Jorge Manuel Lopes

Passeios no espaço para ouvintes estimados


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Os álbuns em nome próprio de Alexandre Soares são raros. Um disco de canções, “Um projecto global”, de 1988, ainda assombrado pela passagem pelos GNR, de onde saíra um ano antes. “Vooum”, em 2000, música de um espetáculo de dança do Balleteatro, o único registo discográfico da sua abundante criação para cinema e palco. Nas últimas duas décadas, a sua escrita pop-rock-eletrónica-estratosférica propagou-se à boleia de grupos: Zero, Osso Vaidoso, sobretudo a aliança com Ana Deus e Regina Guimarães nos Três Tristes Tigres.

Chegado em novembro, “Ouvido interno” é o novo capítulo de uma errática aventura a solo. Sete peças instrumentais, Alexandre Soares quase só, operando guitarra, sintetizadores modulares e percussão. Soa amiúde germânico (pense-se no foguetão krautrock lançado nos anos 1970), como quando emprega uma pulsação imperturbável e ansiosa em “Ultra-violeta”, a rugosidade dos tons de uma guitarra a pintar parte do cenário cósmico; ou quando se espraia por dez minutos de tensão e incerteza em “Neónio”, em que a maquinaria se deixa desmantelar por vagas de guitarra elétrica e linha de baixo. Também há dilemas sónicos meditabundos e sem formas fixas, caso de “Ração de combate”: abrasivo, contemplando a incerteza, à boleia da secura dos ritmos de Pedro Oliveira, que estarão a pensar em David Sylvian. Peça de contornos mais acústicos e líricos, “Funâmbulas” tem cordas de Alexandre Soares e Eleonor Picas em harpa e é uma madrugada de geada e quietude que entra pelos ouvidos. Mas é o princípio do ritmo eletrónico, de linearidade oscilante, que mais une “Ouvido interno”. Merece audição com tempo e profundidade.

(E porque às vezes há coincidências, Vítor Rua, outro fundador dos GNR, lançou no mesmo novembro, via Marte Instantânea, o álbum “Electronic music 1993​​​-​​​2018”, segundo volume de uma recolha de material do músico e compositor. Sobretudo pelo lado hipnótico da extensa faixa final, “Telectu/Jorge”, faz um bom pendant com “Ouvido interno”.)