Valter Hugo Mãe

Aniversário da dona Antónia


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Os aniversários da minha mãe são os feriados oficiais do Estado que é a nossa família.

A minha mãe completou esta semana 82 anos de idade e isso parece impossível porque ela não deixou de ser uma catraia, com mimos e ternuras iguaizinhos aos seus próprios bisnetos. Não sei o que pensar desta maneira que as idades têm de se baralharem mesmo que tão distantes e tão distintas.

Eu costumava pensar que as pessoas envelheciam francamente e que, acima dos 80, estariam nesse tempo muito definido da velhice. Mas a idade é toda pessoalíssima e o que não falta são miúdos assim. Não é mais possível qualquer comparação entre uns e outros. Cada um matura seu exclusivo tempo e espírito. A sorte e o engenho conspiram a favor de um resultado sem paralelo.

Chegou um bando de pássaros para a árvore maior do nosso jardim, na ilusão de que este sol seja o anúncio da Primavera. Andou o Inverno confuso sem grande frio, sem grande chuva e sem vento, coisa que nas Caxinas jamais acontece. Que pare o vento é raridade ao nível da lotaria do Natal, e as pessoas aproveitam bem para caminharem a exibirem penteados. Assim, engalanados com nossas roupas mais poupadas para festas e fotografias, saímos também à rua a mostrar como somos gratos pelo sossego possível. Haja glória nisso de tão aparente simplicidade: o sossego que nos permite acalmar nos dias, focar numa ideia, persistir sem sobressalto.

As pessoas que fazem 82 anos de idade deviam receber um telefonema do presidente da República a parabenizar pela cidadania da memória, por serem património do tempo do país, testemunhas do que significamos profundamente. Era bom que houvesse um serviço público para alegrar e gratificar quem perdura depois de tanto trabalho e tanto imposto, tanta eleição e tanta promessa sem cumprimento. Seria lindo que o Governo enviasse um poema, um livro, uma canção da bela Ana Moura a dizer-nos para apostar na sorte e não no azar. Não sei se repararam, mas este Inverno esquisito é emanação pura das andorinhas da Ana Moura. Subitamente, tudo é perfeito para que a canção se ouça. Estou viciado na sua condição mestiça, festiva, rebelde, de dança subtil, muito interior, sem os pés no chão. O sorriso não pousa. Levanta sempre.

Os aniversários da minha mãe são os feriados oficiais do Estado que é a nossa família. A partir deles se distribui a vez dos outros e o modo como cada um completa essa coisa imprecisa mas sem sobras. A família pensa seu sentido nesta altura. E nesta altura celebra o fundamental: a gratidão. Que a minha mãe tenha conseguido, que ela tenha resistido por todos nós.

Parabéns, dona Antónia. És mais do que as montanhas e és mais do que o sol. Trazes o sentido de todas as coisas. A bênção e o sagrado, o riso e a esperança que todos soubemos aprender.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)