A perceção geral mostra que há uma tendência de menos atividade sexual na faixa etária dos 15 aos 28 anos. As circunstâncias da vida e a tecnologia explicam este modo de estar.
Há pesquisas assentes em evidências que sugerem que a geração Z, pessoas que têm entre 15 e 28 anos, está menos interessada em sexo do que as suas antecessoras. Há teorias apresentadas, razões esmiuçadas, explicações avançadas. A Internet não passa ao lado da questão. A pandemia também não.
“Alguns estudos sugerem que o acesso à Internet e às redes sociais pode desempenhar um papel, proporcionando uma alternativa de entretenimento e obtenção de prazer que pode ser mais atraente para os jovens do que o contacto físico”, refere Catarina Lucas, psicóloga clínica e terapeuta de casal. Andreia Vieira, psicóloga clínica do Grupo Trofa Saúde, também aborda esses fatores, o isolamento dos jovens, a ligação constante aos videojogos e às redes. “Enquanto na geração anterior para se conhecer alguém era necessário a pessoa sair frequentemente de casa, conviver, ir a festas, etc., apesar de aparentemente a Internet ter vindo a facilitar a interação social, esta muitas vezes restringe-se a isso mesmo, a uma interação virtual”, sustenta.
Há outro aspeto importante: a pandemia agravou o cenário e dificultou a criação de vínculos seguros. Elisabete Calisto Pereira, sexóloga, fala nisso. “A geração Z foi marcada pela pandemia onde os jovens vivenciaram experiências que nunca tinham experienciado. Existe uma forte relação entre a saúde mental e a sexualidade, o stress, a ansiedade, as dificuldades do sono, bem como a depressão.” Ou seja, a sexualidade afeta a saúde mental e a saúde mental afeta a sexualidade.
Não há uma norma taxativa que enquadre a falta de interesse pela atividade sexual desta geração. Há várias questões a ter em conta. A dificuldade em sair de casa dos pais, a consequente redução da privacidade, a falta de vontade de sair para conhecer gente e criar laços olhos nos olhos. “O stress, a ansiedade e as preocupações em relação à maior dificuldade em ter autonomia e independência emocional e financeira parecem ser outros fatores”, nota Andreia Vieira. Essa instabilidade é, de facto, uma razão. “Se as pessoas andam preocupadas com a sua estabilidade e situação financeira, é normal terem sintomas de mal-estar psicológico. Isto pode levar à dificuldade de se relacionar com outros e levar ao isolamento, introspeção acerca da sua própria sexualidade e, por isso, também pode influenciar a própria vontade de explorar a atividade sexual”, explica Elisabete Calisto Pereira.
Catarina Lucas fala de mudanças nas atitudes em relação ao namoro e aos relacionamentos, de maior consciência dos papéis sociais, de uma maior ênfase na individualidade e autoexpressão. “Além disso, a geração Z cresceu num mundo em que a tecnologia e as redes sociais desempenham um papel significativo na interação social, o que pode influenciar as expectativas e padrões de relacionamento”, sublinha a psicóloga. “Podem estar mais inclinados a procurar relacionamentos que correspondam aos seus valores, interesses e aspirações pessoais, em vez de simplesmente seguirem normas sociais tradicionais ou pressões externas”, acrescenta.
É uma geração mais introspetiva, com uma visão mais pragmática, com uma mente mais aberta, segundo Elisabete Calisto Pereira. Mais ligada à tecnologia, lá está. “O acesso às redes sociais disponibiliza informação tão rápida e de fácil acesso acerca dos vários modelos existentes de relações que pode adiar a escolha de um modelo mais tradicional, tendo como foco o prazer imediato nos relacionamentos, mas de forma mais superficial.” O que altera a forma de viver a sexualidade. “Os jovens estão a fazer menos sexo experimentando outras modalidades de prazer erótico. Nunca os aplicativos da Internet foram tão utilizados, possibilitando experiências sexuais num simples clique. O sexting juvenil e o poliamor são novas realidades de relacionamento”, constata a sexóloga.
