E se de repente um desconhecido lhe oferecer um clique?

Não será por impulso. E poderá ser o início, ou até o fim, de alguma coisa. Uma noite de sexo, um relacionamento amoroso, uma amizade, um café, uns copos, só conversa, um passeio turístico, «psicoterapia» gratuita, solidão acompanhada. Depende do que quiser. E dos gadgets que usa. Sem smarphone ou tablet nada feito. Se os tiver, as apps são inúmeras, com o Tinder a dominar o mundo, coadjuvado por redes sociais como o Facebook ou aplicações de troca de mensagens como o Whatsapp. Difícil é ficar sozinho.

Não o conhecia, nunca tínhamos falado, a circunstância de estarmos ligados pelo Facebook dever-se-ia ao facto de termos muitos amigos em comum. Sabia que ele existia porque os seus posts apareciam no meu feed e tinham piada. Um dia: «Olá, estás boa?», pelo chat. «Sim, e tu?», respondi, pensando que vinha aí qualquer coisa de trabalho. Entre a estupefação e o divertimento (confesso), a conversa avançou num sentido que não previa quando perguntei «e tu?» Já para o fim, a coroar uma descarada tentativa de engate, «I’m a very naughty boy», dizia ele, sem perceber que o diálogo estava prestes a terminar. «Já vi que és. Mas não faz o meu género, a cena creepy ou naughty ou o que for. Gajas com opiniões. São uma seca. Eu avisei-te.» «Podemos conversar, ainda assim? OK. Esquece.»

Horas depois, digerido o acontecimento, pergunto-lhe: «Esclarece-me uma curiosidade (porque a nossa conversa despertou-me interesse profissional, sou jornalista): esta tua abordagem costuma resultar?» Resposta: «Não é da tua conta.» Mas é. Claro que é. Não insisti. Mas também não desisti. Pesquisei. Perguntei. E percebi que o problema é meu. O mundo da sedução mudou e eu não dei conta. Shame on me.

TINDER SURPRESA
Já a Vera*, que é mais velha, 47 anos, deu. Divorciada, com filhos adolescentes de um casamento de 15 anos, decidiu em Setembro do ano passado entrar no Tinder.

Para quem não sabe, o Tinder é uma aplicação, lançada em 2012, em Los Angeles, para juntar pessoas usando a geolocalização. Já chegou aos cem milhões de downloads, está em 196 países, trinta línguas, e é um sucesso também em Portugal (ver caixa). Uma vez instalado no smartphone ou tablet, o Tinder liga-se ao Facebook, recolhendo parte da informação de perfil do utilizador. Respondidas as perguntas sobre o que se procura – mulheres, homens ou ambos, de que idades (entre os 18 e os 50) e a que distância (num raio de dois a 160 quilómetros) –, quem preencher os requisitos e também estiver na aplicação pode ver a fotografia de perfil e outras que escolher, o primeiro nome, a idade e uma pequena descrição (ou declaração de intenções) do utilizador. E vice-versa. Quem agrada é enviado para a direita com um simples deslizar de dedo. Quem não agrada é arrumado à esquerda. A este movimento chama-se swipe. Quando os swipes para a direita coincidem (gostaram um do outro), acende-se a chama e dá-se um match, o que abre a possibilidade de iniciar uma conversa a dois num chat. Se começa e onde acaba depende da vontade de cada um. Parece um jogo? Parece. E é. Mas a sedução não foi sempre encarada como tal?

Vera já tinha ouvido falar da aplicação e pensou «não tenho nada a perder». Teve logo imensos matchs, de «gente que não interessava nem ao menino Jesus». Percebeu que devia ter lido antes as instruções. Isso teria evitado o deslizar aleatório de fotos e os matchs inúteis. Dominadas as regras, criou as suas próprias: à cabeça, nunca ser ela a dar o primeiro passo após o match.

