Francesco Marconi: o português no topo dos media internacionais

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Entrevista de Catarina Carvalho

Francesco Marconi é português, apesar do nome que não parece, vem-lhe da família, italiana, mas ele é-o de gema, de Coimbra. Agora vive em Nova Iorque. Manhattan, onde trabalha, continua a ser a menina dos seus olhos, desde os tempos em que a olhava apenas no quadro panorâmico que comprou para pendurar por cima da sua cama, até hoje, quando a vê, real, da varanda do seu apartamento num arranha-céus em Midtown. A cidade é sempre diferente, ao smog ou a um sol límpido, mas sobretudo à noite, quando as luzes a fazem parecer quase uma fantasia.

Uma fantasia é precisamente o que Marconi parece estar a viver, em vez de uma vida real. Aos 31 é responsável pela estratégia e política de inovação da agência de informação Associated Press, dá aulas na Columbia University e foi recentemente escolhido como uma das personalidades dos media que mais se distinguiram em 2017 no campo da inovação digital.

Entrou no mundo dos media pela gestão – era licenciado em Economia quando concorreu a um estágio nas Nações Unidas, interessou-se pelo poder dos media e fez um MBA em Jornalismo na Universidade do Missouri. Percebeu que este ecossistema em crise era simultaneamente criativo, o que lhe permitiu exercer o que mais gosta: traçar um plano para o futuro e inovar.

Foi isso o que também fez no livro que lança agora em Portugal, Avance30 Dias para Criar Uma Vida à Sua Medida. Editado nesta semana pela Matéria Prima tem como mote: «O sucesso não se encontra, cria-se.» Não é um manual de autoajuda, é um plano estratégico aplicado à gestão de carreira.

«A maior parte dos livros que li sobre sucesso não se aplicavam a pessoas de 20 anos. Eram escritos por pessoas no auge das carreiras, e era-lhes removida a parte inicial da subida nas empresas – o que os tornavam fora de contexto para pessoas como eu, que ainda estavam a caminho de terem impacto no mundo do trabalho», explicava Francesco na versão americana. O livro foi lançado nos Estados Unidos com o título Live Like Fiction.

Segundo Marconi, Avance é uma espécie de algoritmo, «um guião para a descoberta do que nos motiva e como usá-lo para ter sucesso». São 30 passos – um por dia, durante um mês, e, sim, inclui fins de semana – divididos em seis fases: a importância de saber quem é, visualize os seus sonhos, arranje um plano, nada o impede, combata a inércia e eleve-se e seja ainda melhor.

O lançamento em Portugal é na Livraria Bertrand do Amoreiras, no dia 24, pelas 19h00, com a presença do autor.

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Como teve a ideia deste livro, foi a sua experiência que levou a ele?
A ideia do livro nasceu de facto da minha experiência nos EUA, da necessidade de me integrar num ambiente desconhecido e do desejo de cumprir o propósito que tinha definido de crescer profissionalmente. Algum tempo depois da minha chegada a Nova Iorque, para fazer um estágio nas Nações Unidas, a deceção foi-se instalando.

Como fazer para me integrar? Como sentir-me parte do lugar? Como marcar os outros? Como desenvolver uma contribuição diferenciada? Para responder a estas perguntas comecei a observar obsessivamente como funcionava o mundo à minha volta: dos comportamentos banais das pessoas – o modo como se cumprimentavam, como faziam conversa de circunstância – até aos mecanismos de funcionamento das relações de trabalho.

Anotei tudo e escrevi. Pesquisei, li sobre o modo como as pessoas comunicavam, textos de psicologia, artigos de economia comportamental. Enfim, procurava um padrão que me indicasse caminhos. Parte das histórias que vivi e das que li estão no livro. Coligi observações que ia fazendo, refleti sobre acontecimentos pessoais, segui a experiência de personalidades que me fascinaram. Perspetivei o todo com ensinamentos de psicologia e psicologia social. Creio o resultado é um produto racional e divertido. E suspeito que útil.

Tive então uma epifania: reencontrar aquele sopro criativo. A resposta que encontrei foi a fusão da economia e da indústria dos media, onde redescobri o espaço criativo que procurava.

A ideia de ir para os EUA e trabalhar aí era antiga?
Foi sempre o meu sonho. Quando tinha 16 anos, comprei uma fotografia a preto de branco da linha do horizonte de Manhattan e pendurei-a por cima da minha cama como forma de definir um objetivo visual… Vim para os Estados Unidos fazer um estágio nas Nações Unidas, era economista e desenvolvia pesquisa sobre temas relacionados com transferência de tecnologia, num programa de science and technology for development.

