Há um tempo ideal para ficar no mesmo emprego?

Há cada vez mais empregadores que valorizam o funcionário que sai e que volta e até fomentam esse regresso

Não há uma resposta certa. O mercado mudou, os empregadores valorizam outros fatores além da estabilidade, os trabalhadores têm outras perspetivas de vida. Ficar ou partir? Depende de cada um.

Ana trabalha há 30 anos numa empresa de artigos para o lar, trata da parte administrativa, há dias em que lhe apetece sair, há outros em que considera que é melhor ficar. Não anda à procura de um outro trabalho. Rui está há três anos numa tecnológica, engenharia de programação, acabou um curso na área e arranjou logo emprego. Está contente, é a primeira experiência profissional, ainda não sabe quanto tempo ficará, uma oferta melhor poderá pesar, sair do país não está fora dos seus planos. Maria está satisfeita, 15 anos de currículo em gestão de recursos humanos, passou por três empresas, adapta-se facilmente a outros ambientes empresariais, não fecha portas, está atenta ao mercado. Os exemplos, meramente ilustrativos, replicam realidades. O que leva à velha questão: Há ou não há um tempo ideal para permanecer num emprego?

Não, não há. “Não existe um tempo para que as pessoas devam permanecer num emprego e não há um tempo para mudar”, responde Teresa Espassandim, psicóloga clínica, psicoterapeuta, que também se dedica à psicologia vocacional e de desenvolvimento de carreira. “O que se deve tentar promover é uma atitude, uma mentalidade de responsabilização, de agenciamento, pela gestão pessoal da carreira.” O que significa analisar o projeto de vida e o projeto profissional num equilíbrio constante. E entender o que se quer fazer. “Há mais oportunidades quando olhamos para o mercado”, sublinha a psicóloga.

Artur Queirós, especialista em psicologia do trabalho e das organizações, fundador da Alento, empresa de recursos humanos e consultoria, recua alguns anos. Em seu entender, é importante ter essa perspetiva temporal, cronológica, para perceber que o presente é diferente do passado. “Até há 10 anos, o mercado olhava com bons olhos para períodos prolongados numa empresa.” Quem saltitava de emprego em emprego, pelo contrário, não garantia estabilidade. Era essa a lógica. “Nos últimos 10 anos, essa perspetiva foi mudando bastante, aceita-se com mais naturalidade períodos mais curtos, até mesmo de dois anos.” A abordagem mudou. “O mercado está mais maduro”, realça Artur Queirós. Mais flexível, menos rígido, mais recetivo a novas realidades e a outras vontades.

O mercado mudou, sim, comenta Sara Baía, consultora de recursos humanos. “Há, efetivamente, várias perspetivas e a perceção geral do mercado varia conforme as áreas de negócio.” No setor tecnológico, por exemplo, ficar no mesmo trabalho dois, três, anos é o mais habitual, os trabalhadores mais jovens querem explorar outros lugares e abraçar novos desafios, os empresários olham com atenção para esse acumular de experiências. “Tudo isso é mais bem aceite, mais bem compreendido e visto com bons olhos por parte dos recrutadores.”

“O próprio perfil de quem recruta é diferente”, constata Sara Baía. Uma geração mais moderna e menos tradicional, mais jovem e com outra mentalidade, que sabe que o mercado é global, que aceita o trabalho remoto que parece estar para ficar, interessada na bagagem que os trabalhadores acumulam em diversos contextos laborais e em várias empresas. Quem hoje procura trabalho sabe disso. “O leque de escolha é muito mais alargado, há mais opções, até mesmo para mudar mais vezes”, adianta Sara Baía.

Ficar ou arriscar, comodismo ou ambição

Quem está no mesmo trabalho há anos é um trabalhador acomodado, com falta de visão e ambição, que tem medo de arriscar e que não gosta de improvisar? Um funcionário que tem no currículo vários empregos é arrojado e mais capaz? Ou vice-versa? Colocar as perguntas desta maneira é, para Artur Queirós, uma forma superficial de abordar assunto. “Uma pessoa que está há 10 anos a fazer a mesma coisa e está feliz, está tudo bem. Há pessoas que são felizes a fazer a mesma coisa a vida toda”, sustenta. Esse é um ponto. Outro é mudar de trabalho com pés e cabeça. “Mudar não num ato arbitrário, mas num plano estruturado porque na vida faz sentido mudar neste ou naquele momento”, refere.

