Margarida Rebelo Pinto

Manipanzo, estás aqui


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Esta será porventura uma das crónicas mais difíceis de escrever, a gravidade do tema não me permite falhar em uma só palavra. Há cerca de um ano, o Gonçalo escolheu pôr termo à vida, um mês antes de completar 27 anos. Era muito bonito, muito inteligente, muito sensível, dotado de um pensamento original e muito talentoso. Herdou da mãe o espírito artístico que desenvolveu em telas e esculturas. A sua obra esteve recentemente exposta e pode ser visitada na conta de Instagram criada pelos pais @malato_manipanzo. Manipanzo é um quadro/escultura que o artista explica da seguinte forma: “Imagina que um quadro é um puzzle, que esse puzzle ganha forma em 3D. Imagina que o dobras até teres um cisne”. O resultado é surpreendente e belo, origamis gigantes dobrados e moldados a partir de telas cortadas, enroladas, coladas e agrafadas. O Gonçalo pintava as telas e recortava-as, acreditava que a destruição era necessária para o resultado final, que não queria que fosse bonito, mas único. Manipanzo torna-se o seu alter ego, o heterónimo tatuado no braço. Um ano após a sua partida, os pais, irmão, restante família e amigos reúnem-se para uma mostra do trabalho de Gonçalo e é como se ele estivesse de novo nas duas salas; sentimos o seu coração a bater, vemos o seu sorriso rasgado, ouvimos os seus comentários sarcásticos, típicos de quem nunca seria acomodado, by the book, ou passível de domar ou de corromper.

Foi uma criança alegre e feliz, integrada na família e na escola. Era um desportista nato até uma lesão no joelho lhe pregar uma partida, concluiu o curso superior, ia para os copos e tinha namoradas. Não tenho palavras para elogiar o amor e a dedicação incondicionais dos pais do Gonçalo desde que nasceu, bem como a coragem ao longo do ano mais negro das suas vidas, cumprindo a missão de aceitar o impossível, sublimada na realização desta mostra na qual os quadros e esculturas de Gonçalo o eternizam.

É delicado falar de saúde mental quando a realidade não nos atinge de perto e ainda mais quando convivemos com tal flagelo. Os números em 2022 são assustadores: 27,2% dos adolescentes em idade escolar afirmam que se sentem infelizes. Em 2018, eram 18,3%. Que Mundo é este em que redes sociais incitam à automutilação e a práticas suicidas? E o que está ao nosso alcance para que as novas gerações sofram menos, porque é de sofrimento que estamos a falar, provocado por tristeza e por um sentimento de abandono que conduzem ao isolamento? Em Portugal a média diária é de três suicídios. Entre os jovens dos 15 aos 34 anos é a segunda causa de morte. E o número de tentativas de suicídio falhadas é 25 vezes superior ao daqueles com desfecho fatal.

Esta não será a crónica ideal para a quadra festiva, mas, antes e depois do bacalhau e das filhoses, é urgente e prioritário melhorarmos a relação que temos com as novas gerações: descer ao mundo deles, ouvi-los com o coração, aceitá-los como são, e nunca desistir, nem por um dia, uma hora, um instante, de ajudarmos aqueles que amamos com amor, afeto, persistência, firmeza, e depois mais amor, sempre mais, sob diferentes formas.

O Gonçalo recebeu muito amor e irá recebê-lo dos seus pais, irmão, família e amigos para sempre. A sua arte, expressa numa explosão de cores, é um eterno grito de um jovem inquieto, um alerta para o mundo perigoso em que vivemos. Quem quiser conhecer a sua obra, pode seguir a conta do Instagram.