Os três portugueses que organizam um mercado de ilustradores em Barcelona

Texto Sara Dias Oliveira

Estão em Barcelona há mais de 10 anos, têm profissões ligadas ao meio artístico, e em 2015 decidiram criar um mercado de ilustradores como ponto de encontro de diversos artistas e ao gosto e medida dos amantes da ilustração.

O SUBLIMe Art Fest – Mercado de Ilustradores reúne desenhos originais de ilustradores consagrados e emergentes num ambiente relaxado e criativo. Para dar projeção ao talento, criar redes de trabalho, propor uma experiência única no meio artístico, aproximar a arte do grande público.

A próxima edição, a quarta, aproxima-se. Será no próximo sábado e será a maior de todas, com a participação de 50 ilustradores, no Mercado Dominical Sant Antoni, no bairro com o mesmo nome, das três da tarde às nove da noite. A entrada é gratuita.

«Fizemos um mercado pequenino dedicado à ilustração no nosso espaço», conta Hugo Madeira. «Foi um êxito! Por isso, decidimos aproveitar a confluência de pessoas e ideias para criar um evento mais a sério»

Hugo Madeira, 42 anos, há 11 anos em Barcelona, teve uma loja de produtos portugueses na cidade catalã. A loja era também um bar com uma mão cheia de eventos. A amiga Anabela Nogueira, 38 anos, em Barcelona há 10 anos, que trabalha na área de edição editorial e empresas de moda, com experiência como editora, coordenadora de projetos de tradução e na área da comunicação, organizava o Mad Market, um mercado vintage e de novos designers de moda.

Palavra puxa palavra e um novo conceito começou a ser costurado ponto atrás de ponto. Alexandra Pinto Ramos, 37 anos, que trabalha em vídeo e animação gráfica como freelancer, companheira de Hugo, também fazia parte desta conversa. As ideias não tardaram a passar da teoria à prática.

«Confluímos em fazer um mercado pequenino exclusivamente dedicado à ilustração no nosso espaço», conta Hugo Madeira. «Foi um êxito! Por isso, decidimos aproveitar a confluência de pessoas e ideias para criar um evento mais a sério, com o nome SUBLIMe Art Fest, inserido na Festa Major de Sant Antoni, a festa anual do bairro onde estamos», acrescenta.

As duas primeiras edições tiveram lugar numa tenda gigante e o público gostou. Os artistas também. A edição seguinte aconteceu ao ar livre num espaço central da cidade com paredes grafitadas. A próxima terá lugar num outro local, no mesmo sítio do Mercado Dominical de Sant Antoni, espaço que aos domingos junta colecionadores de toda a espécie e livreiros.

«O facto de estar integrado na Festa Major faz com que consigamos aproximar a arte a todas as pessoas do bairro, de todas as idades, e essa é também uma das razões por que tencionamos manter a entrada gratuita», diz Hugo.

Divulgar e vender

A paixão pela arte une os três amigos, todos com experiência na organização de eventos. «Nós sempre gostámos muito de ilustração e vimos que havia um grande interesse por parte do público e também por parte dos artistas, por encontrarem um espaço onde expor os seus trabalhos e contactar diretamente com as pessoas que apreciam a sua obra», adianta.

A quarta edição é mais ambiciosa, tem agenda cultural com música, desenhos a carvão, e retratos e caricaturas feitos na hora, ao vivo, de pessoas e animais de estimação a partir das 15h00.

A quarta edição é mais ambiciosa, tem agenda cultural com música ao vivo, desenhos a carvão, e retratos e caricaturas feitos na hora de pessoas e animais de estimação.

A presença de artistas de tattoo, a participação de editoras de livros ligados à ilustração, e música ao vivo, são as novidades deste ano. «Também teremos cerveja artesanal que marca a tendência que queremos seguir e serviço de alimentação com muito carinho e sotaque italiano, para os mais esfomeados e gulosos.» Às sete da tarde, há concerto dos Chameleons, banda de funk e groove.

O Mercado de Ilustradores funciona através de uma convocatória. Os artistas respondem e os três amigos selecionam os participantes baseados na «qualidade e originalidade das obras.» Ter uma grande variedade de ilustradores é também um critério importante. «É importante dar oportunidade a artistas jovens que, se calhar, nunca participaram neste tipo de evento, mas que têm muita vontade de expor e de ter feedback do público».

O que acontece de edição para edição, com regularidade bianual, também é interessante. «Há ilustradores que participam no festival desde a primeira edição e é muito emocionante acompanhar a evolução deles e os trabalhos que vão fazendo a cada ano. Temos recebido participantes de várias nacionalidades, inclusive portuguesa, e de vários pontos da Península Ibérica, que veem neste mercado uma oportunidade de divulgação e de venda das suas obras, tanto originais como prints», diz Hugo que agora produz eventos e cria conteúdos.

