Jorge Manuel Lopes

Um filme para Jorge Silva Melo


Crítica de cinema, por Jorge Manuel Lopes.

A aventura de Jorge Silva Melo no cinema entrelaçou-se no tempo e no espaço com a atividade teatral, aquela pela qual ficou mais conhecido.

Estava a década de 1970 a nascer e já Silva Melo figurava na curta-metragem “Quem espera por sapatos de defunto morre descalço”, de João César Monteiro. Uma entre incontáveis obras, no ecrã e no palco, em que trabalhou ao lado de Luís Miguel Cintra.

Ator, realizador, argumentista, cumpriu vários papéis em produções próprias e em trabalhos alheios. O salto na atividade deu-se, inevitavelmente, depois do 25 de Abril, e apesar de se ter envolvido em projetos audiovisuais com regularidade até ao presente, deixou marca sobretudo pelo que fez na ficção nos anos 1980 e primeira metade dos 90. (Neste meio, os últimos 25 anos foram maioritariamente dedicados a trabalhos documentais focados na vida e obra de artistas portugueses, de Nikias Skapinakis a José de Guimarães, de Ângelo de Sousa a Álvaro Lapa).

A primeira longa-metragem, “Passagem ou a meio caminho”, estreou-se em 1980, e obras estimadas e emblemáticas chegariam em 1993 (“Coitado do Jorge”) e em 2002 (“António, um rapaz de Lisboa”). Pelo meio, Jorge Silva Melo assinaria um filme que é a melhor porta de entrada nas suas andanças cinematográficas. “Agosto”, de 88, existe num espaço e tempo em suspensão, uma espécie de filme de câmara que segue três personagens naquele estado de exceção que o verão e as férias autorizam. Na praia da Arrábida, numa época ainda toldada pela Guerra Colonial, Carlos (interpretado por Christian Patey), músico, procura o escape na companhia de um casal amigo, Dário (Olivier Cruvellier) e Alda (Marie Carré). A luz de “Agosto” é quente, salpicada de neblina, melancólica. Uma forma adequada de celebrar a vida de um polímata que partiu na passada segunda-feira, aos 73 anos, vítima de cancro.