Desenvolvi um outro projeto que creio que veio a constituir um marco importante nas minhas escolhas futuras… Era um estudo alargado sobre o impacto dos novos media na democracia. Isso propiciou-me outras oportunidades, a apresentação de uma talk numa conferência TED na Universidade do Missouri onde conheci o professor Randy Smith, que me ofereceu uma bolsa de estudo para ser seu assistente na faculdade de jornalismo.

Foi então assim que surgiu a área do jornalismo?
Quando era criança passava muito tempo a desenhar. Gostava de criar. Podia ser um artista, um criador. Talvez uma vaga reminiscência que viria do inventor das transmissões de rádio… Mas o meu primeiro trabalho como economista nas Nações Unidas era o oposto disso. Pouco criativo. Muito balizado. Tive então uma epifania: reencontrar aquele sopro criativo. A resposta que encontrei foi a fusão da economia e da indústria dos media, onde redescobri o espaço criativo que procurava.

E a Associated Press (AP)?
Foi depois de ter estado com o professor Randy Smith, Prémio Pulitzer de Jornalismo e professor na Escola de Jornalismo do Missouri, a escola que desde há muitos anos ocupa o primeiro lugar no ranking das escolas americanas de jornalismo. As aulas dele fascinavam-me. A Escola de Jornalismo desenvolvia investigação em parceria com a Business School. Percebi então que era esta a via que queria seguir. E foi assim que fiz o MBA duma das melhores escolas americanas de jornalismo.

Estabeleci com o professor Randy Smith uma relação de trabalho próxima e participei em projetos que ele dirigia em inovação digital. Um desses projetos era desenvolvido com a Associated Press. Numa visita à empresa, conheci o CEO da altura, Tom Curley, que tinha sido CEO do USA Today.

Na primeira reunião, Curley estava a delinear a estratégia digital que a AP pretendia seguir, quando espontaneamente o interrompi para fazer um comentário. Percebi que ficou interessado no que dissera. Foi talvez arriscado da minha parte – mesmo na Associated Press há formalidades a respeitar. Continuei a trabalhar no projeto e, algumas reuniões de trabalho depois, fui convidado para a equipa de corporate strategy da AP.

Os Estados Unidos operam como uma entidade única. Na Europa existe um certo grau de integração, mas estamos ainda longe de um mercado genuinamente integrado.

Essas coisas é que talvez marquem a diferença entre viver e trabalhar nos EUA e cá deste lado… Isso e a inovação.
As empresas americanas detêm ainda vantagem no setor dos media devido aos enormes avanços do digital nas últimas duas décadas. As empresas que dominam o digital são ainda em larga medida americanas – Google, Facebook, Apple. O pós-crise financeira de 2008 tornou mais evidente uma certa falta de competitividade europeia.

Creio que a Europa não recuperou tão rapidamente como os Estados Unidos por várias razões: investimento deficitário em investigação, digitalização e educação. Claro que também há razões estruturais. Os Estados Unidos operam como uma entidade única. Na Europa existe um certo grau de integração, mas estamos ainda longe de um mercado genuinamente integrado.

Há uma nova onda de investimentos com fundos da União Europeia e também de empresas venture capital. É preciso utilizar este impulso e correr alguns riscos. Mas é também urgente simplificar regras e legislações, criar um mercado completamente integrado.


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E nos media também?
Nos Estados Unidos a indústria dos media está mais desenvolvida porque as organizações têm acesso direto a novas tecnologias oriundas de startups e universidades. Embora haja pontualmente discursos de alguma suspeição relativamente à utilização de novas tecnologias, os media parecem ter menos receio de inovar e correr riscos talvez por as suas ligações ao passado e às tradições serem mais frágeis do que na Europa.

Fazendo agora um discurso mais pessoal, sinto que aquilo que sou hoje foi forjado em Portugal. Aliás, creio que foi a vivência numa cidade como Coimbra, em que a tradição tem uma presença tão marcante, que me fez sensibilizar para uma perspetiva de passado que o configura (a esse passado) não como algo a ser revivido, mas sim a ser superado. Daí o meu interesse pelas tendências futuras, pela inovação.

Na minha opinião não se põe a questão de a inteligência artificial (IA) vir a ocupar as salas de redação. A prática hoje mostra já que pode oferecer enorme avanço para melhorar a qualidade do jornalismo.

Como vê o jornalismo de futuro?
A confluência entre o jornalismo e a tecnologia, que historicamente se desenvolveram seguindo padrões culturais e modelos de negócio diferentes, está hoje a criar grandes tensões mas também oportunidades.

