Um Governo de diálogo a correr atrás da urgência

Depois de uma noite eleitoral agitada e do silêncio que se fez ouvir nas semanas seguintes, o Executivo de Luís Montenegro tomou posse e já tem a contestação social à perna. São 17 ministros para uma legislatura que se adivinha dura, que vai obrigar a muita negociação e a mostrar trabalho em tempo recorde. O que esperar, então, dos novos nomes?

Ao cabo de três semanas, Luís Montenegro quebrou o silêncio que manteve desde a noite eleitoral. O novo primeiro-ministro escolheu o Governo longe dos holofotes mediáticos e com um aceso embate político pelo meio para a eleição do presidente da Assembleia da República, que bem pode ser uma antecâmara do que será o futuro. A maioria apertada até pode não parecer bom prenúncio, mas Montenegro garante que “o Governo não está de turno” e que pretende cumprir a legislatura até ao fim. Para isso, cobra a estabilidade ao PS, que diz ter uma escolha a fazer entre ser “oposição democrática ou bloqueio democrático”.

O novo primeiro-ministro e os seus 17 ministros tomaram posse na terça-feira (o discurso que cortou com o silêncio durou cerca de meia hora) e a verdade é que os nomes do novo Executivo têm granjeado mais elogios do que críticas. “Genericamente, e sem fazer futurologia do que virá a ser o exercício concreto, o Governo tem nomes bons”, arrisca José Fontes, politólogo. Há uma certeza: não haverá estado de graça para muitos dos novos governantes a gerir as pastas mais duras, que têm já à perna as reivindicações de várias classes profissionais. E a urgência em dar resposta à contestação social será palavra de ordem para conquistar todos os portugueses, os votos que faltam, como lembrou Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio da Ajuda. Até porque a popularidade do Governo vai ser decisiva para travar a tentação da Oposição em criar uma crise política.

É sabido que há ministros com papéis-chave, na Saúde, Educação, Administração Interna. “Estas classes profissionais não vão dar tempo para grandes momentos de respiração. Estes serão os temas quentes e urgentes”, considera José Fontes. E, olhando aos novos nomes, o que é que se pode esperar? “Começando pela Administração Interna, Margarida Blasco domina muito a área que vai tutelar, não só porque foi diretora do SIS, mas também inspetora-geral da Administração Interna, e assume a pasta num momento particularmente difícil”, reconhece o politólogo. O tema da segurança, diz, “é talvez o mais importante do século XXI”. “Não podemos viver à sombra da ideia de que somos um dos países mais seguros do Mundo sem intervir na área. Margarida Blasco parece-me uma excelente aquisição, é uma independente, uma magistrada. Mas não terá a vida facilitada.”

Afinal, esta é uma das grandes bandeiras do Chega e o facto de Blasco ter sido voz ativa na luta contra o racismo e abuso de poder nas forças de segurança levou André Ventura a contestar o seu nome num ápice. Porém, do lado dos polícias, Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional de Oficiais da Polícia, concede o facto de ser alguém que “conhece os problemas estruturais e conjunturais das forças de segurança”. “Esta é uma área que normalmente os ministros não conhecem o suficiente para poderem intervir de forma eficiente”, sublinha. Aí, Blasco leva vantagem. Mas os problemas transcendem o subsídio de missão atribuído de forma “discriminatória” apenas à PJ e que motivou os últimos protestos. “Não queremos uma polícia de suplementos. Queremos uma estrutura salarial e condições que dignifiquem a Polícia e que tornem a carreira atrativa para as novas gerações. Não se vão resolver todos os problemas, mas esperamos que seja feito algo mais do que os últimos ministros fizeram.”

Da Saúde à Educação

Na verdade, é o mesmo que esperam os profissionais da área da Saúde. Ana Paula Martins é a nova mulher forte de um dos mais pesados e complexos ministérios. Ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, antiga presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte. A nova ministra da Saúde conhece os problemas e os profissionais, mas o politólogo Miguel Ângelo Rodrigues alerta que “tem os famosos 60 dias para apresentar um plano de emergência para o setor”. Montenegro já assegurou que o plano virá a público até junho. “Sendo um problema tão dramático, não sei se não serão medidas de cosmética só para acalmar a ideia de que o serviço se está a desmoronar e que nada funciona. A política é um jogo de perceções e este plano pode ser isso, uma questão de mudar a perceção pública.”

Por enquanto, no terreno, as visões sobre a nova governante divergem. Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, aponta o facto de ser “uma pessoa experiente, que conhece o setor e que manteve sempre uma postura de diálogo com os profissionais quando estava à frente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria”. Já Joana Bordalo e Sá, da Federação Nacional dos Médicos, lembra os problemas no serviço de ginecologia e obstetrícia que o hospital viveu nessa altura. Ainda assim, todos pedem capacidade de diálogo para resolver problemas. “Que são amplamente conhecidos. O diagnóstico está feito”, indica Nuno Rodrigues. O mais urgente é a conclusão do acordo salarial. “Sendo certo que só conseguiremos fixar profissionais no SNS se também melhorarmos as condições de trabalho e se as soluções tiverem uma visão a médio-longo prazo”, avisa Joana Bordalo e Sá.

