Lampreia, ou se ama ou se odeia

A lampreia é uma especialidade do norte, que nasce nos rios da região

O sabor é mais acentuado do que outros peixes e a textura é peculiar. À bordalesa ou com arroz são pratos tradicionais. Mas não para todos.

O aspeto pode incomodar os mais sensíveis. Tem uma boca que é uma ventosa circular, uma língua repleta de dentes de queratina para penetrar na pele das presas, um olho translúcido no topo da cabeça, apenas uma narina. Tem um corpo alongado sem escamas, liso, cinzento-esverdeado ou castanho, sem barbatanas peitorais, com glândulas mucosas. Lampreia, uma das espécies de peixes ciclóstomos, que nasce em água doce, é iguaria dada a debates até às entranhas. Ou se gosta. Ou se odeia.

O chef vimaranense António Loureiro percebe a discussão. “Grande parte da culpa está na fisionomia do animal, no seu aspeto enquanto vivo”, repara. É uma imagem que não se apaga facilmente da cabeça. Há outros elementos que se juntam à conversa. “Não é um peixe que tenha um sabor mais neutro e equilibrado, tem um sabor mais acentuado, e a própria textura ajuda a que isso aconteça.” Ou seja, que cause alguma apreensão na hora de comer lampreia.

No seu restaurante A Cozinha, no centro de Guimarães, António Loureiro costuma ter lampreia na carta. Este ano, como há escassez, aguarda por voltar a ter o peixe na cozinha. Um inverno chuvoso, as águas turvas e os rios mais altos ajudam a explicar a dificuldade da apanha e a pouca oferta. Esperam-se melhores dias. “A lampreia tem de ser fresca, não há outra forma. Não pode ser congelada, não é animal que se preste a essa maneira de conservação”, avisa o chef. Outra coisa, acrescenta, é peixe que tem de cozinhar lentamente, dada a sua elasticidade, pode encolher demasiado.

Quem está habituado a lidar com lampreia, sabe como a limpar e como a abrir. Água quase a ferver num recipiente, mergulho ainda viva, retira-se e rapa-se a pele com uma faca para tirar o lodo sem nenhum golpe, até ficar completamente limpa, como quem diz, passa-se a mão e não escorrega. Limpa-se a boca, tiram-se os dentes com uma faca de ponta, passa-se o peixe por água fria. Golpe no ventre, retiram-se as tripas, lava-se o peixe. Depois, é cozinhar a gosto.

António Loureiro prefere pratos mais tradicionais, lampreia à bordalesa, arroz de lampreia. Já a fez grelhada, no forno, como empadas, já a serviu fria. Volta sempre ao mais convencional. À bordalesa, indica, com vinho, refogado bem forte, lampreia já temperada em vinha d’alhos, cozinhar lentamente no fogão.

É uma especialidade do norte, que nasce nos rios da região. Neste momento, está aberta a época da lampreia, conta-se que haverá até ao fim de março, com sorte, até início de abril. A iguaria é rainha e senhora de momentos gastronómicos em vários concelhos do norte. Ermesinde, por exemplo, tem 19 restaurantes no evento “Lampreia & Companhia”, que promove a lampreia do rio Cávado até 3 de março. De 15 a 17 de março, Valença coloca à mesa a lampreia do rio Minho no festival gastronómico “Sabores da Lampreia”.

O chef d’A Cozinha está do lado dos que gostam de lampreia. “Não é consensual, mas tenho convertido muita gente”, assegura.