É importante para o sistema imunitário, pode prevenir patologias da tiroide e até tem influência na fertilidade. Há estudos que apontam para carências em Portugal, porém a suplementação só deve fazer-se se for recomendada por um profissional de saúde.
É essencial para o normal funcionamento do sistema imunitário (principalmente na resposta a infeções virais), é antioxidante, anti-inflamatório, importante para o correto funcionamento da tiroide, para o metabolismo muscular, cardíaco e esquelético, para manter o cabelo e unhas saudáveis, e até na fertilidade. “É um mineral que faz parte da estrutura de 25 proteínas que o nosso organismo produz e que estão envolvidas em várias funções essenciais para a saúde”, sublinha Inês Veiga, farmacêutica. O selénio é um micronutriente de que pouco se fala, mas numa altura em que o consumo de suplementos tem vindo a ganhar palco, está a conquistar protagonismo. Há estudos que apontam para carências deste mineral em Portugal (lá iremos). Ainda assim, os especialistas são unânimes, suplementar só por suplementar não é o caminho.
Comecemos pelo princípio, pelos alimentos que podem ser boas fontes de selénio. “Sabemos que a biodisponibilidade do selénio nos alimentos varia. Porém, sabe-se que a castanha do Brasil é uma ótima fonte, é talvez a rainha do selénio”, aponta Catarina Sousa Guerreiro, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que acrescenta que o mineral também está presente “noutros frutos oleaginosos, nos cereais, como o trigo, e em produtos de origem animal, na carne, no peixe, nos ovos”. O selénio, como todos os minerais, só é obtido a partir da alimentação. “Mas há três questões. A nossa alimentação não segue as regras da pirâmide alimentar, e logo aí podemos ter défices na ingestão de alguns minerais. Depois, a qualidade dos alimentos que ingerimos nem sempre é a melhor. E por fim os solos”, destaca Inês Veiga. É sabido, diz a farmacêutica, que os solos na Europa são pobres em selénio, tanto que “a Finlândia, por exemplo, implementou, nos anos 1980, legislação para a agricultura que obriga à utilização de fertilizantes enriquecidos com selénio e também rações para animais enriquecidas”.
Por saber disto, Catarina Galinha, hoje médica, antes investigadora, levou a cabo, há dez anos, uma investigação, que foi a sua tese de doutoramento, sobre o teor de selénio nos solos agrícolas de algumas regiões de Portugal, e também no trigo. “O que resultou deste levantamento foram teores de selénio em solo e em trigo bastante baixos. E importa explicar que os teores de selénio das culturas agrícolas são diretamente influenciados pelo teor de selénio dos respetivos solos agrícolas.” Ou seja, se o solo for deficiente em selénio, e se nada for adicionado, os produtos agrícolas produzidos serão também eles deficientes em selénio. E o cenário, fruto de séculos de agricultura intensiva, não promete melhorar. As consequências na saúde podem ser variadas, mas “de um modo geral, a deficiência em selénio afeta o nosso sistema imunitário, ficamos por isso mais predispostos a doenças”.
Olhando à alimentação, segundo a médica, sabe-se pouco sobre o aporte diário de selénio na nossa população, mas o último estudo em Portugal, que remonta a 2009, “concluiu que a população urbana tem um aporte de 43 microgramas por dia e a população rural de 32 microgramas diários”. Em Portugal, note-se, a dose diária recomendada é de 55 microgramas, para que não haja deficiências nutricionais (um valor considerado demasiado conservador por alguns especialistas).
Suplementos: os riscos, os benefícios
Perante este cenário, a suplementação é o caminho? Sim e não. Há vários suplementos no mercado, nomeadamente com zinco, que também tem um papel importante no sistema imunitário, ou com magnésio, que ganhou lugar de destaque no mundo dos suplementos nos últimos anos. Mas há um ponto fundamental, os suplementos devem ser prescritos por um profissional de saúde (um médico, um nutricionista, um farmacêutico), até porque há riscos de toxicidade e o Google nunca é bom conselheiro. A este propósito, Maria Ana Kadosh, médica de medicina geral e familiar e doutorada em Nutrição, chama a atenção para o facto de “não haver evidência robusta sobre a utilização de suplementos de vitaminas ou minerais na prevenção de doenças, sejam cardiovasculares, seja cancro ou outras”. E prossegue: “Um estudo publicado na revista científica ‘JAMA’, em 2022, revelou isso mesmo. E concluiu até que há casos de vitaminas que, quando tomadas em excesso, podem ser prejudiciais à saúde”. Aqui, é preciso também ter em conta que os suplementos, ao contrário dos medicamentos, “que são obrigados a estudos de segurança e eficácia para serem comercializados, são considerados géneros alimentícios e não carecem desses estudos”.
Posto isto, antes de tudo é preciso procurar saber se temos, de facto, deficiências nutricionais. E sendo identificado um défice de selénio, há que tomar medidas, até porque este mineral está associado à prevenção de algumas doenças, nomeadamente da tiroide. “E há já estudos a procurar associar o impacto do selénio na remissão da doença de Alzheimer. É verdade que tem inúmeras funções. Mas primeiro, devemos procurar otimizar a alimentação. Mesmo não tendo a certeza sobre qual é a biodisponibilidade de selénio nos alimentos”, refere Maria Ana Kadosh. Só se não der resultados é que se recorre à suplementação. “Claro que há casos em que o défice só se resolve com suplementos, mas o ideal é haver sempre uma avaliação por um nutricionista”, realça Kadosh. Segundo Andreia Revez, nutricionista funcional, há grupos como as grávidas, mães a amamentar ou doentes celíacos em que a suplementação é uma decisão óbvia.
No resto, a nutricionista é mais incisiva. “Todos os estudos mostram que na nossa dieta não ingerimos quantidades suficientes de selénio. Tem a ver com os solos – a castanha do Brasil, dependendo de onde for plantada, pode ter muito ou pouco selénio – e com outros fatores, nomeadamente com o facto de hoje consumirmos maioritariamente cereais refinados.” Para Andreia Revez, a dose diária recomendada “para conseguir valores ótimos no sangue” deveria ser de 100 microgramas. Porém, e apesar das ressalvas sobre as atuais deficiências de selénio nos alimentos, também defende que a adequação da alimentação é o primeiro passo. A suplementação, o último recurso. “Sempre recomendada por um profissional de saúde. Porque há vários tipos de suplementos, há qualidade e qualidade, é preciso saber que o selénio orgânico é o que tem maior biodisponibilidade.” Voltamos, pois, aos riscos. “Aquela ideia de que os suplementos não fazem mal está errada. Embora o selénio seja relativamente seguro nesta matéria – para atingir níveis de toxicidade é preciso consumir mais de 400 microgramas por dia e ninguém faz suplementação em dosagens tão altas -, há que ter cuidados.”
Maria João Campos, nutricionista e farmacêutica, membro da Associação Portuguesa de Nutrição, subscreve. Está a estudar os hábitos de consumo e prescrição na área dos suplementos alimentares. “O que me assustou mais é a quantidade de pessoas que tomam suplementos sem aconselhamento. É como se estivessem a comprar um alimento, não percebendo que um suplemento é uma fonte concentrada de nutrientes e que é preciso cautelas.” Feito o alerta, a nutricionista reconhece que “o selénio tem uma influência muito grande no sistema imunitário”. Contudo, lembra que os nutrientes e vitaminas funcionam todos como uma orquestra no organismo, não há milagres isolados. “O cálcio, o magnésio, o zinco, o ferro, a vitamina C, D, as vitaminas do complexo B, todos são importantes, e quase todos influem no sistema imunitário.”