«A ideia generalizada é a de que é uma aplicação de engate, mas eu penso que há de tudo: quem queira só sexo, quem esteja à procura de um relacionamento, quem queira conversar e conhecer gente nova ou até quem ande à procura do marido (não de marido, mas mesmo do marido)», diz, a rir, Vera, para quem o fundamental é cada um saber e mostrar exatamente ao que vai. Poupa tempo e desilusões e facilita a triagem. No caso desta mulher de olhar determinado, os que iam diretamente ao assunto (sexo) não passavam no crivo. «A grande virtude desta aplicação é que basta um clique para fazer desaparecer quem não nos interessa. Também aconteceu comigo. Quando dizia que procurava homens que soubessem pensar e conversar, muitos eliminavam-me logo», diz, triunfante, prosseguindo na enumeração das vantagens: «Estamos no conforto da nossa casa, à hora que entendemos, e podemos conhecer pessoas que de outra forma não conheceríamos. Só expomos o que queremos, só interagimos com quem queremos. O controlo é nosso. O que procuramos? A maioria sexo, sim, embora muitos camufladamente.» Vera também. Não só, mas também. Em centenas de matchs, conversou com dezenas de homens, conheceu pessoas interessantes, fez amigos, mas o passo seguinte, do encontro cara a cara, só deu quatro ou cinco vezes. Numa delas bastou o café para perceber o desinteresse. «Não houve qualquer empatia e foi incómodo, sobretudo porque ele cumprimentou-me com um beijo na boca.» As conversas tidas virtualmente justificavam-no, mas ainda assim foi estranho. Fez-lhe falta o botão de eliminar, mas não teve dificuldades em desenganar o interlocutor. Com outros dois houve «uns beijos e uns amassos». Com o último, um relacionamento de dois ou três meses: «Uma coisa muito física, sabia à partida que não era por ali, mas a química era forte.»

Vera já não está no Tinder. Encontrou uma pessoa que fez a aplicação perder sentido. Mas garante que foi uma experiência enriquecedora. Um jogo que gostou de jogar e ao qual admite voltar.

SEXO, SEXO, SEXO
Ana Carvalheira, psicóloga, sexóloga e investigadora do ISPA, instituto universitário, cuja tese de doutoramento, em 2000, versava sobre amor e sexo através da internet, já não tem os mesmos preconceitos de há 15 anos. «O jogo de sedução mudou completamente e isso não tem de ser encarado como negativo. O que se perdeu em toque, cheiro e olhar ganhou-se, com as redes sociais e as aplicações de encontros, em facilidade e possibilidades, que passaram a ser imensas. É mais simples criar uma perceção de intimidade ainda antes de conhecer o outro pessoalmente e quando o encontro se dá, os dados já estão quase todos lançados. Alguns clientes meus usam o Tinder e comentam-me coisas positivas.»

E, no entanto, a edição de agosto da Vanity Fair comparou o advento do Tinder e afins a um verdadeiro apocalipse. «Tal como o degelo levou a Terra à sexta extinção, outro fenómeno sem precedentes está acontecer em matéria de sexo», lê-se na revista norte-americana. «A cultura do engate, que tinha vindo a evoluir nos últimos cem anos, colidiu com as apps de encontros, que tiveram o efeito de um meteoro nos agora jurássicos rituais de sedução.» O investigador Justin Garcia, do Instituto Kinsey para Investigação em Sexo, Género e Reprodução, da Universidade de Indiana, ajuda à festa, dizendo que estamos a pisar terreno desconhecido e que houve duas grandes transições no «acasalamento» heterossexual nos «últimos quatro milhões de anos»: a revolução agrícola, há dez a 15 mil anos, que levou à sedentarização e à instituição do casamento como contrato social, e o surgimento da internet, agora.

