Valter Hugo Mãe

O Brasil Todo


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

O discurso de Sílvio Almeida, que dá a cara pelo novo Ministério dos Direitos Humanos, bastaria para entender como a necropolítica de Bolsonaro passa imediatamente à História enquanto episódio aberrante. Sílvio bem que avisou que diria apenas coisas óbvias mas que, infelizmente, o óbvio urge em ser dito. De uma assentada, voltou a inscrever todas as pessoas no país. Voltou a incluir no Brasil toda a vasta panorâmica humana que o ogre quis humilhar, quis exterminar. Lula, com tantas dúvidas que nos possa levantar, desempenhou a tarefa tão simples de lembrar que vida é uma batalha muito para lá da economia, e economia nenhuma vale sem a primazia da vida, do orgulho de pertencer, do orgulho de ser chamado a fazer parte.

Subitamente, olhamos para aquela multidão de novos rostos no poder e tudo germina. É uma primavera de alegria, uma vontade intensa de refazer a gentileza, o respeito, a simples obrigação de não excluir, não agredir. Subitamente, o Brasil é uma vocação de vida e não a fanática, demencial, avidez pela punição e pela morte. Acabou o poder do imbecil despreparado e boçal, o infantil que não lida com contrariedade nem escuta mulher ou negro, não tem lugar para ninguém senão ele mesmo e seus filhos zangados como cachorros atiçados sobre o Mundo.

Importa muito pouco se dizem que Lula ganhou por um triz, a humanidade está sempre a salvar-se por um triz. Importa que agora se reponha o Brasil no teatro internacional, de onde havia sido sequestrado. São incríveis os primeiros sinais, como os biliões imediatamente disponibilizados pela Noruega para o combate ao desmatamento da Amazónia. Que o grande país de Machado de Assis volte a fazer parte dos diálogos de cooperação com o Mundo inteiro, convidando para o investimento e para o turismo, é a reversão completa da política que procurou ter o país nas mãos como num assalto. É fundamental que nada nem ninguém esteja refém. O país precisa de estar aberto, falando e escutando, escolhendo o que pode ser melhor para seu futuro, optando pelo melhor de entre tudo quanto se propõe.

Não sei como curar agora o fanatismo delirante de alguns eleitores. O surto psicótico que deu em pessoas que apelaram à ocorrência de golpes antidemocráticos, apelaram à intervenção de extraterrestres, acreditaram que a descida da bandeira a meia haste pela morte de Pelé fosse rendição. O que será dessa tanta gente que foi doutrinada com mentiras e quantas pelas igrejas que frequentam, não faço ideia. As doenças do Brasil foram bastante agudizadas. Espero que a evidência de uma política humana, ocupada com a fome, com a educação e com a saúde, seja o bastante para explicar ao mais iludido dos eleitores onde está o foco do que é razoável e do que não se pode voltar a arriscar.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)