Insegurança com o corpo, incerteza do futuro
Mais seletivos, mais exigentes? É uma explicação. “Poderá não ser o caso de estarem mais seletivos, poderá sim ser reflexo que a instabilidade emocional, a incerteza do futuro, a insegurança, assim como a baixa autoestima, contribuem para que exista também um maior medo em se assumir um compromisso e se entregarem a nível sexual”, responde Andreia Vieira. Sabe-se que quanto mais ansiedade e sintomatologia depressiva, menor desejo sexual. E sabe-se também que uma relação é um processo que implica tempo e entrega fora do mundo virtual. “Viver no mundo real, criar relações válidas com alguém, implica adaptação, comunicação e confiança. Ninguém encaixa logo com o outro e vice-versa, pelo que o resultado de encontrar alguém ganha valor quando se tem trabalho no processo”, realça a psicóloga do Trofa Saúde. “É mais fácil dar match por detrás de um ecrã, do que desenvolver a comunicação e o diálogo face a face”, salienta.
Generalizar sobre o envolvimento emocional e a sexualidade desta geração é complicado, os casos não seguem todos na mesma direção. “É importante ressaltar que as experiências individuais variam amplamente e que essas tendências não se aplicam a todos os membros da geração Z”, avisa Catarina Lucas. Mas uma coisa é evidente: a forma como as pessoas se conhecem e se relacionam mudou nos últimos anos. Catarina Lucas destaca esse ponto. “Há menos contacto real, físico, de proximidade e mais interação virtual. Isto também pode influenciar este menor envolvimento sexual.” O que, de certa forma, pode ser extrapolado, do particular para o geral. “De forma global, as pessoas estão mais autocentradas e fechadas em si mesmas, indicando um movimento inverso ao necessário para que se desenvolvam relações significativas”, diz a terapeuta de casal.
Menos envolvimento emocional, relações mais passageiras e sem compromisso, menos sexo, porventura. “Baixa autoestima, assim como comparações constantes nas redes sociais, utilização de filtros e idealização de corpos e imagens que não existem, poderão ser outros dos fatores que inibem o contacto sexual real”, aponta a psicóloga Andreia Vieira.
Elisabete Calisto Pereira volta a enquadrar esta geração, é a geração do digital, que não vive só para trabalhar, que procura o reconhecimento das organizações e perspetivas de crescimento, que investe num equilíbrio entre prazer e responsabilidade. “Quer garantir que tem tempo de qualidade para estar com os amigos e viajar, o que se pode refletir nas escolhas das relações”, assinala a sexóloga. E, portanto, as prioridades na vida podem não passar por relações de longo prazo, casar e constituir família. “O aumento dos relacionamentos casuais leva a que diminuam os relacionamentos mais sérios. Isto não é um ato egoísta, mas sim um ‘tipo de responsabilidade’ que não existia anteriormente, de que têm de cuidar de si próprios em primeiro lugar”, adianta a sexóloga.
E a baixa autoestima com o corpo pode ter alguma influência em ter menos atividade sexual? A resposta não é linear. “A comparação constante com imagens idealizadas de corpos nas redes sociais e nos media pode levar a uma maior insatisfação com a própria aparência”, afirma Catarina Lucas.
As doenças sexualmente transmissíveis, mais informação e mais cuidados, para justificar menos atividade sexual, também não servem como justificação. “Aqui não há sustentação científica. Pelo contrário, algumas doenças sexualmente transmissíveis têm registado um aumento nos últimos anos, apesar de todas as campanhas de sensibilização”, observa Catarina Lucas. Em Portugal, essas doenças, de acordo com um estudo recente, aumentaram para valores acima dos registados antes da pandemia. “O que mostra que, apesar de poder haver menos contacto sexual, os que existem revelam falta de consciência e irresponsabilidade, numa geração que, apesar de poder estar informada, se refugia em comportamentos nocivos”, considera Andreia Vieira.