Ambição silenciosa. A carreira já não é o que era

Prós e contras analisados, há quem não veja grandes vantagens em subir de posto

Subir a escada hierárquica não é uma prioridade para quem recusa cargos de chefia ou chegar ao topo do topo. O estatuto profissional e o prestígio social são encarados de outra forma, sobretudo pelas gerações mais jovens.

O termo surgiu nos Estados Unidos. “Quiet ambition”, ambição silenciosa em português, é usado para mostrar ao Mundo que há profissionais que rejeitam cargos de liderança e que a escalada hierárquica não é um objetivo de vida. O que era consensual há uns anos, deixou de o ser, sobretudo pela perspetiva das gerações mais novas, abaixo dos 30 anos de idade. Há motivos e explicações para esta tendência que obrigará, mais tarde ou mais cedo, as empresas a olhar para dentro e a repensar os seus modelos. Ambição, sucesso, prestígio e estatuto perderam o peso de antigamente? Ou os significados mudaram?

Tânia Gaspar, psicóloga clínica, coordenadora do Laboratório de Ambientes de Trabalho Saudáveis, recorda questionários feitos a quem trabalha e que analisam perceções sobre clima das empresas, relação com lideranças, recursos psicossociais e atenção dada à saúde mental por parte das organizações. Um dos aspetos que salta à vista é que há jovens que não colocam o trabalho no topo do topo do que mais valorizam e que não vestem tanto a camisola do emprego como os mais velhos. “Verifica-se que a geração mais nova tem uma atitude diferente em relação ao trabalho, não quer dizer que não o façam bem, não é isso. O que acontece é que o papel do trabalho não é tão fundamental nas suas vidas como nas gerações anteriores”, observa. Atitudes que se manifestam no querer ou não subir na carreira.

O bem-estar na profissão está acima de outros aspetos. E menos tempo no trabalho, mais tempo livre. “Os jovens gostam muito do seu tempo de lazer, dos seus hobbies, das suas atividades, das suas relações.” Há 17 anos, quando se questionavam alunos universitários e em formação profissional, com idades entre os 18 e os 25 anos, quanto às suas expetativas de vida, e agora se fazem as mesmas perguntas, as respostas mudam. Enquanto há 17 anos, o trabalho, a família e ter filhos eram valorizados, agora o foco incide sobretudo no sentir-se bem não só no trabalho, mas em outras situações do quotidiano. “Centram-se mais no aqui e agora, um autocentrismo maior, que não é egoísmo, é diferente. O trabalho tem a função que tem e não se sobrepõe ao bem-estar”, nota Tânia Gaspar.

A perspetiva das gerações mais novas mudou. “É mais se a empresa encaixa com eles do que se eles encaixam na empresa.” A saúde mental e a segurança psicossocial são dois fatores destacados quando se fala em trabalho, o que não acontecia no passado. “Poderem ser quem são, mostrarem as suas fragilidades e as suas forças, ou então saem de onde estão.”

“Quiet ambition” não é um termo cientificamente validado. Em todo o caso, destapa uma realidade que revela mudanças. O que é que o termo norte-americano mostra? “Uma falha no contrato social das organizações, uma certa desconfiança nas empresas, e uma necessidade de que as pessoas percebam e reequacionem o peso que o trabalho tem nas suas vidas”, adianta Liliana Dias, psicóloga da área do Trabalho, membro do Conselho de Especialidade de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos.

“Há pessoas que não querem evoluir para uma carreira vertical.” Ponto final. Há profissionais que não estão interessados em trilhar o caminho supostamente previsível, ou seja, de ir subindo na carreira. Há gente competente e eficiente que procura outras coisas como, por exemplo, refere Liliana Dias, “experiências e um conteúdo rico de trabalho”.

