Confissões de um ex-Gémeos

Notícias Magazine

Não sei o que se passa com vocês mas eu sou um homem novo. Não novo nesse bom sentido, de rejuvenescido. Infelizmente, sou novo de diferente. E, lá está, eu estava bem acomodado com o outro, o antigo eu. Eu era Gémeos no horóscopo. Eu era ar. Gostava disso, e agora perdi-os. Deixei de ser Gémeos e de pertencer ao elemento ar.

Davam-me um grande jeito. Não que acreditasse, porque não acredito nessas coisas – sobretudo depois de ouvir dizer que a Maya apoiou o Passos Coelho –, mas nada melhor do que a astrologia quando nos sugere boas desculpas. Ajeito-me melhor com o mapa do Zodíaco do que com o Google Maps. Adolescente, tratei sempre as minhas namoradas com gentileza. Nunca acabei um namoro com brutalidade, «a culpa é tua», nem precisei do hipócrita «o problema não és tu, sou eu…». Não, eu tinha o meu signo salvador: «Sabes, sou Gémeos, eu bem queria continuar o nosso amor, mas algo me impele a partir.»

Mudei de namoradas, mudei de país, de profissão, de partido e até de clubes, sou mais Camilo do que fui Eça. Na verdade, porque sim. Mas quando precisei de justificar invocava as diretivas do firmamento: que querem, é mais forte do que eu… E partia para outra. Agora, veio a NASA e quem partiu foi o meu signo.

Em vez de 12 signos, apareceu lá para o fim do ano mais um, entre os tradicionais Escorpião e Sagitário, o pérfido Serpentário ou Ofiúco. Empurra aqui, empurra ali, chega-se ao fim de maio e dou por mim Touro. Inopinadamente, como, sempre me disseram, costuma acontecer – desculpem a piada brejeira, é o meu lado Gémeos. O signo Touro entrou pelo meu dia dentro, ex-Gémeos, e ocupou-o.

A culpa, já o disse, foi da agência NASA. Foi feita para ir pelo espaço dentro e acabou por me cair em cima. Já se desculpou, claro: «Não mudámos nenhum signo do Zodíaco, só fazemos matemática.» Enfim, não fazem astrologia, só astronomia. Bela fórmula, mas eu cá de baixo do espaço sideral é que me tramo. Como bom Gémeos até era capaz de aceitar mudar, gosto da novidade. Não me importava de passar a ser Aquário, por exemplo, que também é do elemento ar e são tolerantes. Mas o Zodíaco diz que não dá, o Aquário está tão longe de mim, atual Touro, quanto estava do Gémeos que fui. Não me importava de ser mais um ou outro signo, Touro é que não – paciente, prático, metódico, tudo o que não sou. E agora sou. Recuei um signo e mudei toda a minha personalidade.

Doutor, é grave? Como Gémeos, eu quereria logo uma segunda opinião. Como Touro, cujo elemento é terra, já criei raízes, aceito o que ficou estabelecido, não gosto de mudanças sucessivas, acabo de vir duma. Temo vir a morrer Touro. Reparem na evolução do tom desta crónica. Linhas acima, irónico, ligando pouco a isto dos signos – comecei como um Gémeos que se preza, contraditório, volúvel. E nesta altura do texto já sou o género de tipo que compra um Volvo porque foram eles que inventaram o cinto de segurança. Ainda há bocado eu não votava Trump porque eu não era parvo e agora não voto Trump porque não gosto de aventuras. Meu Marduk (esse deus da Babilónia, onde foram inventados os signos do Zodíaco), o que a NASA me fez!

De facto, eu não voto em Trump porque não sou americano – diz-me o Touro, prático, que já habita em mim. Ah, como eu gostava de vos convencer do meu papel crucial, naquela minha ida ao Ohio, quando entrei pelo comício do aldrabão, enchi o peito, soprei e fiz-lhe voar as ideias loiras de penteado bizarro! Infelizmente, já não sou o mesmo, alguma coisa mudou em mim.

[Publicado originalmente na edição de 09 de outubro de 2016]