Dicionário Ilustrado: A tela

Notícias Magazine

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Olhar exactamente para o mesmo sítio da mesma imagem mas agora pensando outro pensamento. Eis o método.

E é isto, no fundo. Como é que vemos uma imagem? Vemos com os olhos, com o pensamento e com a imaginação.

Portanto, olhemos de novo para estas três imagens.

É evidente, dirão, que é necessário dar trabalho aos seres huma­nos e, portanto, entre comprar um cavalete ou pagar a um sujeito pa­ra segurar na tela durante quatro horas… talvez seja preferível pagar a um sujeito. Um sujeito cuja missão seja ser cavalete durante horas, homem-suporte de tela.

E o que este homem faz, ao segurar numa tela em branco, é, no fundo, segurar num conjunto de possibilidades, num conjunto infinito de possibilidades.

É como dizer: isto está aqui, agora faz!

Poderá ser, afinal, um método para obrigar um pintor preguiço­so a trabalhar. De facto, um cavalete suporta fisicamente a tela mas está calado e não emite uma certa tensão e pressão necessárias para que a arte avance e exista.

Aqui, neste novo método, digamos assim, temos um senhor cha­mado Alexandre que segura a tela do pintor preguiçoso e o esforço dos seus braços a segurarem a tela exigem do pintor uma certa ac­ção; pois o pintor é pintor mas não é sádico. Se ele não fizer um úni­co traço na tela em branco estará, de certa maneira, não apenas a desrespeitar o material de pintura mas a desrespeitar um ser hu­mano – aquele sujeito, de nome Alexandre, que ali está, a segu­rar com esforço a tela, com evidente tensão muscular de braço, antebraço e mente.

Poderemos pensar até em voluntários homens-tela. Sujeitos com tal amor à arte que estariam disponíveis para oferecer o seu tempo e o seu esforço muscular para levantarem a tela à altura desejada pelo pintor. Claro que é necessário que o voluntário seja robusto e resistente e que os seus braços não tremam no momento decisivo da acção do pintor. Se assim acontecer, uma nova arte poderá surgir.

GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[Publicado originalmente na edição de 11 de maio de 2014]