Reconhecem a cara de Vítor Silveira, que aparece na página 47 desta edição? Vejam bem, o bigodinho e a careca, não se lembram? Talvez vos avive mais a memória o que ele tem entre a mão e a boca: um pastel de nata… Sim? Agora já se lembram? Pois, Vítor Silveira já fez capa da Notícias Magazine. Foi em inícios de 2012, a propósito da ideia do então ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, de usar os pastéis de nata e a sua exportação como metáfora para a solução para Portugal. Exportar pastéis de nata, lembram-se?
O ministro foi criticado – e, até, ridicularizado. Mas nessa reportagem que fez capa da Notícias Magazine mostrávamos como a ideia não só não era peregrina como até já espelhava uma realidade: os pastéis de nata representavam, de facto, Portugal pelo mundo. E eram, aliás, um dos produtos portugueses com maior presença internacional. Vítor representava a quota de Paris na geografia dos pastéis de nata que ia – e vai – de Lisboa ao Oriente.
Vítor Silveira regressa à Notícias Magazine numa reportagem que podia ser bem o capítulo segundo da história da exportação dos pastéis de nata. E ele faz parte da sequela. Pequena ironia do destino: agora, que está a viver em Paris e a trabalhar na OCDE, Álvaro Santos Pereira pode ser cliente assíduo dos pastéis de Vítor Silveira, na pequena loja instalada junto ao Marais, e será testemunha participante da sua própria tese. Que se valida com os pastéis de nata, sim, mas também com todos os outros produtos portugueses que Vítor agora importa.
A pequena loja de Vítor, que se chamava Comme à Lisbonne, no chique e modernaço bairro do Marais, expandiu-se da doçaria para os produtos portugueses em geral, embalada pelo interesse crescente dos franceses. Vende já mil pastéis de nata por dia e é local de peregrinação parisiense. A tasca, ali ao lado, vende conservas e compotas. E também tostas de sardinha com mel transmontano e queijo de cabra. E é esta a história que faz a espinha dorsal da reportagem do Ricardo Rodrigues, que apanhou boleia num camião de transportes internacionais da transportadora francesa STEF e percorreu os caminhos do crescente interesse por Portugal e pelos produtos portugueses em França. Um percurso que começa com o bacalhau seco e acaba na nouvelle cuisine à portuguesa…
Uma história que se mede em números. Há sete anos, quando a transportadora começou a apostar nas rotas europeias, não saía mais do que um camião de Lisboa para Paris. Hoje, saem sete. E é um mercado em crescimento, garantem os responsáveis. Os números traduzem as tendências, outras variáveis que costumam interessar mais aos jornalistas que não são meros analistas de folhas de cálculo. Neste caso, estes números medem o orgulho. Como sintetiza Tony Gomes, dono de uma empresa que vende produtos portugueses junto de Paris, «foi preciso 50 anos para perdermos a vergonha de sermos quem somos».
Tony sabe do que fala. Ele já nasceu em Paris, filho de portugueses. Fez o percurso clássico dos descendentes de emigrantes, vinha à terra nas férias, e aqui aprendeu o orgulho por coisas que, pura e simplesmente, adorava. O Sumol de laranja, o leite UCAL, os chocolates Regina. Sem preconceitos e sem esqueletos no armário. Este é um orgulho que não vem de fora, sai de dentro. E foi esse, o que ganhou fôlego e força no interesse dos que têm Portugal no coração, que acabou por convencer os que começaram a olhar para Portugal com outros olhos.
Publicado originalmente na edição de 14 de setembro de 2014