O que é ter ambição, afinal? O que isso implica e o qual o impacto no dia a dia? Semanas mais stressantes, menos autonomia, trabalho constante sob pressão, dificuldade em conciliar a vida pessoal com família e hobbies, menos tempo para se fazer o que se gosta fora da empresa? São questões que importam. “O que é ter sucesso? Ter dinheiro é ter mais prestígio?”, questiona Tânia Gaspar. E o que é que compensa? Viver para o trabalho, sempre stressado, não conseguir dormir, não estar com a família? Ganhar mais, ter mais responsabilidade, um cargo respeitado, gerir pessoas, chegar onde sempre se sonhou? As perguntas de agora não são as dúvidas de outrora.

Gerir expetativas e saber negociar

O salário é outra questão. Por vezes, a subida na hierarquia não bate certo com o salto no ordenado. “Quase não há evolução salarial, isso acontece nas chefias intermédias, sofre-se pressão emocional e não há qualquer ganho financeiro relevante para uma vivência profissional mais desgastante, com maior responsabilidade e menos autonomia”, repara a psicóloga Liliana Dias.

Prós e contras analisados, há quem não veja grandes vantagens em subir de posto. “As condições de trabalho não são necessariamente melhores, se calhar não faz sentido, e não se dá importância ao estatuto de ser chefe”, acrescenta. Ponderar tudo isso, é um processo difícil. Quem declina um convite para ser chefe pode ser olhado de lado numa empresa, quando não é necessariamente uma questão de não ter ambição e não pensar no sucesso. A prioridade para uns, não é a prioridade para outros.

Tânia Gaspar avisa que os exemplos à volta não passam despercebidos. “Os jovens têm pais que trabalham muito, é a geração dos 50 anos, e que estão mais focados na carreira, na questão económica. Veem os pais cansados e com pouca disponibilidade e, mesmo com tanto trabalho, por vezes, têm problemas de dinheiro, e não querem isso para as suas vidas”, sustenta a psicóloga clínica. Como uma reação ao que faz e não faz sentido. Liberdade e autonomia podem gerar ansiedade e stress, subir na carreira já não tem a importância que tinha no passado, o que ontem era um percurso linear e normativo numa empresa, de subir degrau a degrau até uma situação confortável, é substituído hoje por novos estímulos e experiências. E o desenvolvimento de competências socioemocionais, de autorregulação, de gestão de conflitos, passa para a primeira linha, é fundamental.

Quanto ao ambiente empresarial, já se sabe como é. “Um contexto muito ancorado numa competência excessiva, com poucos recursos, e quem sobrevive é o mais forte”, salienta Liliana Dias.

As empresas têm motivos para preocupações. Um estudo realizado nos Estados Unidos revela que apenas 4% dos trabalhadores colocam a promoção ao mais alto cargo como objetivo de carreira, 91% apontam o stress e a pressão de trabalhar mais horas como razões para não querer subir hierarquicamente, 67% destacam o tempo para estar com a família e amigos, 64% valorizam a saúde física e mental. “Os valores estão diferentes e os empresários têm de perceber isso, vão ter de se preocupar com o bem-estar dos trabalhadores, ou então deixam de ter profissionais”, diz Tânia Gaspar. Liliana Dias concorda. “As organizações que querem crescer têm de repensar o próprio modelo com que gerem as pessoas, não pode ser o mo´delo verticalizado.” É necessário pensar em redes colaborativas porque as empresas já não são fábricas.

Para Liliana Dias, não é apenas uma questão geracional. A geração Z verbaliza mais o que sente, é certo, sai de empresas sem grandes problemas. Mas os mais velhos também têm as suas questões. “As gerações mais velhas reformam-se mais cedo, não querem manter-se nos seus lugares e não há flexibilidade para redesenhar o seu papel nas organizações.” Ou seja, o que querem e o que valorizam, a própria definição de sucesso que não é trabalhar para uma promoção, a vontade de continuar a aprender. Não perceber tudo isso, não saber gerir expectativas, não ter capacidade para negociar, pode ser complicado.

“Se não existe alinhamento, não há entendimento”, alerta Liliana Dias. Se não há vinculação, outras possibilidades se abrem, novas oportunidades surgem. “É preciso perceber que as organizações são as pessoas e a sua capacidade de criar valor.” É precisamente por aqui que tudo começa.