Traduzido para o português significa "não há lavagem". O que pode dar a entender que os seguidores deste movimento nunca mais lavarão as suas roupas na vida. Mas não é isso. A ideia é reduzi-las ao essencial e mudar a forma como as fazemos. E, acima de tudo, repensar o consumo de roupa. Este é um guia para conhecer o impacto da lavagem de roupa no ambiente - e nas contas lá de casa.
Em média, cada português gasta 190 litros de água por dia. Em casa de Joana Tadeu, constituída por uma família de dois adultos e uma criança, cada pessoa gasta cerca de 65 litros por dia. O segredo? “Não é nenhuma fórmula mágica”, diz-nos a ativista também conhecida pela alcunha “ambientalista imperfeita”, que utiliza as redes sociais para falar sobre a causa da sustentabilidade.
A redução do consumo da água para quase um terço, tendo em conta a média, prende-se, em grande parte, com as lavagens. Quer seja da loiça, da casa, do corpo ou da roupa. Hoje, o tema foca-se neste último ponto. Joana Tadeu abre a conversa com um “sim, insiro-me no movimento ‘no wash'”. Ela, o marido e a filha de 5 anos. Mas, afinal, o que é isto do “não há lavagem” (tradução livre para a língua portuguesa)?
O primeiro ponto a reter, explica a ativista, é que o termo não é para ser levado de forma literal. A ideia não é proibir a lavagem de todas as roupas para o resto da vida. “Eu lavo roupa sempre que é necessário, claro, este movimento o que pede é que repensemos a forma como olhamos para as lavagens.”
É preciso lavar todas as roupas assim que são usadas? É preciso trocar de t-shirt ou de calças todos os dias? É preciso lavar as peças por inteiro? É preciso lavar todas as peças na máquina de lavar? Estas questões devem ser a ignição do processo de reflexão de todos aqueles que queiram reduzir o impacto da lavagem da roupa no meio ambiente (já lá vamos a números e factos sobre este impacto).
O inimigo é a máquina de lavar
Joana Tadeu não é caso único, claro. Não há um momento exato ou origem certa associada ao movimento no wash. Mas não é novo. Era 2014 quando a marca Hiut Denim Co., sediada no País de Gales e criada para reavivar a manufatura de calças de ganga numa pequena localidade, lançou o “No Wash Club” (“clube das não-lavagens”, traduzido), que se mantém na filosofia (e no site da empresa) até aos dias de hoje.
“Para as calças de ganga, o maior impacto vem das lavagens. O inimigo é a máquina de lavar. Então, na Hiut Denim Co., incentivamos as pessoas a tentar ao máximo não lavar as calças de ganga. Nem todo o Mundo concorda, mas para nós faz sentido por muitas razões. Então formamos um clube em torno dele”, lê-se num dos manifestos da marca. E, tal como qualquer desafio, há uma meta: seis meses. A empresa desafia os seus clientes a lavar as calças de ganga apenas de meio em meio ano.
Mas há quem vá mais longe. “The Indigo Invitational” e “Redline Rally” são duas iniciativas lançadas mundialmente, em 2019, que desafiam anualmente quem se inscreve a não lavar as suas peças de ganga, quer sejam calças, camisas ou casacos. Um ano sem lavar umas calças faz com que tenham um aspeto de desgaste “perfeito”, ainda mais bonito do que quando acabadas de comprar. Pelo menos é o que afirma o responsável desta competição, Bryan Szabo.
Usar 200 vezes antes de lavar
Para o canadiano, a redução do número de lavagem da ganga começou ainda em 2010. Normalmente, utiliza as suas calças por 150 ou 200 vezes antes de seguirem para a máquina de lavar, contou numa entrevista à BBC. Agora, leva a filosofia do no-wash para todo o Mundo.
Mas nem só de anónimos ligados ao movimento ambiental ou à estética, como foi a primeira motivação de Bryan, vive a filosofia. Há também famosos a afirmar lavar pouco as suas roupas. E a poupança do ambiente, bem como a poupança económica, são as razões apontadas. Entre vários outros, um deles é o CEO da Levi’s, a conhecida marca de produtos de ganga.