Olhemos, pois, às novidades. O regresso da junção da Educação e do Ensino Superior num só ministério deixa dúvidas. José Fontes, que é também ele próprio professor universitário, entende a “lógica da integração de toda a política desde o Pré-primário ao Ensino Superior”, mas as duas áreas “não são confundíveis” e “são tão abrangentes e pesadas” que juntá-las é um risco. Miguel Ângelo Rodrigues, colega na Universidade do Minho do novo ministro, Fernando Alexandre, tende a concordar que “é um ministério difícil, que junta os problemas do ensino, da investigação, da inovação”, mas defende que serão os secretários de Estado “a separar as águas”. E tem poucas dúvidas sobre a competência do novo governante. Para já, junto da comunidade educativa, Fernando Alexandre, doutorado em Economia, antigo secretário de Estado no Governo de Passos Coelho, é um nome que tem gerado alguma celeuma. Aliás, Mário Nogueira, líder da FENPROF, não entende a escolha. “É alguém que tem estado dedicado às questões económicas e não à educação”, assinala. “Agora, há uma grande preocupação. É com ele que vamos negociar a recuperação do tempo de serviço e durante os anos da troika, quando houve cortes nas reformas, defendeu o corte do 14.º mês de forma definitiva. É alguém que tem uma visão liberal e economicista dos serviços públicos, que põe escola pública e privada no mesmo pé e a escola pública precisa urgentemente de investimento”, salienta Nogueira.

A juventude, a experiência europeia, a negociação

Contudo, ainda há que aguardar pelo programa do Governo para tomar o pulso ao que está para vir. No lote de novidades, é sabido, surge um novo ministério, o da Juventude e Modernização, liderado por Margarida Balseiro Lopes, a benjamim do Executivo, 34 anos apenas. “De todos, é o que me levanta mais reservas. Não sei o que se pretende. A questão da juventude é importante, mas é uma área transversal, que toca vários ministérios, é preciso esperar para ver”, adianta José Fontes. Há que referir que Balseiro Lopes é uma das sete mulheres a sentar-se no Conselho de Ministros. Ao lado, por exemplo, da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que foi até agora diretora da Torre de Belém e do Mosteiro dos Jerónimos e que também já tinha liderado o Museu Nacional de Arte Antiga, uma escolha que tem merecido elogios.

Entre as boas surpresas está a experiência europeia de muitos dos ministros, determinante numa fase de gestão do PRR e de fundos europeus. É o caso de José Manuel Fernandes, que foi eurodeputado, na Agricultura. De Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. De Maria da Graça Carvalho, no Ambiente. “Hoje, governar qualquer país da União Europeia exige capacidade de dialogar com as instituições europeias e essa experiência é uma mais-valia”, realça José Fontes. Porém, também parece haver pontas soltas no Executivo, segundo Miguel Ângelo Rodrigues. “É o caso de Miguel Pinto Luz nas Infraestruturas, um ministério que junta TAP, novo aeroporto, habitação. É uma figura sem experiência governativa e que está associada à última privatização da TAP e aos moldes em que foi feita. Será uma caixinha de surpresas.”

As contas estão feitas, são 17 os ministros, há uma nova legislatura a arrancar e medidas já tomadas, um novo logótipo da República Portuguesa e um debate entre partidos para definir a agenda de combate à corrupção. “É um Governo de combate, que tem de chegar a dezembro, à apresentação do Orçamento do Estado, com trabalho feito e sondagens favoráveis”, sustenta Miguel Ângelo Rodrigues. Luís Montenegro já assegurou estar aqui para governar os quatro anos e meio. Realista? “É possível. O Governo de António Costa que não foi o mais votado nas eleições, e que seria o mais instável, foi o que durou mais tempo. Além disso, Marcelo quer evitar uma nova dissolução”, observa o docente da Universidade do Minho.

Certo é que a governação vai exigir um diálogo intenso e muito malabarismo político para conseguir consensos. Nisso, há dois ministros essenciais. Pedro Duarte, nos Assuntos Parlamentares, e António Leitão Amaro, ministro da Presidência. “Os dois vão ter de estar muito ligados. Quer na Assembleia da República, que vai exigir muita negociação. Quer internamente, porque o caderno de encargos é elevado e os vários ministros vão querer usar o excedente orçamental.”

O próprio primeiro-ministro já avisou que não há dinheiro para tudo, que a “teoria dos cofres cheios”, a “ideia de que estamos a viver em abundância”, é perigosa. Mas há promessas assumidas: desagravamento fiscal, valorização de salários e pensões, reestruturação dos serviços públicos. Como disse Marcelo Rebelo de Sousa sobre a governação que aí vem: “Será uma missão impossível? Não creio. Há sempre soluções em democracia. Será muito difícil? Certamente”.

Os 17 ministros de Luís Montenegro

Paulo Rangel Estado e Negócios Estrangeiros
Miranda Sarmento Estado e Finanças
Nuno Melo Defesa Nacional
Pedro Reis Economia
Rita Júdice Justiça
Margarida Blasco Administração Interna
António Leitão Amaro Presidência
Pedro Duarte Assuntos Parlamentares
Fernando Alexandre Educação, Ciência e Tecnologia
Ana Paula Martins Saúde
Miguel Pinto Luz Infraestruturas e Habitação
José Manuel Fernandes Agricultura e Pescas
Rosário Palma Ramalho Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Maria da Graça Carvalho Ambiente e Energia
Margarida Balseiro Lopes Juventude e Modernização
Dalila Rodrigues Cultura
Manuel Castro Almeida Adjunto e da Coesão Territorial