografia Humana, olha para Vila d’Este como uma dobradiça, uma rótula, pela mobilidade de pessoas, porta giratória de quem parte e de quem chega. “Cumpriu uma função social importante, quem tinha pouco dinheiro conseguiu comprar uma primeira habitação.” Muita coisa mudou. Estava à face da autoestrada, mas viveu anos sem acesso à A1. Tinha prédios e apenas prédios. “Só tinha apartamentos e começou a ter equipamentos de proximidade”, recorda. Piscina, pavilhão desportivo, correios, escolas, supermercados, e os maiores artefactos de mobilidade, autocarros e agora o metro. Há, no entanto, coisas que não mudam. “Continua a ser um dormitório, a maior percentagem de metros quadrados é de habitação”, comenta o geógrafo. Um dormitório não do Porto, avisa, a ideia de um bairro ultraperiférico não faz sentido, garante, Vila d’Este tem gente que trabalha num eixo não apenas centrado no Porto, mas ao redor. Álvaro Domingues refere que não se pode olhar para a Área Metropolitana do Porto como um ovo estrelado e que toda a gente sai de casa para trabalhar na cidade. É mais como um ovo mexido em que Vila d’Este não é a clara, mistura-se com a gema.

Gonçalves Guimarães, historiador, arqueólogo, professor de Património, natural de Gaia, viu a urbanização nascer e crescer como “um grande projeto de habitação económica” e, só por graça, assinala, o nome estará relacionado com a imponente e famosa Villa d’Este, nos arredores de Roma, e seus jardins, fontes, estátuas e palácio renascentistas. “Se foi inspirado, só por piada.” Não terá sido.

“Era uma quinta enorme que foi sendo retalhada e vendida”, refere. As máquinas chegaram e mãos à obra. “Via-se bem da autoestrada, era demasiado dominante na paisagem.” Pela encosta acima. Pelo Monte Grande de outrora que em 1906 passou a chamar-se Monte da Virgem. Gonçalves Guimarães detém-se nos transportes do concelho mais populoso da Área Metropolitana do Porto. O metro parou em Santo Ovídio e ali ficou. “Gaia foi prejudicada com a falta de metro”, repara o historiador. “Há muita gente, muitos autocarros, já não há sítio para estacionar tanto automóvel.”

Acácio Santos

Matutina Barbosa, 72 anos, está reformada, a vida foi dura, quarta classe feita, aos dez anos servia em casas do Porto, aos 24 ficou viúva com um filho para criar. Em 1987, comprou casa em Vila d’Este, 5500 contos (pouco mais 27 mil euros num câmbio direto de então, cerca de 100 mil euros à data de hoje, segundo a Pordata), do seu suor, pagos em 25 anos. Gosta de ali morar, tem tudo ao pé. “Uma farmácia ali, três supermercados ali, uma drogaria ali em baixo, não preciso ir ao Porto comprar nada. Gosto muito de estar aqui, é pessoal que gosta de viver bem, que tem os direitos que os outros têm e é para isso que paga os seus impostos.”

Rosa Gomes ainda tem arrumação pela frente. O leva e traz de coisas para os contentores do lixo custa-lhe, mais pela dor de alma do que pelo esforço físico. São dez anos de Vila d’Este. Quando para ali se mudou, chegaram a questionar-lhe: “Mas então vais para o inferno?” Nada disso, nada a apontar. “Não tenho nada a dizer, o ambiente somos nós que o fazemos, se nos damos ao respeito, só tem de correr bem.” E correu até agora, até ter de fazer as malas sem vontade.