A importância de testar os níveis de vitamina D

O facto de termos um “país de sol” ainda alimenta uns quantos equívocos. Mas as análises e os estudos são claros. Há até quem fale numa “epidemia de carência” desta vitamina (que na verdade é uma hormona). Com consequências a considerar. Suplementar é quase sempre a solução.

Foi há mais ou menos três anos, algures em tempo de covid e confinamentos, que Letícia Almeida, advogada natural do Cacém, de 37 anos, recorreu ao médico de família por causa do cansaço constante que a atormentava. “Acordava sempre cansada, tinha de tomar logo um café para conseguir acordar.” A memória também não andava famosa. “Às vezes tinha julgamento marcado e esquecia-me do nome das testemunhas.” Foi na sequência das análises que o médico a mandou fazer que percebeu que tinha uma carência acentuada de vitamina D. “Até aí nunca me tinha passado pela cabeça, ainda por cima comia minimamente bem.” Face àqueles valores, foi aconselhada a fazer suplementação. Os efeitos não foram imediatos, mas garante que mês e meio depois já notava grandes diferenças. “Aquele cansaço matinal desapareceu, todos os dias tenho de estar a pé às 6.30 horas e acordo bem.” Nota ainda outros dois “upgrades”, que associa à toma diária desta vitamina. “Notei muita diferença ao nível da memória. E nunca mais me voltei a constipar.”

A carência de vitamina D é mais regra que exceção. Ainda em 2021, um estudo coordenado pelo Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, em parceria com o Instituto Gulbenkian da Ciência e outras instituições académicas de referência, concluía que 60% da população portuguesa apresentava níveis de vitamina D particularmente baixos, com todas as consequências que daí advêm (e de que falaremos mais adiante). A carência é também constatada por médicos de norte a sul. “É um problema frequente”, admite Jorge Dores, endocrinologista da Unidade Local de Saúde de Santo António, no Porto. No Algarve, onde o sol até brilha com redobrado fulgor, o cenário não é distinto, assegura Bernardo Pessoa, coordenador da Unidade de Saúde Familiar Lauroé, em Loulé, e especialista em medicina geral e familiar. Curiosamente, num primeiro momento, até foi cético.

“Há cerca de três anos, quando os delegados de propaganda médica vieram falar comigo por causa dos suplementos de vitamina D, eu quase os insultei. Falta de vitamina D no Algarve? ‘Isso é como venderem cubos de gelo na Antártida’, disse-lhes eu. Tinham era de ir vender na Finlândia e na Dinamarca. Mas tenho alguns amigos nessa área que só me disseram: ‘Faz a tua investigação e depois falamos’.” Ele assim fez. Nas análises que prescreve aos utentes, na sua maior parte idosos, começou a incluir sistematicamente a vitamina D. Os resultados surpreenderam-no. “Tive de dar a mão à palmatória. São mais aqueles que têm carência, ou pelo menos níveis subótimos, do que os que não têm. O clínico vai mais longe: “Há uma pandemia de carência de vitamina D”.

Como assim, se até vivemos num país cheio de sol? Andreia Monteiro, especialista em imuno-hemoterapia e medicina preventiva na Clínica Pilares da Saúde, ajuda a explicar. “Porque, apesar de termos sol, a posição em que o nosso país se encontra não é a ideal para recebermos a vitamina D na quantidade em que precisamos. Seria se vivêssemos na zona do Equador. A partir do momento em que nos afastamos dessa zona do Globo, a inclinação já não é a mesma.” A especialista garante mesmo que, à exceção dos meses de julho, agosto e setembro, “não temos sol suficiente para a produção da vitamina D”. Acresce que “vivemos sempre fechados” – ainda mais desde que o teletrabalho ganhou terreno – e que “não nos expomos ao sol nem em tempo suficiente nem de forma adequada”. O que seria uma exposição adequada? Andreia entende que tal passaria por ter “40 a 50% do corpo exposto e sem protetor solar, durante dez a vinte minutos, entre as 11 e as 15 horas”. Dependendo sempre do fotótipo em causa, alerta. “Este é o período em que podemos estar sujeitos à radiação ultravioleta B, que ajuda à produção de vitamina D. Fora deste horário, já será a radiação ultravioleta A”. No que toca a explicações para a carência de vitamina D, vale ainda a pena voltar ao tal estudo de 2021, para salientar uma outra conclusão: a população portuguesa tem uma prevalência de alterações do genoma quatro vezes superior à média europeia, que se traduzem numa predisposição genética para o défice.

Suplementar: sim ou não?

A propósito, vale a pena focarmo-nos na natureza da vitamina D. “Hoje já sabemos que não é uma vitamina, é uma hormona. Em alguns países, já se fala dela como a hormona D. Cá, por uma questão de simplificação de linguagem, continuamos a tratá-la por vitamina. Mas é importante entender que é uma hormona, até pelas várias funções que tem no nosso organismo”, destaca Andreia Monteiro. Vale também a pena percebermos, de forma simplificada, como se reproduz no nosso corpo: inicialmente é produzida através do estímulo da radiação ultravioleta B, sendo depois convertida para a forma ativa através dos rins.

E porque é tão relevante? “É muito importante para os ossos, tanto nas crianças, para prevenir o raquitismo, como nos adultos, para prevenir a osteoporose, por exemplo. É também importante a nível do sistema imunitário, melhorando a resposta a infeções víricas e bacterianas, e do tratamento das doenças autoimunes.” Bernardo Pessoa acrescenta que, para os atletas, há também benefícios “em termos de eficiência muscular e capacidade energética”.

Posto isto, de que forma podemos aumentar os nossos níveis de vitamina D? Em teoria, o mais fácil seria aumentar a exposição solar ou reforçar os alimentos ricos nesta vitamina (ou hormona). Mas Jorge Dores lembra que não é assim tão simples. “Por um lado, se formos apanhar o sol que precisamos para termos vitamina D suficiente temos logo os dermatologistas a avisar-nos para o cancro de pele. Por outro, temos de ter em conta que os alimentos ricos em vitamina D, como o salmão selvagem e outros peixes gordos, derivam do colesterol. Se formos reforçar muito a alimentação deste tipo de alimentos vamos ter outro tipo de problemas.”

Resta, portanto, uma opção. “Fazermos regularmente suplementação com vitamina D”, defende. Todos nós? O endocrinologista do Santo António é perentório. “De uma forma geral, todos. A normalização dos valores da vitamina D é benéfica para a saúde do esqueleto. Mas com particular interesse nas crianças, nas pessoas institucionalizadas, nas que têm doenças autoimunes, nas grávidas.” Fernando Pichel, responsável pelo serviço de nutrição do Santo António, salienta ainda que a carência de vitamina D é particularmente frequente em pessoas que se submetem a dietas alimentares. “Nestes casos, há tendencialmente uma restrição da ingestão de hidratos de carbono e gorduras e uma aposta maior nos alimentos de origem vegetal, o que se traduz num menor aporte de vitamina D.”

Andreia Monteiro realça, no entanto, que o processo não deve ser feito às escuras. “É preciso fazer análises e adequar a dosagem e o tipo de vitamina D ingerida. Daí que deva haver sempre orientação médica.” Jorge Dores deixa um outro alerta. “Temos de ter cuidado com algumas coisas que são referidas a propósito da vitamina D. Ao contrário do que volta e meia se diz, não há ainda evidência suficientemente forte que permita concluir que ajuda a reduzir o cansaço. Ou que ajuda a combater o cancro. Ou as doenças cardiovasculares.”