Dos primitivos chats às atuais «apps de engate», a escalada foi imparável, de acordo com o artigo da Vanity Fair: «Em fevereiro, um estudo indicava que perto de cem milhões de pessoas – cerca de cinquenta milhões só no Tinder – usavam os smartphones como uma espécie de clube de solteiros aberto 24 horas, onde podiam encontrar um parceiro sexual tão facilmente como um voo barato para a Florida. “É como encomendar Seamless”, diz Dan, corretor financeiro, referindo-se ao serviço online de entrega de comida. “Mas estás a encomendar uma pessoa”.» Trinta e seis mil carateres demolidores. Para o Tinder e para a sociedade norte-americana. Ficamos sem perceber por que é que mulheres que dizem que têm mais prazer com um vibrador continuam a sujeitar-se a ser tratadas como food delivery e homens como Dan continuam a «encomendar», quando deploram o facto de estas serem demasiado disponíveis. E sobretudo por que é que, quando todos jogam o mesmo jogo, com as mesmas regras, persiste um duplo padrão na «avaliação» de comportamentos: elas são fáceis, eles são campeões.

Seja como for, talvez em resposta ao polémico artigo, Sean Rad, CEO do Tinder, encomendou um estudo envolvendo trezentos mil utilizadores. Os resultados, apresentados em novembro, em Dublin, na Web Summit, conferência mundial de novas tecnologias e internet, revelam que oitenta por cento dos utilizadores procuram relacionamentos de longo prazo.

Talvez nem oito nem oitenta. Haverá de tudo, como na vida real, que se cruza cada vez mais com a virtual, esbatendo fronteiras. Será um pouco como acontece com os jornais em papel e online. Em papel, temos uma oferta limitada, há que ir ao quiosque comprar, dá trabalho, mas podemos tocar-lhes, virar as páginas, ler de frente para trás ou de trás para a frente. Apegamo-nos a um e não é fácil traí-lo. Até podemos ler outros, mas àquele já o conhecemos e é o que nos inspira mais confiança. Online temo-los do mundo todo, ali, gratuitamente, no ecrã do nosso computador ou smartphone. Fáceis, acessíveis, muitos. Nem é preciso escolher, podemos navegar à vontade. Abre janela, fecha janela. Clique no que interessa. Muitas vezes não passamos do lead ou do primeiro parágrafo. Outras lemos até ao fim, scroll down, scroll down, milhares de carateres. E quando isso acontece, apegamo-nos.

Paul W. Eastwick, professor de Psicologia da Universidade do Texas, que tem investigado como se iniciam as relações românticas e que mecanismos psicológicos favorecem que os casais permaneçam unidos, disse ao El País Semanal, num artigo sobre o amor nos tempos modernos, em Outubro passado, que as aplicações de encontros e redes sociais levam as pessoas a pensar que têm mais opções românticas, o que, de acordo com a evidência empírica, conduz a que demorem mais tempo a comprometer-se. No entanto, não está provado, segundo o investigador, que a forma como se conhecem, através de uma aplicação ou da «vida real», influencie a duração ou o tipo de relacionamento.

nm1238_tindersurpresa01

TU ESTÁS SÓ E EU MAIS SÓ ESTOU
Zé*, 28 anos, confessa que influenciaria. Tem o Tinder há três anos, embora hoje já não o use muito. «É uma questão de moda. Não desliguei, mas perdi o hábito de lá ir.» É bem-disposto e expansivo, mas tem dificuldade em arriscar e a aplicação tanto lhe poupava o tempo que não tinha, ocupado que estava com os estudos e a carreira, como o poupava a rejeições diretas. «O sim ou o não não são ditos na cara e, quando nos encontramos, já sabemos ao que vamos, já conversámos pelo Facebook ou o Whatsapp, já não há silêncios esquisitos, temos do que falar.» Encontrou-se com várias raparigas e houve de tudo, só conversa, cafézinhos, desilusões («hoje, toda a gente é especialista em fotografia»), sexo e um namoro que durou quase um ano, mas apesar disso, ou por isso mesmo, não hesita em dizer que pensaria duas vezes em casar com alguém que tivesse conhecido no Tinder. «Eu sei que a ideia de que as mulheres não devem ter muitos namorados está ultrapassada, mas a sociedade continua a ser machista e o Tinder é uma forma de as mulheres terem as aventuras que querem sem ser julgadas porque ninguém sabe. E quem procurou uma vez, procurará mais, por isso, se põe as coisas em casar, sim, pensaria duas vezes. Mas olhe que as mulheres pensam o mesmo em relação aos homens.»