Quais?
As organizações de notícias estão cada vez mais a comportar-se como startups e as competências dos jornalistas parecem já não se limitar ao simples relato. Eles começam a trabalhar na chamada data analysis, constroem novos produtos e exploram as potencialidades das plataformas digitais para distribuir conteúdos.

Com orçamentos cada vez mais reduzidos e uma enorme pressão para aumentar as receitas, os jornalistas têm de inovar e estão a recorrer a metodologias que nasceram em Silicon Valley, como o design thinking, que combina experimentação, feedback e interação – e colocam-nas no centro do desenvolvimento do produto jornalístico.

Neste sentido, a formação dos jornalistas está a tornar-se cada vez mais interdisciplinar, em territórios tradicionalmente pertencentes à ciência dos computadores. E os instrumentos que assim adquirem são transformados em ferramentas para contar histórias e relatar notícias.

Ou seja, não há que temer a transição, porque ela será benéfica, sobretudo para o jornalismo, é isso?
A tecnologia trouxe modificações profundas para o campo da informação: estou convencido de que se desenha já uma nova área disciplinar mais alargada protagonizada por profissionais que representam uma simbiose entre o jornalista, no sentido clássico, e o conhecedor da ciências da computação.

É curioso notar que a Escola de Jornalismo da Columbia University, em Nova Iorque, onde dou aulas, oferece já um mestrado de Jornalismo e Ciências da Computação cujo objetivo é desenvolver competências técnicas e editoriais em todos os aspetos da busca de notícias e produção de conteúdos digitais.

A sua área de desenvolvimento na Associated Press tem muito que ver com inteligência artificial nas redações. Não há que temer – como dizia a robô Sophie –, eles não vão tirar-nos os nossos trabalhos?
A inteligência artificial evoca um misto de emoções. Este par de palavras traz consigo a imagem distópica das tarefas humanas a serem substituídas por máquinas, que progressivamente tomariam o controlo das atividades. Isso salta do campo da ficção científica para a cena e está a causar desconforto.

Na minha opinião não se põe a questão de a inteligência artificial (IA) vir a ocupar as salas de redação. A prática hoje mostra já que pode oferecer enorme avanço para melhorar a qualidade do jornalismo.

Como se usa nas redações onde trabalha?
Permite aos jornalistas analisar dados, identificar padrões e descobrir tendências a partir de múltiplas fontes. Em suma, «ver factos» que a olho nu não são identificáveis. Outras potencialidades: transformação de dados em texto, de texto em áudio, a interpretação de sentimentos a partir da expressão facial, análise de cenas para identificar objetos, pessoas, cores…

A Associated Press começou a usar a IA para automatizar a cobertura de notícias financeira. Em vez de ter jornalistas ocupados a analisar os caprichos do sobe-e-desce financeiro estão a usar algoritmos para acelerar a descoberta de possíveis padrões e escrevê-los diretamente em forma de texto, libertando os jornalistas para histórias mais complexas. Passámos da cobertura de 300 empresas para 4000, sem perda de empregos. Neste momento estamos a começar a utilizar a IA na cobertura desportiva.

Uma peça jornalística deve ser mais do que um texto escrito: significa trabalhar com fotografia, vídeo, grandes quantidades de informação (dados) e o uso de ferramentas computacionais e IA para produzir uma história.

O que é que os jornalistas – todos nós – devem fazer para aproveitar ao máximo estes novos tempos e não serem atropelados por eles?
Todas as tecnologias, em particular as ligadas à comunicação, foram a seu tempo temidas. Os problemas suscitados pelo digital não são radicalmente distintos dos que historicamente foram levantados por outras tecnologias, embora admita que tenham possivelmente um potencial ainda mais transformador.

O que é que os jornalistas podem fazer? Reconhecer a existência do problema como mais uma fase das mudanças tecnológicas que acompanharam a história da comunicação. Em seguida adaptar-se. Uma peça jornalística deve ser mais do um texto escrito: significa trabalhar com fotografia, vídeo, grandes quantidades de informação (dados) e o uso de ferramentas computacionais e IA para produzir uma história.

A exploração de novas ideias através de parcerias com centros de investigação e startups e a aprendizagem de novas tecnologias, na ótica do utilizador, já estão a produzir grandes impactos nas salas de redação. É um trabalho profundo que tem de ser acompanhado de uma mudança de mentalidades, da promoção de uma cultura mais dinâmica, criativa e menos burocrática, dando oportunidades aos jovens (e menos jovens) jornalistas para explorar novos conceitos.

Avance30 Dias para Criar Uma Vida à Sua Medida
Editora Matéria Prima