Das pequenas lições num Uber, numa manhã de chuva

Notícias Magazine

Esta semana apanhei um Uber com um motorista peculiar. Era guineense, militar e ecologista. Estávamos a falar da chuva que caía em Lisboa – a potes – e ele contrapôs com um «ainda bem» sem margem para dúvidas, sem mas, ao contrário do meu «ainda bem» banal que trazia imensas reticências.

Começou com uma conversa um pouco freak sobre o respeito que devemos à mãe natureza, mas logo seguiu com exemplos pragmáticos explicando-me que usava um balde para recuperar a água do início do duche, que lá em casa a família lavava a roupa nas máquinas das lavandarias low cost, o que é mais barato e eficiente, que só lavava roupa em grandes quantidades duas vezes por mês e que a restante era lavada à mão, com água muito quente, e posta a secar ao ar. E que o seu maior orgulho era ver hábitos ecológicos replicados na filha.

Talvez vos possa parecer pouco para uma crónica, mas é tanto. Se todos tivéssemos hábitos destes, ninguém precisava de estar preocupado com o futuro do planeta. Era simples e natural – tal como a maioria dos gestos que alguém com consciência ecológica deve ter.

No caso do meu motorista, ele fazia-os tendo na lembrança a avó que lavava e secava os lenços do avô com cheiro a lavanda que ela própria produzia da alfazema que crescia no quintal. «Hoje, já ninguém faz nada, não é?», disse ele, fazendo-me recordar com peso na consciência da quantidade de plástico que inutilizamos lá em casa por semana.

Esta conversa foi ainda mais relevante para mim, por uma questão de contexto. Chegara dos EUA onde o maior problema para o mundo talvez não seja Trump – ou antes, talvez seja uma parte de Trump, que está tão de acordo com o estilo de vida dos americanos que dificilmente terá tanta oposição quanto o seu programa de política externa. Sim, podem começar por surpreender-se, mas já vão perceber.

A verdade é que o estilo de vida americano, que tanto e tão romanticamente nos conquistou durante décadas, desde os anos 1940, através de filmes, músicas e ideário, pura e simplesmente não é sustentável.

Os americanos continuam a ter carros grandes demais, a comer de mais, a desperdiçar de mais e a fazer lixo de mais. O estilo de vida americano – e o seu quotidiano – foi construído todo à volta de duas coisas: comida e gasolina baratas.

E foi assim que se constituiu a sociedade que anda em SUV enormes que gastam mais de 20 litros aos 100km, que consome pratos de batatas fritas que davam para alimentar uma família em Portugal, que tira três guardanapos de papel quando precisa apenas de um, que constrói prédios até à beira da praia em mais locais do que devia, que põe o ar condicionado no gelo, no verão, e no calor tropical, no inverno. Esta é a outra face de um estilo de vida confortável, lá está, mas muito pouco sustentável.

Nestes últimos dias de chuva tenho pensado no tanto que ainda falta fazer para que mudemos de hábitos. Não chegam, pelos vistos, mais de 100 mortos nos incêndios florestais para que percebamos que a limpeza das matas não é um assunto do governo, é um assunto de Estado e de todos nós.

Não chega, pelos vistos, a maior seca dos últimos anos, e a segunda maior de sempre, para que mudemos o nosso sistema de retenção de água – é vê-la a correr, pelos bueiros de Lisboa e Porto, em direção ao mar. E nisso estamos tão mal como os americanos. E teríamos, como eles, muito a aprender com o meu motorista.