Rebanho

Notícias Magazine

Num livro intitulado Bellwether, Connie Willis descreve o comportamento das ovelhas e dos rebanhos numa tentativa de perceber estruturas dinâmicas e como a ordem e o caos se embrulham, dançam e se engendram.

O rebanho, segundo a descrição de Willis, acompanha uma ovelha «líder» (bellwether) mais ou menos desta forma: pondo um monte de feno a uma distância razoável do rebanho, e depois de algum tempo, a tal ovelha dominante, ao aperceber-se desse facto, começa a andar de um modo que, para um observador, parece ser errático, ziguezagueante, sem que aparentemente se tenha dado conta do feno, mas vai-se aproximando da comida a uma cadência constante.

O resto do rebanho acompanha-a. Deste comportamento podemos tirar por analogia algumas conclusões sobre o funcionamento da nossa própria sociedade. A primeira é que só alguns indivíduos processarão a informação ao início, os outros seguirão a tendência e caberá a quem tem lugares de poder ou simplesmente a quem tem coragem, de dar os primeiros passos e tentar elevar a sociedade.

Seria muito mais bonito, espetacular e elegante se fosse um esforço simultâneo de todos, mas raramente acontece (se é que verdadeiramente acontece). Nem para as ovelhas nem para nós. Há sempre o receio de que determinado caminho seja na direção de um predador ou de um abismo. De facto, por vezes sucede dessa forma.

Mas a lentidão deste processo é exasperaste. Da mesma maneira que as ovelhas não correm em direção ao feno, a sociedade também não vai a correr desenfreadamente atrás de mais justiça nem de igualdade nem de liberdade. Fá-lo com uma torturante lentidão (para quem deseja essa mudança) e com a sensação de que algo está a ruir (por quem lhe resiste).

O receio de perder identidade e definição, de erodir aquilo que foi conquistado é um travão. Se por vezes é útil, em muitos casos é criminoso. Continuamos a ser racistas e a viver uma grave desigualdade entre géneros. Nalguns casos, como a fome, parece que o rebanho jamais chegará ao feno. Noutros, ainda há esperança, mesmo que tudo se processe com a lentidão das ovelhas.

Mark Twain dizia que quando o mundo acabasse queria estar no Kentucky, pois lá tudo acontece com vinte anos de atraso. Com Weinstein, por exemplo, o fim do seu mundo chegou ainda mais atrasado. Cerca de três décadas.