Margarida Rebelo Pinto

Miss para sempre


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Nunca o acesso à informação foi tão fácil, nunca os conteúdos foram tão abrangentes e, no entanto, nunca a polarização de opiniões foi tão vincada. O livro “Identidade e família” apresentado esta semana por Pedro Passos Coelho, que reúne textos que um conjunto de personalidades gostaria de projetar no futuro da sociedade portuguesa, criou ondas gigantescas de protesto de forma transversal. Homens e mulheres de todas as gerações e de todos os quadrantes políticos manifestaram-se chocados e incrédulos com o seu conteúdo que espelha uma tentativa de regresso ao passado bafiento e salazarista, tentando empurrar a mulher para a sua antiga condição de dona de casa dos anos 1950, com o recuo na sociedade que tal ideário implica.

Para lá do conteúdo do mesmo, existe em todo este episódio um facto que o catapultou para a esfera de notícia. A obra foi apresentada por uma figura sebastianista, talvez de cariz messiânico para os seus seguidores, que gere os seus silêncios e as suas aparições com estratégia e eficácia, como se fosse ainda um agente político. Lembro que Passos Coelho não o é há dez anos. E se o queremos comparar a alguém, então faço uma comparação com António Guterres, um socialista que era contra o aborto e contra as uniões de facto. Ambos ocuparam o cargo de primeiro-ministro. Ocuparam, tempo verbal do pretérito perfeito, que define uma ação terminada. Por mais mediatismo que Passos Coelho consiga angariar, os seus gestos, discursos ou atitudes são feitos em causa própria, que é apenas a sua.

Fico sempre um pouco perplexa quando vejo ex-líderes políticos comportarem-se como se ainda estivessem em funções. Mário Soares foi exímio nesse papel de eterna diva da política. Fazem-me lembrar as misses que guardam para sempre a faixa e apregoem durante toda a sua existência a sua condição vitalícia, embora transitem a tiara à miss eleita no ano seguinte. O resultado deste episódio serviu para a Esquerda pintar de forma oportunista que toda a Direita se está a alinhar com delírios reacionários, o que não é verdade, e para a extrema-direita cavalgar à boleia da confusão, quando esta não é uma questão de direita nem de esquerda.

O discurso retrógrado e fascista de um conjunto de personalidades não representa a social-democracia moderada e progressista que Portugal elegeu para governar. Passos Coelho é um homem só, desfasado no tempo e desajeitado no modo, cujos gestos apenas servem para aumentar a polarização de ideias. Repito: esta não é uma questão de esquerda e de direita. É uma questão pessoal, e é como tal que deveria ser analisada.