Foi em 2014, durante um discurso num evento público, que Chip Bergh chocou (ou conquistou) os presentes afirmando que nunca, nem por uma vez, tinha lavado as calças de ganga da sua marca que vestia naquele momento. Mas quanto tempo significava isso? Dez anos. As calças de ganga que tinha vestidas faziam dez anos de existência e ainda não sabiam o que era serem lavadas. Nem essas nem outros pares que tem. Bergh explicou mais tarde que, além da poupança do ambiente, uma vez que as calças de ganga são dos elementos mais poluentes durante as lavagens, há ainda um ganho estético.
Com ou sem manchas?
Mais recentemente, em 2019, a designer Stella McCartney declarou numa entrevista ao The Guardian que tem uma rotina de baixa intensidade de lavagens. “Se não precisa limpar nada em particular na roupa, não limpe. Eu não trocaria o meu sutiã todos os dias e não deito coisas numa máquina de lavar apenas porque foram usadas. Sou incrivelmente higiénica, mas não sou fã de limpeza a seco ou qualquer limpeza de todo.”
É também nesta forma de pensar que Joana Tadeu, a “ambientalista imperfeita”, encaixa a sua rotina. “Se não há uma nódoa ou mancha na roupa, não é necessário toda a peça ir para lavar. Se houver alguma nódoa, pode lavar-se localmente esse espaço à mão.” O mesmo acontece com o suor na zona das axilas, lavando apenas esse local em específico e voltando a utilizar a peça. Uma e outra vez.
Mas o truque da lavagem manual localizada não é o único. Há o arejamento sempre que se despe uma peça, o sacudir bem as roupas para garantir que qualquer sujidade é eliminada, a exposição das peças usadas ao sol, antes de as voltar a vestir, ou até truques caseiros, como utilizar vodka nas lavagens (este último é um dos favoritos de Joana Tadeu).
A mesma peça dois dias (ou mais)
Para a ambientalista, uma peça de roupa nunca é utilizada apenas uma vez antes da lavagem, com exceção das cuecas. Por exemplo, uma t-shirt, mesmo no verão, dura uma semana de utilização antes de ir à máquina. “Ainda hoje, enquanto falamos, a minha filha de cinco anos foi para a escola com o mesmo vestido que utilizou ontem. Não estava sujo, não cheirava mal e ela queria usá-lo novamente porque gosta muito dele. Porque não poderia?”
E não é só nas roupas. Joana só lava o cabelo duas vezes por semana. A filha não toma banho todos os dias (excetuando a limpeza localizada diária). E como reage quem circunda esta família? Com naturalidade, garantem. “A minha filha cresceu com esta rotina, para ela é normal. Nunca recebemos qualquer queixa de outros pais ou nunca percebemos que ela fosse gozada por amigas por causa destes hábitos. É preciso falar destes movimentos para naturalizar algo que não é um extremismo. Não é porque o relógio passou que sou obrigada a lavar-me ou a lavar a minha roupa. Devemos repensar os nossos comportamentos e perceber quando é necessário fazer uma limpeza a algo. Pouparemos o ambiente e a nós mesmos, uma vez que não iremos perder tempo diário em tarefas que, à partida, são desnecessárias, como lavar um monte de roupa todos os dias.”
Outro hábito que Joana Tadeu tem na sua vida, com o intuito de poupar o ambiente, a fatura da eletricidade e horas do seu dia, é nunca passar a ferro. Compra as roupas de materiais que já sabe que não exigirão ferro de passar. Até porque esse é um elemento da vida doméstica que não existe na casa da família Tadeu.
O terrível microplástico
E, afinal, o que estamos a poupar quando colocamos em prática todos estes comportamentos? Fátima Vieira, diretora da Associação Bandeira Azul da Europa, focada na questão da educação ambiental, explica que, em cada lavagem de uma peça de um tecido que não é totalmente natural são libertadas fibras que terão impacto nas estações de tratamento de águas, tornando o seu trabalho mais pesado. “E há sempre aquelas fibras que estes pontos não conseguem retirar da água e acabam por chegar aos rios e oceanos.”
Recuemos. Materiais naturais? Sim, os produtos que são fabricados com materiais sintéticos – atualmente a esmagadora maioria, uma vez que, indica Fátima Vieira, 64% da produção atual contém plásticos como poliéster, elastano, acrílico, entre outros – são “piores” para o ambiente. Em cada lavagem de apenas uma peça desenvolvida com estes materiais sintéticos, são libertadas cerca de nove milhões de partículas de microplástico. O cenário piora quando se toma consciência, avança a especialista, que a maioria do consumo de roupa é feito através de cadeias de fast fashion. A título de exemplo, Fátima Vieira realça que 85% dos produtos da Shein, uma cadeia mundialmente conhecida por ter milhões de produtos a preços reduzidos, contêm plástico.