Rodrigo*, 22 anos, também educado numa família tradicional e muito católica, não estava a pensar em casamento quando, em 2014, fez o download da aplicação. Não estava a pensar em nada, aliás. Era apenas uma forma de passar o tempo. Para ele e, segundo ele, para a sua geração, o Tinder é uma aplicação como outra qualquer. Toda a gente tem (embora poucos o admitam e, quando o fazem, digam que é para o gozo). A maioria, a avaliar pela sua amostra de amigos, tem para reforçar a autoestima. Elas querem sentir-se desejadas, eles também, mas passam poucas vezes à prática. «A ideia é colecionar matchs, tipo coleção de cromos. Até há quem faça apostas», diz, exibindo os quarenta e tal que tem agora. «Não é muito, há quem tenha centenas.» O facto de ter estado out durante quase um ano, tempo que durou o namoro com uma rapariga que conheceu no Tinder, poderá explicar as «poucas» coincidências deste rapaz bonito, cabelo loiro, olhos azuis, que se define tímido e pinga-amor, incapaz de ter uma relação sem criar alguma intimidade. A agora ex-namorada foi a terceira com quem falou e a primeira com quem se encontrou, não sem antes ter procurado saber mais sobre ela no Facebook. «Adicionei-a logo, o que foi um bocado creepy da minha parte, ela assustou-se, mas é a única forma de conhecermos melhor as pessoas.» Os gostos musicais coincidiam. E não só. Amigos e família foram apresentados à namorada, mas ninguém soube que se tinham conhecido através da aplicação: «Isso seria logo uma red flag. Diriam: se está no Tinder, por alguma coisa é.»

Neste «alguma coisa» pode ler-se engate, sexo fácil e fortuito. E não há nada que irrite mais Maria*, 36 anos, do que esta ideia. Não teria problemas em dar o nome verdadeiro e a cara, já o fez, mas no dia seguinte tinha um «monte de maluquinhos» a meterem-se com ela no Facebook. «Não me aquece nem arrefece o que pensam de mim, estou-me nas tintas, não tenho é paciência para aturar malucos e ainda existe muito esta ideia parva de que o Tinder é só para o engate e que, se estás lá, és uma “ganda” maluca, totalmente disponível. Não. Para mim é apenas uma aplicação que me dá a oportunidade de conhecer pessoas que de outra forma não conheceria, ponto final.»

A primeira vez que usou foi há três anos, quando estava em Londres, em trabalho. Passava o dia em reuniões e queria conhecer pessoas, trocar ideias, o objetivo não era, de todo, o engate. «O paradigma mudou. Estamos numa idade em que é mais difícil conhecer gente diferente e disponível, os amigos estão todos casados e com filhos, saímos menos à noite, temos menos vida social e esta é uma aplicação que nos dá essa possibilidade. Encaro-a com absoluta naturalidade. Para mim não existe diferença entre a vida real e virtual. Quem quer fazer porcaria faz, seja qual for a plataforma. E às vezes cria-se mais intimidade com pessoas que conhecemos virtualmente do que com quem está connosco todos os dias. Para um encontro acontecer tem de fazer sentido. Já conheci pessoas e ficámos amigos, já andei com pessoas e enquanto funcionou foi muito bom. No big deal

LOVE ME TINDER
A psicóloga Ana Carvalheira confirma que se trata sobretudo de uma mudança de paradigma. «Não há só um leque muito mais alargado de pessoas disponíveis, as redes sociais e estas aplicações são sobretudo facilitadoras do início de conversa e da criação ou perceção de intimidade. O medo da avaliação e da rejeição desaparecem atrás do ecrã do smartphone. Enquanto cara a cara nos sentimos constantemente avaliados – a forma como estamos vestidos, nos sentamos, pegamos no cigarro, olhamos, sorrimos –, ali estamos protegidos. E temos sempre o botão de eliminar. É ideal para quem teme a rejeição e tem dificuldade de dar o primeiro passo.» Não é o caso de Maria, que não tem quaisquer problemas em tomar a iniciativa. «Na aplicação e na vida não mudo por estar online. Acredito muito nesta onda feminista que luta pela igualdade de género. A todos os níveis. As mulheres não podem estar sempre à espera que sejam os homens a tomar a iniciativa, não faz sentido.» Talvez dependa da geografia. Ana Carvalheira conta a história de uma amiga portuguesa a viver em Londres para quem o Tinder é um bem de primeira necessidade «porque, diz ela, os ingleses são muito fechados e não avançam. Se não fosse o Tinder não conhecia ninguém».

