O admirável mundo novo sem manguito

Notícias Magazine

Imogen Wilson, talvez não a conheçam. Loura, 22 anos, piercing na narina esquerda, vice-presidente da associação de estudantes da Universidade de Edimburgo. Tal estatuto devia ter algum peso: o edifício da associação, torres redondas e janelas góticas, foi o primeiro, em todo o mundo, a ser construído para estudantes, há mais dum século. Mas vale pouco, esta jovem Imogen. Há dias, durante um debate de estudantes, ela levantou a mão durante a intervenção dum colega. Como quem diz, num gesto: «Vai dizer isso a outra…» Levou com uma moção para ser expulsa da sala. Vá lá, das 51 pessoas que votaram, 33 deixaram-na ficar. Pouco depois, ela levou com outro voto de expulsão. Também, estava a pedi-las: quando outro colega falava, Imogem pôs-se abanar a cabeça.

Levantar as mãos? Abanar a cabeça? Há gente assim, violenta como esta Imogen. Por causa disso, em algumas universidades canadianas e britânicas foi inventada a norma do safe space. Ainda não chegou cá, mas não tarda. Safe space, espaço seguro, são normas para os estudantes não serem violentados e brutalizados, já nem digo por insultos ou gritos, mas por encolheres de ombros que podem ferir profundamente. Parece que havia muito stress pós-traumático nos claustros da velha universidade, depois de estudantes serem atingidos por gestos de fastio, olhares de reprovação, enormidades assim. Pelos vistos, pode ser-se fundada em 1582, ter uma lista de alunos em que há um Charles Darwin, um Robert Lewis Stevenson e 22 prémios Nobel, e formar jovens tão lingrinhas que não aguentam um dedo apontado…

Agora, nessas universidades, há regulamentos dos estudantes que, à pala de proibir gestos e palavras discriminatórias, castram os debates, o falar aberto e duro, o confronto de ideias. Educam-se os jovens num «bonismo» de melhor dos mundos, onde eu e o outro temos sempre palavras suaves e sorriso de quem põe um like numa foto de gatinho fofo. E se não temos, sai votação para excluir o mal-humorado. Ofender é o pecado supremo. Como se Darwin não tivesse ofendido, e muito, quando explicou aos nossos trisavós que eles descendiam do macaco. Como se Stevenson tivesse de reescrever a sua novela e chamar-lhe Dr. Jekyll e Dr. Jekill, o médico e o médico, porque neste mundo suave não há lugar a monstros como Mr. Hyde.

O estado de espírito do tal «espaço seguro» é um fazedor de gente mole. Criam-se regulamentos, geralmente na defesa de boas causas, e a primeira consequência é desarmar a defesa delas. As causas, protegidas da controvérsia, não fortalecem os seus argumentos, não são confrontadas com as suas fraquezas. Deixam de ser conquistas, são valium generalizado. Mulheres, gays, boa educação, pacifismo, passam a naperons em salinha onde não se entra. Não são a medalha ao peito, ganha em batalhas de séculos.

A segunda consequência é a esquizofrenia a que votamos estes estudantes. Nas escolas enfiamo-lhes auscultadores que os livram dum grito e escondemo-los em vitrinas que os protegem da contrariedade. E, em todos, um sorriso inefável, não vá algum sentir-se ofendido. Lembram-se do que aconteceu aos índios que se cruzaram com bacilos completamente desconhecidos, trazidos de além-oceano? Pois. Estes jovens, que só conhecem a conversa suave, nem um gesto de desagrado, nem um manguito, não vão viver no safe space duma redoma. Vão viver em esplanadas que explodem.

[Publicado originalmente na edição de 10 de abril de 2016]