Ficar é estagnar? Sair é ser ambicioso? Ficar é ser bom profissional? Sair é ser instável? Essas associações, segundo Sara Baía, não podem ser feitas assim por serem demasiado simplistas. “Não podemos colocar todos no mesmo saco”, avisa. “Não sei até que ponto alguém estar numa empresa há muitos anos pode ser julgado de modo negativo, se está feliz e gosta do que faz.” Entrou naquele trabalho, cresceu ali, habitou-se à cultura organizacional, está bem, não quer sair, não faz contas aos anos que ali está. “No geral, vai ter menos probabilidade de estar exposto a cenários diferentes e maior dificuldade de se adaptar a um novo emprego”, observa a consultora.

A satisfação com o trabalho é um fator que não se pode ignorar quando a pergunta de ficar ou sair anda a marinar na cabeça. “O importante é perceber quais os motivos por que essa questão é feita, o que pesa mais nesse balanço, quais os objetivos a longo prazo”, aconselha Teresa Espassandim.

Há então que pensar em vários aspetos. O que se valoriza no ambiente de trabalho, se há tarefas mais apetecíveis naquela organização, se não haverá mais nada a espremer, o que diz o corpo, o que pede a cabeça. Ter essas respostas é fundamental, sobretudo para quem quer sair. “Para quando se decide explorar oportunidades de mercado, se saiba o que procurar, não meras vagas disponíveis, mas trabalhos que vão mais ao encontro do que se quer construir, alinhado com os seus valores.” Ter essas informações previamente arrumadas é meio caminho andado para decidir o que fazer, sem aquela pressão sem sentido de que há um tempo certo para ficar ou para sair. E o bem-estar é essencial em qualquer circunstância, em qualquer decisão.

Para Teresa Espassandim, o que se valoriza no trabalho deve aparecer em primeiro lugar e podem ser várias coisas, o salário, a estabilidade financeira, a aprendizagem contínua, a qualidade de vida, o que for. “Não valorizamos todos a mesma coisa. Há uma geração que valoriza a ideia de chegar ao topo”, repara.

E há sempre o olhar dos outros, aqueles comentários de estar há muito tempo no mesmo lugar, como ave rara, ou de andar sempre a saltar e não estabilizar em lugar algum, como um saltimbanco. Essa perceção dos outros que, muitas vezes, é verbalizada. A avaliação, no entanto, tem de ser interior. “Em primeiro lugar, perceber o que faz ficar e o que faz mudar. Comunicar socialmente aos outros ajuda a ter uma perceção mais próxima da realidade”, afirma a psicóloga. O que se quer e o que não se quer.

Há cada vez mais empregadores que valorizam o funcionário que sai e que volta e até fomentam esse regresso. Sair não significa fechar a porta. “Saem, voltam, e voltam melhor com outras experiências”, esclarece Artur Queirós. E há outra questão bastante pertinente. “Progredir na carreira é ir para um sítio melhor, não é subir na hierarquia, pode ser uma mudança lateral, mais alinhada com a natureza das tarefas ou o clima da empresa.” O próprio padrão de sucesso profissional mudou ao longo dos últimos anos. “Se a pessoa está feliz vai sair porquê? É importante que cada pessoa se conheça bem, que conheça o mercado, e avalie se aquele trabalho é o melhor para estar. Olhar para si como dono do seu próprio destino, procurar o que é melhor para si, seja em que área da vida for”, sublinha o especialista em psicologia do trabalho e das organizações.

Portanto, um tempo ideal para ficar num emprego não há. “Não existe um certo e um errado”, adianta a psicóloga Teresa Espassandim. O que há é vários fatores que abanam essa questão. No fim, a decisão está na cabeça e nas mãos de cada um. De cada trabalhador.