À vontade não é à vontadinha
Não se trata apenas de uma questão de decoro, mas de bom senso e de bom gosto. Já dizia Nelson Rodrigues que o pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
Massimo Coppola, presidente da câmara da cinematográfica vila de Sorrento situada na famosa costa amalfitana, bateu o pé ao informalismo, aprovando em julho uma portaria que proíbe as senhoras de se passearem de biquíni nas ruas, bem como os homens em tronco nu. Sorrento está no topo dos meus destinos turísticos de sonho. Já fui três vezes a Capri, uma das mais belas ilhas do Mediterrâneo que cheira a laranjas e as vistas são de cortar a respiração, mas falta-me ainda conhecer Ravello, Positano, Amalfi, Atrani, Pontoni e outras vilas e aldeias históricas da costa, que Gore Vidal disse ser o mais belo panorama do Mundo.
A Itália é o país mais chique da Europa, exportador exímio de mulheres que combinam beleza com sensualidade como nenhum outro. Basta pensar em Sofia Loren, Monica Vitti ou na sua homónima Bellucci. É o berço do Renascimento, a pátria de Leonardo da Vinci e de Miguel Ângelo, o paraíso dos artistas suportados por mecenas visionários que deu luz a proporções mágicas e ao Homem de Vitrúvio. Quem visita Itália não pode ficar indiferente ao inato e natural bom gosto dos italianos; até a montra de uma pastelaria se assemelha a uma obra de arte. Dão cartas na arquitetura e no design, são os reis no prêt-à-porter, rivalizando com os franceses na alta-costura. Se é verdade que nada bate um smoking de Yves Saint Laurent, também é certo que o vermelho Valentino é inconfundível e inimitável.
Quando vamos de férias para qualquer parte do Mundo, reconhecemos imediatamente um português pelas meias brancas e um italiano pelo corte das camisas e pelos óculos escuros. Têm muito estilo, não há volta a dar. Podem ser sedutores baratos, beijar com excessiva facilidade e revelar desde cedo traços de dependência emocional e outras pelas respetivas mãezinhas, mas a pinta ninguém lhes tira. Posto isto, a atitude de Massimo Coppola não me surpreendeu.
Enquanto alfacinha, não é com alegria que caminho pela cidade sem ouvir o meu idioma. O ruído das malas de rodinhas a trilhar as pedras da calçada comunica diretamente com o meu sistema nervoso, deixando-o em sobressalto. Sei que a cidade precisa do turismo, mas também sei que a febre por Lisboa expulsou os residentes de Alfama, inflacionou as rendas e obrigou ao exílio involuntário de milhares de alfacinhas. Quando fui a Florença pela primeira vez, há 30 anos, levei várias cotoveladas de transeuntes que se sentiam reféns da sua cidade, cada dia mais invadida por turistas. Como os entendo agora.
Nunca a exibição do corpo foi tão popular e tolerada no mundo ocidental. Graças às redes sociais e aos seus sofisticados filtros, a mais fraca figura pode agora exibir abdominais modelo tanque de lavar a roupa, cinturinha de vespa, pernas de Bugs Bunny e pestanas que parecem toldos. Nada contra cada um fazer o que lhe apetece com a sua imagem e de a usar para os fins a que se propõe, mas à vontade não é à vontadinha. Não se trata apenas de uma questão de decoro, mas de bom senso e de bom gosto. Já dizia Nelson Rodrigues que o pudor é a mais afrodisíaca das virtudes. O pudor inventou a roupa para que se tenha mais prazer com a nudez e a arte de levantar o véu é um dos grandes segredos da sedução.