Homens e mulheres: vêm ou não de planetas diferentes?

Para muita gente – como a psicóloga Gabriela Moita – ainda há muito a fazer para que as mulheres tenham os mesmos direitos do que os homens. Mas outros – como o psiquiatra Pio Abreu – acham que hoje eles é que estão a perder terreno. São amigos mas em relação ao papel do feminino e do masculino têm opiniões bem diferentes.

Um acha que é preciso garantir que a identidade dos homens heterossexuais não desapareça, outra defende que ainda há muito a fazer no que respeita à igualdade das mulheres – ou melhor, das pessoas. O psiquiatra José Luís Pio Abreu, autor do livro A Queda dos Machos – Cartas às Minhas Amigas, e a psicólogia clínica Gabriela Moita são amigos, mas chocam de frente quando se fala sobre o papel dos sexos.

«Hoje já não se fala de homens heterossexuais. Eles já não têm identidade», diz Pio Abreu, 72 anos. Gabriela, de 53, ri-se e dispara um «coitados». Acha, em teoria, que esse argumento nem merece resposta, mas, por ser se tratar de um amigo que respeita, decide responder: «Basta ver o texto de Pierre Bourdieu [sociólogo francês] sobre violência simbólica que diz que a reclamação de um direito não é para quem faz parte da norma.» Mas o professor discorda, uma vez que considera que «os homens também são discriminados.»

Gabriela está mais preocupada com o grande caminho que ainda está por percorrer nos direitos das mulheres. E recorda que os homens têm ordenados mais altos e predominam nos lugares de topo. «Isso dos salários tem que ver com o facto de as próprias mulheres não exigirem vencimentos altos», atira Pio Abreu. Para a amiga, até pode ser que exista essa atitude, mas resulta da forma como a sociedade educa as mulheres, que não é igual.

Seja como for, diz Pio Abreu, há diferenças de raiz: eles são mais lógicos, elas mais românticas, eles têm mais espírito de missão e elas são mais sedutoras e manipuladoras.

«Não concordo nada, conheço muitos homens manipuladores», refuta Gabriela. «Mas a ser verdade tem que ver com o facto de as mulheres terem de usar o seu poder, pois durante anos ficaram reféns do seu espaço, em casa.» Em todo o caso, a psicóloga não é fã da ideia de caraterísticas específicas para cada sexo: «Eu, por exemplo, sinto mais proximidade com homens do que com mulheres.»

Pio Abreu insiste: «Há diferença mais óbvia do que um homem e uma mulher?», questiona, dizendo que a prova disso é o facto de as línguas usarem o masculino e o feminino. «Mas os géneros existem exatamente para fazer discriminação. A construção da língua espelha a cultura», contrapõe Gabriela, para quem comparar homens e mulheres não faz sentido. «O que interessa são as pessoas. Por isso, digo que sou uma feminista de igualdade. As pessoas devem ter direitos iguais, independentemente do que são.» Pio Abreu não perde tempo a responder: «As pessoas são todas diferentes. Mas a maior diferença que existe é entre o homem e a mulher.»

Numa coisa os dois concordam: a pílula foi uma peça-chave na emancipação da mulher. «Passaram a controlar a natalidade e nessa altura os homens ficaram deslumbrados», diz Pio Abreu. A colega partilha da ideia de que o comprimido foi «muito importante», mas deixa um aviso: «Já não chega. Agora é preciso retirar a obrigatoriedade de ter sexo», explica, notando que a sociedade toma o sexo como obrigatório em certas relações.

Um e outro gostam de falar do tema e levam-no a sério. Mas, pelo meio, lançam provocações. «Sabe, algumas mulheres feministas, quando têm filhos, mudam e percebem bem as diferenças de género», diz Pio Abreu, que garante não ser machista mas admite que não gosta de ver os homens como culpados de tudo. «O professor deve é ser feminista, porque trata bem as mulheres», provoca Gabriela, lembrando que, ao contrário do machismo, que quer mais poder para os homens, o feminismo apenas defende direitos iguais. O professor acha graça à provocação, mas não lhe faz a vontade. «Hoje não sou nada que termine em “ismo”.» Nem acha, acrescenta, que os homens e as mulheres tenham de andar sempre em guerra. «Mas lá que têm de negociar muito, têm.»

GABRIELA MOITA
Psicóloga clínica, terapeuta sexual e psicodramatista. Tem 53 anos e doutorou-se em Ciências Biomédicas, tem participado em alguns programas de televisão, como o Elogio da Paixão (RTP 2), e dedica-se às questões de género. Em 2003, recebeu o prémio Arco-Íris da Associação Ilga Portugal, de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero.

JOSÉ LUÍS PIO ABREU
Autor do livro A Queda dos Machos – Cartas às Minhas Amigas (ed. Dom Quixote), lançado em outubro de 2016, é psiquiatra e dividiu a sua carreira de médico, no Hospital da Universidade de Coimbra, com a de professor associado da Faculdade de Medicina. Hoje, aos 72 anos, exerce clínica privada e faz parte do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos.