Nas conversas de café, nas piadas típicas ou no imaginário cinematográfico, o comprimido azul - ou tratado apenas pelo nome comercial Viagra - está na ponta da língua quando se fala de disfunção erétil masculina. Mas e as mulheres? Quando há falta de libido ou dificuldade em atingir o orgasmo, há medicação que ajude? Há, mas nem todos os especialistas a recomendam, identificando-a como incipiente. A atualidade, o futuro da farmacêutica e a sexualidade feminina em análise.
Não haver estudos concretos ou recentes sobre um determinado tema diz muito sobre a atenção que a sociedade lhe dá. É exatamente por aqui que começamos a falar de libido e prazer sexual femininos. Não há números fidedignos ou estudos avançados que permitam saber, afinal, se as mulheres estão sexualmente satisfeitas. Vai havendo, aqui e ali, uns números, mas as conclusões são quase sempre incipientes. Quem avança esta primeira ideia da falta de certeza científica no que concerne ao sexo das mulheres é Isabel Hermenegildo, médica e especialista em ginecoestética. “Pelo menos 10% das mulheres queixam-se de falta de libido, mas isso são números superficiais, pela minha experiência acho que são muitas mais.”
Em 2021, Rui Pedro Ribeiro, investigador no Instituto Politécnico de Bragança, publicou um estudo onde é possível, ainda que a partir de uma pequena amostra, retirar algumas conclusões: as mulheres estão mais satisfeitas com a sua vida sexual na faixa etária entre os 50 e os 64 anos ou quando são casadas ou em união de facto. Pelo contrário, indica o documento “Satisfação sexual em mulheres em Portugal”, viver numa aldeia, ter baixas habilitações literárias ou ser divorciada ou separada são motivos que levam a uma maior insatisfação (cerca de metade das inquiridas).
Ainda que os números não sejam extensos, aprofundados ou concretos, é certo que há uma fatia da população feminina que vive com um problema que ainda é tabu: falta de libido ou de prazer sexual. Mas, ainda que não se esteja à vontade, há que falar sobre o tema, porque há solução. Ana Samico, psiquiatra e sexóloga na Clínica de Medicina Sexual da Casa de Saúde da Boavista, começa por esclarecer que “a falta de libido ou de desejo é apenas uma das disfunções sexuais femininas, existindo várias outras, como alterações a nível da excitação, do orgasmo, de preferências sexuais”.
O desejo feminino
Para o tratamento, de qualquer que seja a disfunção, estão disponíveis o “acompanhamento psicoterapêutico e ainda opções farmacológicas”. O tal “Viagra” (nome comercial do medicamento) tão famoso para os homens… sim, há para mulheres. Mas a história não é simples. Vamos por partes.
Ana Teresa Ramos, sexóloga, explica que o “desejo feminino não está diretamente relacionado com a genitália. Tem mais a ver com falta de disponibilidade, falta de qualidade de vida, más relações, autoimagem corporal distorcida, entre outros”. Pode dizer-se que tem pouco de mecânico e mais de psicológico. “Os mecanismos femininos são mais misteriosos que os masculinos, ainda há muita coisa por descobrir e, portanto, ainda não há um tratamento medicamentoso eficaz”, assinala Ana Teresa Ramos.
A especialista em sexologia acredita que o problema deve ser abordado pelo lado comportamental e psicológico, mais do que qualquer outra intervenção. “A falta de desejo tem muito de social, de educacional e de psicológico e, portanto, a medicação não atua nesses aspetos. Trata-se de uma questão de tentar ‘medicalizar’ a sexualidade.” O que, para Teresa Ramos, não faz sentido. Portanto, para a especialista, o essencial é trabalhar com um psicólogo ou sexólogo. A sexualidade, e as disfunções a si associadas, estão amplamente ligadas à saúde mental, confirma Ricardo Pinto, neuropsicólogo. “O que os estudos mostram é que esta ligação é particularmente intensa no caso das mulheres.”
O tabu que se desfaz
Pela sua experiência na área, Ana Teresa Ramos assume que, hoje, “as pessoas já estão muito informadas, e antes de virem à consulta já pesquisaram imenso no ‘Dr. Google'”. E, por isso, já chegam com queixas concretas e sem rodeios, um avanço nos últimos dez anos, quando o assunto estava “fechado a sete chaves”. A falta de desejo sexual é, aliás, a principal motivação para as consultas com a especialista. Ainda que o problema tenha relevância e que seja fundamental partilha-lo com um profissional, nem todas têm acesso a uma consulta na área da psicologia ou sexologia, sendo importante o papel dos cuidados primários.
No entanto, “muitas vezes, quando a mulher se queixa, tal como, por exemplo, com infeções urinárias de repetição, infeções ginecológicas, efeitos da menopausa e do pós-parto, são ignoradas”, denuncia Isabel Hermenegildo, da área da medicina geral e familiar. “Nestas consultas abre-se uma janela para quebrar o tabu, falar do tema e mostrar que não é necessário viver com frustração sexual. Há soluções.”
Mas ainda que cada vez mais mulheres estejam à vontade para falar do tema, e que uma pesquisa na Internet esteja cada vez mais acessível, nem sempre a informação correta é conhecida da maioria. A sexóloga Ana Teresa Ramos constata ser “completamente desconhecido em Portugal a existência de medicamentos para a falta de libido da mulher”. “Nunca nenhum paciente me falou disso.” Por contraste, a opção masculina é bem conhecida de todos.
Mas, afinal, há ou não há um medicamento que aumenta a libido e o prazer sexual feminino? Há, mas nem todas as opções estão disponíveis na Europa. Por cá, informa Andrea Quintas, ginecologista e obstetra também da Clínica de Medicina Sexual da Casa de Saúde da Boavista, “a prasterona, uma pró-hormona de aplicação vaginal, está aprovada e disponível em Portugal, para tratamento da secura e atrofia vulvovaginal, que tem um impacto positivo no desejo sexual”. “São vendidas anualmente cerca de 16 mil embalagens por ano em Portugal.”
Não é bem resolver a questão diretamente, mas pode ajudar. E é neste âmbito que a existência de medicamentos em Portugal para o problema atua, sublinha Ricardo Pinto, neuropsicólogo e membro do Centro de Medicina Digital P5 da Universidade do Minho. “Existem já diversos tipos de produtos que auxiliam, não na linha especificamente, mas que auxiliam noutros aspetos que lhe estão envolvidos.” Lubrificação, secura, elasticidade, sensibilidade local, tratamentos hormonais, entre outros.
O que há lá fora
Mas ainda que não haja a famosa versão do “Viagra” para mulheres na Europa, do outro lado do Oceano Atlântico, a questão muda de figura. Continuamos com Andrea Quintas, da Clínica de Medicina Sexual, que diz existirem “dois compostos relativamente recentes, aprovados pela Food and Drug Administration (agência norte-americana de regulamentação de alimentação e medicação), não hormonais e de ação central para melhoria do desejo sexual em mulheres”.
Um deles é a flibanserina. “É de toma diária, ao deitar e tem eficácia demonstrada em vários estudos. O outro é a bremelanotida. É autoadministrada através de uma injeção subcutânea, ‘on demand’, ou seja, conforme quando e como a mulher deseja, com efeito cerca de 45 minutos após a administração, com o máximo de oito doses recomendadas por mês.” A aprovação de ambos tem estado envolta em polémica pela incerteza de eficácia e os efeitos secundários, ambos esclarecidos pela ginecologista. “Os efeitos adversos são raros, mas podem dar tonturas, sonolência, náuseas e dores de cabeça.”
Andrea Quintas e Ana Samico, profissionais da Clínica de Medicina Sexual, lamentam que nenhum destes dois fármacos esteja a ser comercializado na Europa, apenas nos Estados Unidos da América. “Esperemos que em breve isto venha a mudar pois o potencial para ajudar um grande número de mulheres é significativo, especialmente se o tratamento médico for complementado com apoio psicoterapêutico, reforçando novamente o papel essencial deste acompanhamento especializado na área da Sexologia.”
As possibilidades no futuro
No caso da menopausa, a altura da vida da mulher em que “os estrogénios, uma das principais hormonas sexuais femininas, fundamentais para a saúde da vulva e vagina, uretra e bexiga e ainda para a regulação do humor, da emoção e do comportamento sexual, cessam a produção”, explica Maria José Freire, urologista da Clínica de Medicina Sexual da Casa de Saúde da Boavista, há outras possibilidades de tratamento a ser investigadas.
“Há quem considere que a terapêutica da menopausa com estrogénios (e com progesterona para mulheres que têm útero) seja o verdadeiro ‘Viagra feminino’, uma vez que permite a melhoria destes vários aspetos da vida da mulher.” Já a testosterona, “a principal hormona sexual masculina, mas que também está presente nas mulheres, tem da mesma forma um importante papel na função sexual da mulher, estando intimamente relacionada com o desejo sexual, a força muscular e a sensação de bem-estar geral”. Ainda não há comercialização de medicação destas hormonas com o propósito específico de aumentar a libido feminina, mas diversos estudos têm-se debruçado sobre a sua eficácia. Com resultados prometedores.
E quando é que a falta de libido ou a insatisfação sexual são um problema a ter em conta? Na opinião do neuropsicólogo Ricardo Pinto, assim que a questão é pressentida. “É sempre importante trabalhar a questão e perceber quais são as causas – se algum tipo de medicação está a ter esse efeito indesejado, se há um trauma, se está stressado ou ansioso, se há problemas no relacionamento, entre outros.”
Qualquer que seja a razão de entre uma panóplia de possíveis, há solução. E como se chega a essa solução? “Ouvir a pessoa; indagar se há crenças sexuais erradas; perceber o nível de educação sexual; depois, mudar esquemas de pensamento.” Mas ainda que a mensagem principal a ser transmitida pelos especialistas seja a existência de solução, Ana Teresa Ramos recomenda que as expectativas não sejam irrealistas. “Todas estas questões são dimensões muito difíceis de medir e que são trabalhadas a nível psicológico, logo requerer um esforço e disponibilidade mental para a mudança, que não é imediata.”