Para João*, 25 anos, o Tinder, mas sobretudo o Grindr, e antes destes o Facebook, o Hi5, o Messenger e por aí fora, sempre foram bens de primeira necessidade. Homossexual, todos os seus envolvimentos, sexuais ou amorosos, começaram online. «Tem que ver com a facilidade. Em cinco minutos, tens trinta pessoas predispostas ao mesmo que tu. O primeiro passo, que é o mais complicado, está dado.»

O Grindr, que usa há cinco ou seis anos, foi pioneiro no que a respeita a aplicações de encontro. Criado em 2009 por Joel Simkhai, nos EUA, foi a primeira aplicação a usar a geolocalização, no caso só para homossexuais masculinos, que passaram a poder ver quem estava por perto e ligar–se. Hoje tem mais de dois milhões de utilizadores em todo o mundo. João foi um deles e foi lá que conheceu o atual namorado, «megalindo», com quem está há três anos. «No início era só sexo. Podem dizer o que disserem, mas estas aplicações servem sobretudo para ter sexo. Falo pelo meio gay. A verdade tem de ser dita. Perdi a virgindade aos 16 anos e tive dois ou três relacionamentos. Este é o mais sério. A maioria foi só sexo. De alguns nem me lembro o nome.» Há um ano, depois de várias cenas de ciúmes, ele e o namorado fizeram um pacto. E acabaram-se as aplicações de engate. Quando as tinha, houve de tudo. Normalmente, encontrava-se em cafés ou bares onde se sentia confortável, mas também aconteceu o encontro dar-se em hotéis. «Nunca tive problemas. As raparigas estão mais vulneráveis, acho eu. E nunca me senti pressionado a ter sexo. Se não houvesse química, ficávamos à conversa. Fiz amigos. Com alguns mantenho o contacto. O Tinder, ao pé do Grindr, é muito mais amigável. Não é só engate. Instalei quando já estava na fase brunch-time. Até porque o Tinder está ligado ao Facebook e não permite troca de fotos. No Grindr, as dick pics [fotografias de pénis] eram constantes. Às tantas, cansa. Mas estas aplicações mexem com a autoestima: se temos muitos matchs ficamos lá em cima, se não temos ou não nos respondem às mensagens é uma depressão. Podemos não ser rejeitados cara a cara, mas o número de rejeições é muito maior neste mundo virtual. E isso pode ser destruidor. E depois é um vício. Sempre a olhar para o iPhone a ver se temos matchs e mensagens. É um bocado neurótico.»

Ana Carvalheira garante que não, que estas apps não constroem nem destroem autoestimas, quando muito afetam a autoimagem de quem a tem mais frágil. «Mal da pessoa cuja autoestima dependa da quantidade de matchs que tem no Tinder.»

