Surfistas que destroem praias

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A semana passada, o jornal online Eco anunciou que a A8 poderia receber um novo nome: ASurf, a Autoestrada do Surf, porque entre Loures e Leiria existem algumas das melhores ondas nacionais. Então vamos lá falar de surf. A época balnear terminou há menos de nada, esta é provavelmente a melhor altura para pensarmos no futuro das nossas praias. E o surf tem de fazer parte da questão. Há um ano, a Associação Portuguesa de Surfistas estimava que o país tinha ganhos anuais de 400 milhões de euros com a modalidade. Entre a indústria propriamente dita (escolas, lojas, vendedores de material), o turismo especializado e os mais de 200 mil praticantes nacionais, tornou-se num vetor incontornável da economia portuguesa. O surf salva regiões em processo de despovoamento e contribui para equilibrar as contas do país. Não vejo porque não lhe possam atribuir o nome de uma autoestrada.

E, no entanto, o surf também está a destruir as praias. No início desta semana (e estamos a meio de outubro), vi um casal de velhotes chegar à praia da Arrifana, em Aljezur, para dar um passeio no areal. Estacionaram no fundo da descida, numa pequena zona de estacionamento autorizado, e assim que desligaram o motor foram abordados por um rapaz que lhes disse que não podiam estar ali. Era condutor de uma carrinha decorada com motivos flower power, no topo tinha uma grande para arrumar pranchas, era o veículo oficial de uma escola de surf não legal. «Essas placas a permitir o estacionamento não deviam estar aí», queixou-se o rapaz com maus modos, «porque assim é muito mais difícil dar a volta às nossas carrinhas. Esta zona é das escolas de surf».

O casal de velhotes acabou por voltar a enfiar-se dentro da viatura e seguir rampa acima, à procura de novo lugar. Mas todo o parqueamento estava ocupado por carrinhas de escolas de surf. No mar, mesmo a meio de outubro, dezenas e dezenas de surfistas esperavam por uma onda. A única hipótese que aqueles velhotes tinham era estacionar no topo da falésia, descê-la a pé e tornar a subi-la. Quando se tem setenta ou mais anos, esse esforço é demasiado.

O presidente da câmara local já veio a público dizer que há um excesso de operadores a ocuparem as praias de Aljezur. «A modalidade é bem-vinda, os praticantes são bem-vindos, mas não podem expulsar os banhistas das praias. Queremos que o surf seja um produto turístico ordenado, até porque as nossas praias sempre foram vocacionadas para o turismo familiar», dizia, já no início deste ano, José Amarelinho à Agência Lusa. Em conversa com Alexandre Afonso, da Associação de Escolas de Surf da Costa Vicentina, o problema parece ser simples: «Temos cerca de 38 campos legais nas praias de Aljezur e Vila do Bispo, mas calculamos que o número de ilegais seja muito superior. Esses não obedecem a quaisquer regras. Quando são abordados pela capitania do porto, dizem simplesmente que são particulares. Mesmo que às vezes estejam identificados como Surf Camp nas carrinhas.»

O porta-voz desta Associação diz que a qualidade do ensino, o espaço e a segurança dos banhistas estão a ser postos em causa na região. E o que está a acontecer com o surf em praias como a do Amado, da Arrifana ou da Cordoama é o mesmo que aconteceu com a construção civil há trinta anos em zonas como Quarteira, Albufeira ou Armação de Pêra. Por falta de ordenamento e inspeção, o surf está a destruir praias que um dia foram de todos. É uma modalidade bem-vinda, sim, mas tem de ser regrada e as capitanias dos portos têm de se dedicar seriamente à sua inspeção. Para que um casal de velhotes possa pisar o areal da Arrifana a meio de outubro. E para que as nossas praias mais selvagens não se tornem uma selvajaria.