E, claro, não se deve esquecer de fazer uma seleção mais amiga do ambiente dos produtos que auxiliam a limpeza, optando por detergentes com menos químicos poluentes (um setor com cada vez mais peso no mercado, garante Fátima Vieira). A mesma lógica tem sido aplicada a outros movimentos, como o “no-poo” (“não ao champô”, traduzido), que incita a população a fazer a lavagem do cabelo e do corpo sem produtos químicos agressivos para o ambiente.
Poupar o ambiente é saudável?
Mas e a saúde? Estamos a poupar o Planeta, mas poderemos ter consequências na pele, por exemplo, derivado destes comportamentos? Dificilmente, atesta Helena Brito, dermatologista. “Pode desenvolver-se algum problema, mas era preciso ter um grau extremo de não lavagem de roupa. Se deixar um tempo razoável sem lavar, aplicando outros métodos de limpeza e arejamento, não terá qualquer problema.” Uma t-shirt transpirada, não é problema, garante. “O problema pode ser o mau odor, mas não é nada de grave para a pele, é apenas desagradável socialmente.”
No caso de a pessoa ter uma pele com tendência acneica, pele atópica ou seca, a história muda de figura, uma vez que uma camisola usada demasiadas vezes seguida pode ir acumulando gorduras do corpo que facilitarão o aparecimento de foliculite. Ainda assim, sublinha a especialista em dermatologia, a solução poderá não ser lavar exaustivamente a roupa, mas antes optar por usar apenas materiais naturais, que são menos abrasivos para a saúde da pele.
Helena Brito abre a exceção para a roupa interior, que essa, sim, deve ser lavada diariamente, uma vez que “estando em contacto com os genitais pode ter presença de urina, fezes, suor intenso e outros líquidos”. Junta-se a esta exceção o caso das meias, que quando húmidas e reutilizadas podem incitar ao aparecimento de fungos e bactérias, e as leggings fabricadas com produtos sintéticos, uma vez que se trata de um material suscetível de acumular mais suor.
Hora de mudança
Recapitulando a matéria: não há perigo para a saúde, poupa o ambiente, poupa a carteira e ainda o tempo despendido em tarefas domésticas. E o que diz a indústria da moda sobre estes movimentos? Para Alexandra Cruchinho, professora no curso de Moda da Universidade Lusófona, a indústria, tal como a própria sociedade, está em mudança. E há uma consciência cada vez maior para a poluição provocada pela roupa.
Para combater este fenómeno, além da alteração de comportamentos para uma lógica de redução, reutilização e reciclagem (os famosos 3 R a tudo aplicados), a tecnologia deve investir-se para ser aplicada em materiais de melhor qualidade.
“Uma malha de uma meia, de um top ou de uma t-shirt, se tiver qualidade, a matéria-prima pede menos lavagens, porque não cria odores. Por isso trabalhamos para desenvolver estes materiais que irão ajudar nesta mudança de comportamentos da população.” Além disso, são, muitas vezes, os tais materiais naturais que falamos há pouco, que têm um impacto ambiental exponencialmente inferior.
Tecnologia a favor do ambiente
Mas não falamos apenas do tradicional algodão, lã ou outros. “Há cada vez mais investigação para descobrir novos materiais, como uma lã que é possível utilizar no calor, o fio de cânhamo, entre outros.”
E, como não podia deixar de ser, a aposta na indústria circular, com os produtos que são fabricados através da reciclagem de produtos que foram parar ao lixo (ou até ao mar, como é o caso de algumas marcas que recolhem plástico do mar para fabricar calçado, por exemplo). Sobre esta matéria, Cruchinho destaca que há um mito a combater: “Costuma dizer-se que as peças feitas de materiais reciclados libertam mais partículas poluentes do que uma nova. É um mito. Uma peça nova irá sempre, garantidamente, ter um impacto superior”.
A especialista da área da moda sustentável garante que as ideias da comunidade estão a mudar e a consciência para a sustentabilidade a aumentar. “Um dos pontos onde essa mudança é percetível é a criação, neste ano, na Universidade Lusófona, da primeira licenciatura em Portugal focada na moda sustentável. Sentimos que havia essa procura por parte dos alunos e da indústria.”