Quanto pior o estado nutricional, mais rápida é a progressão da doença. O segredo é estar informado e ter acompanhamento logo desde o momento do diagnóstico para evitar a perda de peso, a desnutrição e a desidratação. E sim, há estratégias.
A premissa é simples: a alimentação tem impacto na progressão da doença de Alzheimer e nas demências no geral. Pelo menos é isso que a evidência científica tem mostrado e são poucos os doentes e familiares que estão despertos para o problema. “À medida que a doença avança, é muito frequente haver perda de peso, desnutrição e desidratação, e por isso a intervenção nutricional deveria começar precocemente”, avisa Diana Miranda, nutricionista, que vai orientar uma palestra sobre “Educação alimentar dirigida a pessoas com limitações cognitivas” na próxima sexta-feira, no 23º Congresso de Nutrição e Alimentação. Organizado pela Associação Portuguesa de Nutrição, o congresso decorre nos dias 16 e 17 de maio, em Lisboa, e vai reunir mais de 1600 nutricionistas em torno do tema “Nutrição: uma ciência para a inclusão”.
Na verdade, quando se fala de demência, os desafios alimentares e nutricionais adensam-se, e muito. “Habitualmente, quando pensamos em educação alimentar, pensamos em pessoas que estão na posse total das suas capacidades cognitivas, que vão conseguir entender-nos, responder às nossas perguntas e implementar as mudanças ou estratégias no seu dia a dia”, aponta Diana Miranda. Mas nem sempre assim é. A nutricionista tem vindo a trabalhar com pessoas com doenças neurológicas, sobretudo demências, no Campus Neurológico, em Torres Vedras. “Nestas doenças, que são progressivas, ao longo da evolução, vão aparecendo vários sintomas ou limitações que se traduzem em problemas alimentares. A alimentação pode estar comprometida por excesso ou carência.” No caso do excesso, pode acontecer os doentes esquecerem-se de que já fizeram a refeição e repetirem, ingerindo calorias e nutrientes a mais. Mas os casos de carência parecem ser bem mais comuns. E há uma explicação para isso. Nos estadios iniciais, pode haver dificuldade em executar tarefas como seguir uma receita em casa ou até em coordenar os movimentos (coisas tão simples como levar a colher à boca). Por esse motivo, o risco de não se ingerir a quantidade suficiente de alimentos e de água é alto. Mais tarde, em estadios mais avançados, “há doentes que podem não reconhecer os objetos e para que servem, por exemplo uma colher, para o que serve e como se utiliza, ou até deixar de reconhecer os alimentos, além de poderem começar a recusar a alimentação e a ter dificuldade para mastigar e engolir”.
O resto é uma bola de neve que se traduz em perda de peso, desnutrição, desidratação, um fenómeno comum mas de que pouco se fala. “E que é preocupante. A ciência tem-nos dito que a perda de peso neste tipo de doenças é um indicador de mau prognóstico. Se a pessoa não estiver bem alimentada, poderá ter uma série de outros problemas, como a perda de massa muscular, que irá afetar a mobilidade e aumentar a dependência”, explica Diana Miranda. Quer isto dizer que o estado nutricional do doente e a evolução da doença estão intimamente ligados. “Quanto pior o estado nutricional, mais rápida é a progressão da doença. Ao mesmo tempo, a progressão da doença pode agravar o estado nutricional. É um círculo vicioso que é difícil quebrar.”
Como evitar a perda de peso
É difícil, é certo, mas não é impossível. “Num mundo ideal, a intervenção de um nutricionista deveria começar logo após o diagnóstico. Com uma avaliação inicial e com educação alimentar adaptada às capacidades cognitivas”, diz Diana Miranda. Até porque o acompanhamento precoce permite alertar para os problemas que podem vir a surgir, falar antecipadamente do assunto. “Há aqui um papel importantíssimo do cuidador, que pode estar atento a sinais de alerta como diminuição do apetite ou recusa alimentar. As mudanças na demência podem acontecer de forma tão progressiva e gradual que, muitas vezes, o doente ou o cuidador não se apercebem ou não valorizam. De repente, estas alterações passam a ser a norma em vez da exceção.”
Daí que seja tão importante que o doente e a família estejam alerta para os sinais e para a possível perda de peso logo desde o início, “de modo a que não se deixe arrastar um problema potencialmente reversível”. E sim, há estratégias que podem ser usadas. “Às vezes, são coisas muito simples. Por exemplo, os doentes que deixam constantemente a carne no prato podem ter dificuldade em mastigá-la e isso pode passar despercebido aos familiares. A solução pode passar apenas por triturar a carne”, exemplifica. Ainda assim, quando surgem alterações no padrão habitual, nomeadamente no apetite, recusa para comer, tosse ou engasgamentos, o primeiro passo é reportar ao médico que o está a acompanhar. “É dizer ao médico que o doente se tem engasgado, ou que não quer comer ou tomar a medicação. Estas situações devem ser partilhadas, não devem ficar só com o cuidador. E o médico, perante o que é reportado, poderá fazer o encaminhamento para o profissional de saúde mais adequado. Há sempre intervenções que podem ser feitas.” Sendo certo que a intervenção não se limita à área da nutrição, carece de uma equipa multidisciplinar, como o terapeuta da fala para ajudar com a questão do mastigar e engolir, ou o terapeuta ocupacional “para sugerir utensílios, como talheres, ou material de apoio à independência na refeição”.
“É preciso que doentes e cuidadores saibam que não há dúvidas parvas. Muito provavelmente é a primeira vez que estão a contactar com esta doença e não sabem nem têm de saber tudo o que ela implica”, sublinha Diana Miranda, que conclui: “Se, ao longo da evolução da doença, conseguirmos prevenir a degradação do estado nutricional, conseguimos garantir mais anos com qualidade de vida.”