Ana*, 35 anos, solteira, nunca usou o Tinder nem é de alimentar relações com pessoas que não conhece, embora já tenha tido um relacionamento que começou no Instagram. Mas já lhe aconteceu, até em virtude da profissão, que a leva a contactar com muita gente, ser abordada, mais vezes do que desejaria, pelo chat do Facebook por homens que não a conhecendo pensam que a conhecem. Ou querem conhecê-la. Um deles dizia que estava a escrever um livro e gostaria que ela fosse uma das suas personagens. Elogiou-lhe a beleza exótica. Enviou-lhe excertos do livro. Tentou combinar encontros. Quando percebeu ao que aquilo levaria, Ana cortou, mas o mais estranho foi quando em conversa com uma amiga contou a história e perceberam o logro. A mesma conversa. As mesmas palavras. Várias mulheres. «Este caso não é exemplo, mas sinto que as pessoas parecem estar a perder a noção das fronteiras. O Facebook é uma porta aberta, uma espécie de montra de loja de doces, as pessoas exibem o seu melhor lado, viciam-se nos likes, nos elogios e pensam que se conhecem. Mas o facto de estarmos ligados ali não justifica determinadas abordagens, com um grau de intimidade sem sentido, às vezes são coisas mesmo básicas.» Ana talvez prefira olhares que se trocam, ideias que se descobrem em comum, sentidos de humor que fazem rir do mesmo, frequências cardíacas aceleradas. Tantas vezes contra a vontade. «Online é tudo mais fácil, mais rápido, mas também mais racional, menos espontâneo. E eu sou uma romântica», diz Ana. Não é a única.
* Os nomes de todos os entrevistados são fictícios.

nm1238_tindersurpresa02

QUANTOS SÃO, QUANTOS SÃO?
Quantos utilizadores tem o Tinder em Portugal? Qual a proporção de homens e mulheres? Qual o intervalo de idades? Quantos matchs e swipes acontecem por dia (ou semana, ou mês)? Das perguntas enviadas ao centro de imprensa do Tinder, Hermione Way, diretora de comunicação para a Europa, disse não ter dados exatos para responder a nenhuma delas. Mas adiantou que Portugal está entre os trinta principais mercados da aplicação no mundo e entre os principais vinte da Europa. Disse ainda que o Tinder atingiu recentemente os cem milhões de downloads, continuando a crescer, e que 85 por cento dos utilizadores, globalmente, têm entre 18 e 34 anos. No site da app encontra-se mais números: 1,4 mil milhões de swipes e 26 milhões de matchs por dia, em 196 países. Em Portugal existem cerca de quatro milhões de solteiros e mais de quinhentos mil divorciados, segundo o INE; 5,2 milhões de pessoas utilizam o Facebook; e mais de cinco milhões têm smartphone, segundo a Marktest. Não admira que o jogo de sedução tenha sido apanhado na rede. E há quem diga que quase metade dos que o jogam são casados ou comprometidos.

TINDER SEM GENTE POBRE
Ainda não chegaram à Europa, mas já foram notícia no inglês The Guardian: apps de encontros com uma espécie de porteiro virtual que seleciona as entradas. A ideia é operar para elites e poupar tempo às pessoas para quem este é dinheiro. A The League está ligada ao perfil do LinkedIn e foi criada por uma americana, Amanda Bradford, em 2014, em São Francisco, para unir pessoas ambiciosas, centradas na carreira e com formação e interesses em comum. Os critérios de seleção para entrar são rigorosos, mas os filtros para a escolha de parceiro são ainda mais: incluem formação académica, peso, idade e etnia. Tem uma lista de espera de cem mil pessoas. Para quem está farto de esperar, diz o The Guardian, existe a menos exclusiva Be-Linked, com mais de cinquenta mil utilizadores em todo o mundo e a única ligada diretamente ao LinkedIn. Para o «um por cento da humanidade» que é podre de rico, há a Luxy, que se apresenta como o Tinder sem gente pobre. Esta aplicação teve trezentos mil downloads em todo o mundo.

AJOELHOU VAI TER QUE REZAR
Quem pensa que os católicos não põem as vantagens das novas tecnologias ao serviço de Deus e do sagrado matrimónio está muito enganado. Em finais de outubro do ano passado, chegou a Portugal o site de encontros datescatolicos.org, que pretende estar a par dos tempos e «trazer para o coração do moderníssimo espaço online o que a cultura moderna, tão superficialmente, qualifica de “família tradicional”, como algo do passado, ultrapassado. Trazer para o íntimo dos PC, dos iPad e dos iPhones de cada um o desejo secreto e profundo de amar e ser amado», lê-se na homepage do site, cujos serviços são pagos e têm em vista ajudar pessoas solteiras a encontrar a sua «cara-metade», que com ela partilhe fé e valores. O casamento, naturalmente, é o objetivo.