Margarida Rebelo Pinto

Votar e amar


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Não ir votar é tão estúpido como viver uma relação infeliz, tanto faz se é morna ou recheada de frisson e adrenalina, mas sem qualquer possibilidade de construir uma vida a dois, e ainda por cima queixar-se dela.

No dia 11 de janeiro de 1989, Ronaldo Regan proferiu o seu discurso de despedida, depois de oito anos na Presidência americana, no qual falou no equilíbrio entre o povo e o Governo. Defendia que somos nós, o povo, quem decide quem nos governa e como nos governa, terminando com a seguinte conclusão: quanto mais poder dermos ao Governo, menos liberdade teremos.

Em dia de exercer o direito de eleger quem nos vai governar nos próximos quatro anos através do voto, não posso deixar de relacionar o ato de abstenção com aquelas relações que já não vão a lado nenhum, nas quais as pessoas envolvidas são demasiado medrosas ou acomodadas para se separarem.

As relações existem, ou deveriam existir, para nos acrescentarem valor, para sermos mais felizes e nos sentirmos mais completos, para que alguém nos resgate da rebentação nos dias de tormenta, dando-nos alento, colo e carinho.

A imprevisibilidade da existência já é suficiente para nos atirar para as águas turvas da ansiedade e da incerteza. Tentamos aguentar-nos o melhor que sabemos, enfrentando ventos desfavoráveis e rotas desconhecidas. Contudo, uma rota só é desconhecida se não a estudarmos previamente. Para quem vive à deriva, navegando ao sabor das ondas, sem rumo na intenção, o naufrágio é praticamente inevitável.

Aqueles que preferem a abstenção são os preguiçosos, os derrotados da vida. Curiosamente, são os mesmos que não se coíbem de levantar a voz contra tudo o que consideram estar mal no sistema, sistema para o qual nem sequer contribuíram com o ato de votar.

A abstenção pode ser motivada por inércia, por descrença, ou por aquela atitude muito portuguesa de considerar chique ser um vencido da vida. Lembro que tal movimento era protagonizado por senhores burgueses de boa linhagem e algumas posses, que nunca passaram fome nem frio, ao contrário do povo a eles contemporâneo.

Persistir numa relação amorosa morta ou agonizante, sem chama nem verdade, sem riso nem intimidade, é o mesmo que ter um carro avariado à porta de casa, um chaço, um salvado. Não serve para nada a não ser para ocupar espaço e gastar dinheiro, porque chamar o reboque que o irá levar para o ferro-velho também tem um preço a pagar. No fundo, é outra forma de abstenção, reflexo de falta de autoestima e de respeito por si mesmo.

Não ir votar é tão estúpido como viver uma relação infeliz, tanto faz se é morna ou recheada de frisson e adrenalina, mas sem qualquer possibilidade de construir uma vida a dois, e ainda por cima queixar-se dela. Outra prática comum deste tipo de relações tóxicas é o desejo de denegrir o outro, o equivalente ao voto nulo. É uma forma terrivelmente eficaz de autossabotagem, sempre com resultados nefastos e por vezes catastróficos.

A ilusão de ter como garantida a democracia lembra-me aquela estirpe de malandro que vai dando facadinhas no matrimónio, acreditando que a sua consorte, neste caso sem sorte nenhuma, não fará o mesmo, ou que não lhe põe as malas à porta de casa, se o apanhar na curva.

Se queremos que a nossa relação mude, então temos de dar o corpo às balas, ou sair de cena quando, por mais que se navegue, não há terra à vista. E já agora, exercer o direito que nos foi consagrado pela Constituição, honrando o facto de vivermos numa democracia.
Vote em si, não se abstenha daquilo que deseja e que acredita merecer.
Votar e amar são, afinal, verbos muito parecidos.