Na lista dos ilustradores de renome estão Javier Rubín Grassa, Sandra de la Cruz, Mr. Sis, El Dios de los Tres, Daniel Páez, entre outros. A maioria dos ilustradores é de Barcelona, mas há sempre os que viajam de propósito para o mercado.

Como é o caso da portuguesa Maria Dias que participa pela segunda vez. Mariana Mizarela, Helena Soares e Sara Costa, ilustradoras portuguesas, também já estiveram no mercado que tem agora uma parceria com a revista de ilustração, moda e tendências Kluid Magazine, que divulga o festival, dá a conhecer o trabalho de artistas emergentes, e terá entrevistas de alguns dos participantes.

Barcelona, amor à primeira vista

Hugo começou a ir a Barcelona quando a irmã, no final do verão de 2006, se instalou na cidade para um master na área da psicologia. Depois de algumas visitas, no tempo das estreias das companhias low cost em que um bilhete de avião ficava mais barato do que uma viagem de comboio entre Lisboa e Coimbra, Hugo muda-se para Barcelona em janeiro de 2007.

«A primeira vez que visitei Barcelona era bastante jovem, ainda subi as escadas apertadas das torres da Sagrada Família a pé para ver o skyline da cidade, algo que hoje já não se faz», recorda. Foi amor à primeira vista.

Hugo gosta da costela bairrista, que apoia as suas tradições, e da costela cosmopolita e vanguardista de Barcelona.

«A cidade deu-me das coisas que mais estimo hoje em dia: desde a Alexandra, foi em Barcelona que a conheci; poder desenvolver os meus projetos de maneira criativa e empreendedora, também sustentável e apoiada, com bons resultados; ou o simples facto de me ter dado uma visão muito mais desempoeirada da vida.»

Hugo gosta da costela bairrista, que apoia as suas tradições, e da costela cosmopolita e vanguardista da cidade. «À parte disso, tenho as praias de água amena e a neve dos Pirenéus», diz.

«A cidade é fantástica. Há pessoas de todas as nacionalidades e uma oferta cultural muito rica», diz Alexandra ramos.

Alexandra, companheira do Hugo, tinha um fascínio por Barcelona, a cidade que aparecia muitas vezes na televisão espanhola que apanhava na sua casa na Guarda. Na idade de viajar sozinha, partiu de férias e imaginou-se a viver ali.

«Um dia decidi-me. Larguei o emprego que tinha em Lisboa e mudei-me de armas e bagagens. O início foi um pouco mais difícil do que estava à espera, por vir sozinha e por ter demorado quase um ano a encontrar emprego na área que gostava, vídeo e televisão», lembra.

As coisas melhoraram entretanto, arranjou emprego numa produtora, conheceu Hugo, o leque de amigos alargou-se. «A cidade é fantástica. Há pessoas de todas as nacionalidades e uma oferta cultural muito rica. É uma grande cidade onde ainda se preservam aspetos de cidade pequena: é muito comum encontrar algum conhecido na rua por acaso, há muito comércio tradicional e cada bairro tem o seu núcleo e a sua vida entre vizinhos é muito ativa. É também uma cidade muito tolerante», refere.

Anabela também se apaixonou na primeira visita e, dois anos depois, muda-se para Barcelona. Adora o cosmopolitismo da cidade e a proximidade entre as pessoas dos diferentes bairros. «É uma cidade cheia de arte e atividades associadas a ela, em qualquer rua ficamos fascinados pela sua beleza», comenta.

Independência e a falta de diálogo

E a independência da Catalunha? O assunto do momento. «A cidade continua acolhedora e mágica como sempre. O que se vê desde fora não é a realidade do que se passa cá dentro, as pessoas são pacíficas, generosas e cheias de garra por lutar pelos seus direitos», responde Anabela.

Alexandra prefere não entrar em debate político. Defende que todos os povos têm direito à autodeterminação e considera que o governo espanhol não se portou bem neste processo com «a absoluta falta de tentativa de diálogo dos últimos anos, a violência indesculpável do 1 de outubro, os presos políticos, as consequências da aplicação do 155».

A vida continua e Alexandra tem fé nos catalães. Para Hugo, a questão da independência «está ligada a uma política centralista e recentralizada de meios levada a cabo pelos governos do PP. E deste e do PSOE de não conseguirem levar a cabo uma reforma constitucional mais respeitosa com as várias nações históricas dentro do Estado espanhol, o que se considera pertinente, pelo menos desde 2004», remata.