O tomate e o vinho

Notícias Magazine

Pode esperar mais que uma revolução quem entra no universo desconhecido do tomate. A água, polpa e açúcar que contém permite-lhe uma flexibilidade sem par na cozinha e as transformações culinárias tornam-no num amigo exigente do vinho.

Na próxima vez que ouvir falar do México, para além da tequi­la, mezcal e malaguetas, pense no que do lado de cá do Atlân­tico outrora não havia de todo em todo até meados do século XVII e que hoje é inteira­mente devido à importação daquele terri­tório da América Central. O rol é imenso e inclui praticamente todas as leguminosas que temos (grão, feijão, etc.), o milho, o pi­mento, o chocolate, e o tomate, entre mui­tos outros. De todos, contudo, é talvez o to­mate o que provoca maior perplexidade, já que aparece em todos os compêndios co­mo base de cozinhas tão variadas quanto a portuguesa e a italiana. A propósito, terá sido Cristóvão Colombo a batizar o fruto/legume como «maçã de ouro», ao dar com ela do lado de lá do oceano. «Pommi d’oro», escreveu, referindo-se à primeira espécie, de matiz dourado, com que deparou. Fi­cou pomodoro em italiano, e tomato em in­glês, do asteca zitomatl, uma das maiores glórias de todos os tempos, como sabor e ingrediente básico no mundo inteiro.

Porque decidimos falar um pouco sobre isto? Porque estamos neste momento em mudança do inverno para o verão, quan­do passamos dos estufados longos às sa­ladas frescas à mesa. Da refeição formal ao petisco soalheiro. Ou do caloroso ao refrescante. Os semblantes aligeiram–se em todos os que visitamos ou nos visi­tam, o sorriso fácil aparece mais e Afrodite acaba por fazer das suas. Bem-vinda primavera!

De forma muito discreta o tomate co­manda, na verdade, a harmonização ide­al com o vinho, através dos pontos de co­zedura do primeiro e perfil enológico do segundo. Como tal, a dupla merece a apli­cação dos sentidos e experiências conse­cutivas de maridagem. A mais simples é a do tomate cortado em rodelas, fresco e sem muito tempo de frigorífico. Quando lhe aplicamos um vinho com acidez pro­nunciada, como é o caso do vinho ver­de, sentimos-lhe os componentes ácidos e frescos, exaltando normalmente a fru­ta que evanesce do vinho. Já se deitamos algumas pedras de flor de sal no toma­te cortado começamos a precisar mais de corpo do que de acidez, pelo que um vinho alentejano com madeira pode ser uma boa solução. Se passamos o tomate inteiro por uma transformação lenta de algumas horas a 80 Cº no forno – equi­valente a confitar –, já entra um bran­co mais profundo, como é o caso do En­cruzado do Dão. Assamos o tomate, recheado por exemplo com carne picada e queijo, e o branco já tem de ficar à porta, está na altura de dar lugar ao tinto, que mesmo assim não deve pesar demasia­do no encontro. Ficaria bem por exem­plo um tinto de Palmela. Só nos pratos de cozedura lenta e prolongada é que final­mente precisamos de um tinto comple­xo e encorpado, dada a transformação do tomate ao longo do processo, parte im­portante do fundo culinário em causa. Altura para optar por exemplo por um reserva tinto duriense. Há ainda uma di­versidade considerável de pratos, petis­cos e aperitivos com concentrados de to­mate, ketchups e tomate seco que vale a pena provar contra um vinho rosé. De­pois destas experiências, vai ganhar uma desenvoltura diferente no tocante a har­monizações vínicas. Afinal é tudo uma questão… de tomates!