Margarida Rebelo Pinto

Sobre o poder e a confiança


Quanto mais anos passam, maior é a minha admiração por Margaret Thatcher. Se os homens procuram um modelo masculino no qual se inspiram, o mesmo acontece com as mulheres. Era ainda uma miúda quando a Dama de Ferro entrou em ação no Reino Unido para pôr em ordem uma nação minada por práticas socialistas. Com a sua mise impecável, as suas camisas de seda com laçada e os seus tailleurs icónicos comprados no Marks & Spencer, como qualquer senhora inglesa, não estava para rodriguinhos nem consensos. O humor fino e o tom de voz inconfundível, arrogante para uns e inspirador para outros, não a teriam eternizado se o conteúdo não fosse forte, claro, num discurso consistente sempre guiado pela valorização do indivíduo por oposição aos ideais socialistas. Do primeiro ao último dia de governação, nunca se desviou da sua profunda convicção em restaurar a estabilidade e a confiança da nação. Durante mais de uma década, de 1979 a 1990, a primeira mulher com o cargo de primeira-ministra da Grã-Bretanha cumpriu três mandatos e alcançou os objetivos nos quais sempre acreditou.

Em tempos de campanha eleitoral (que começou assim que o novo líder do Partido Socialista foi eleito), é sempre bom ouvir os seus discursos, um legado inestimável de lições sobre democracia que explicam porque é que, sem uma economia saudável, é impossível ter uma sociedade decente, e vice-versa. Recentemente ouvi aquele que é talvez o mais emblemático discurso – e que mais tarde recebeu o título “The lady’s not for turning” – no qual expressa as suas intenções políticas nas diferentes áreas de governação: económica, social, doméstica e internacional. O orgulho britânico sempre foi algo que me impressionou, quer expresso de forma descomplexada pelas suas diferentes classes sociais, quer pela devoção à Coroa, sobretudo a Isabel II que se revelou uma soberana de exceção durante o seu longuíssimo reinado. É o mesmo orgulho que sentimos quando lemos Jane Austen e mergulhamos nos personagens altivos e fortes, sempre em busca de uma conduta equilibrada e virtuosa.

Infelizmente, entre tantas qualidades adoráveis como a simpatia, o bom coração, a bonomia e a capacidade de perdoar, o orgulho não nos corre no sangue. Talvez por isso nos deixemos maltratar. De que nos interessa um governo que se gaba de ter os cofres cheios quando os níveis de pobreza aumentaram assustadoramente a cada ano de governação? O poder encandeia e cega, sobretudo os que dele fazem parte. É tudo fácil quando o nosso jardim à beira-mar plantado se torna o destino mais trendy do Mundo ocidental, entram ricos para usufruir e pobres para os servir. Somos um belo postal ilustrado, mas é como se estivéssemos na montra de um Red Light District global, na montra e a vendermo-nos barato. Não estamos preparados para um Mundo em guerra, contudo, a guerra não se trava assim tão longe. Se a Europa e os Estados Unidos deixarem cair a ajuda à Ucrânia, o narcisismo doentio de Putin vai avançar pelos territórios que estiveram sob o jugo da antiga União Soviética. Não podemos fechar os olhos ao presente, ao Mundo, a tudo o que aí vem. É tempo de aprender com o passado recente, de não esquecer os erros cometidos e de perceber que podemos voltar a acreditar em nós enquanto país e enquanto indivíduos. Nenhum país consegue melhorar sem uma boa dose de amor-próprio. Citando ainda a Dama de Ferro, todo o poder é confiança. E quando se perde a confiança numa pessoa, num sistema ou num governo, é como quando se perde a virgindade. Se não aprendermos mais nada com a senhora Thatcher, ao menos que aprendamos isto.