Esta crónica não é sobre plástico

Notícias Magazine

Quando se pensa no arquipélago vulcânico do Havai, é provável que a mente navegue de imediato por praias de areia vermelha, preta e até verde, ou por quedas de água deslumbrantes.

Dificilmente alguém se lembrará de que à deriva no oceano Pacífico, precisamente entre o Havai e a Califórnia, há uma ilha gigantesca que estraga qualquer cenário paradisíaco. Calcula-se que ocupe uma área de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, ou seja, dezassete vezes o tamanho de Portugal. Uma ilha flutuante, formada por 79 mil toneladas de plástico.

Descoberta pelo oceanógrafo Charles J. Moore em 1997, quando regressava de uma regata no Havai, a ilha cresce todos os anos e motivou um recente estudo da fundação Ocean Cleanup. Os cientistas utilizaram dois aviões e dezoito barcos para obter uma imagem precisa da enorme extensão.

No Atlântico e no Índico também há lixo flutuante, mas a ilha do Pacífico Norte é a maior de todas. É um gigantesco grito de alerta que nos mostra o resultado de um estilo de vida comodista, em que constantemente produzimos muito mais do que devíamos.

Para atenuarmos a má consciência ambiental, durante algum tempo julgámos que fazíamos a nossa parte apostando na reciclagem, ignorando que só uma parte ínfima do plástico produzido anualmente volta ao circuito de produção e, ainda assim, para reutilização em têxteis, gerando microplásticos que se libertam cada vez que ligamos a máquina de lavar.

É a ordem natural das coisas, tal e qual como se varrêssemos o pó para um canto da casa. O planeta não tem porta dos fundos para largar o que não queremos e até o lixo que mandamos para o espaço acaba por nos cair em cima, mais dia, menos dia.

Nunca como hoje foi tão fácil estarmos informados sobre tudo o que se passa no mundo, mas ainda assim agimos frequentemente como se esta casa global desarrumada não fosse nossa.

Porque a gigantesca ilha flutuante de plástico está fora do alcance do nosso olhar, porque julgamos que os desafios ambientais são tão gigantescos que nos transcendem, ou simplesmente porque no nosso natural egoísmo ainda não nos apercebemos de que tudo acaba por nos tocar.

E, no caso do plástico, a um ponto que não calculamos, porque é grande a incerteza relativamente ao impacto da ingestão de partículas microscópicas não apenas na vida marinha, mas na própria saúde humana.

Podemos achar que isso de reduzir é conversa de ambientalistas aborrecidos. Por mim, acredito que o lixo de que nos rodeamos acaba por nos entrar na vida. Se olharmos à nossa volta, temos a casa cheia de objetos em que raramente tocamos. Inutilidades que se acumulam e envelhecem à espera de nada.

Quando paramos e olhamos com calma para dentro, é possível que encontremos a mesma acumulação inútil dentro de nós. Frenesim, correria, excesso de passado, carga de preocupações, projetos, recados a tratar. Sempre um tremendo peso que tantas vezes nos desvia do que é realmente essencial.

Limpar e remover lixo não é apenas útil no dia-a-dia. Nem uma necessidade exclusiva do planeta. É uma atitude. À medida que vamos cortando no inútil, no acessório e no que nos sobrecarrega, ganhamos em foco para aquilo que merece a nossa energia e o nosso investimento. Menos, naquilo que importa na vida, resulta quase sempre em mais.