Dez dicas para lidar com as birras dos pequenos

A “Notícias Magazine” deixa-lhe várias dicas que (esperamos) podem ajudar a evitar males maiores

Um pequeno "guia", gizado com a ajuda de um neuropsicólogo especialista na infância, para sobreviver a esta fase sem enlouquecer.

Quem tem filhos pequenos, sabe o quão desesperante pode ser a chamada “fase das birras”. Em segundos, os catraios desatam num choro compulsivo, atiram-se para o chão, gritam, parecem inconsoláveis, por vezes o episódio prolonga-se durante minutos intermináveis. O motivo? Muitas vezes um simples não, seja a um brinquedo, a um gelado, o leque de opções pode, na verdade, ser gigantesco. Enquanto isso, os pais desesperam, se a birra acontecer num local público ainda mais, os olhares alheios ajudam a acrescentar pressão e o resultado é, muitas vezes, um novelo de tensão difícil de desfazer. O que nos leva à questão: perante este cenário, o que fazer? Com base em vários pontos-chave enunciados por Paulo Dias, neuropsicólogo especialista na infância e adolescência que trabalha nas Clínicas Dr. Alberto Lopes, a “Notícias Magazine” deixa-lhe várias dicas que (esperamos) podem ajudar a evitar males maiores.

  1. Perceber o porquê
    Ainda é relativamente comum ouvir pais que, perante um cenário destes, reagem com indignação, desprezo ou impaciência (ou uma mistura). “Lá estás tu a fazer fitas”, “deixa de ser mau” ou “vais parar com isso?” são exemplos de tiradas que podem sair no calor do momento, mas que não só não resolvem nada como na verdade tendem a piorar a situação. “Antes de mais é preciso compreender que as crianças expressam muito aquilo que não conseguem verbalizar através das suas reações. As birras que vão acontecendo, seja por fome, por cansaço, porque ouviram um não, são nada menos do que uma forma de expressar as suas emoções, a frustração, a tristeza, a raiva”, justifica Paulo Dias. E reagir com críticas ou irascibilidade pode, no limite, exponenciar essas emoções negativas.
  2. Saber o que esperar
    Além de perceber a explicação para a ocorrência das birras nas crianças, ajuda saber o que esperar em termos de horizonte temporal. Ou seja: se acha que assim que passarem os “terríveis dois”, este é um problema ultrapassado, desengane-se. O neuropsicólogo reconhece que “geralmente, o pico ocorre entre os três e os quatro anos”, mas lembra que “são normais durante toda a infância” e que, no limite, podem estender-se até aos dez, doze anos de idade. Mas claro, o normal é que “a persistência vá diminuindo” (ver ponto 10).
  3. Trabalhar a gestão emocional (dos pais, sobretudo)
    Em teoria, não poderia ser mais simples: perante uma grande birra, é fundamental reagir com uma boa dose de paciência. “É importante que os pais consigam ter o controlo da situação”, lembra Paulo Dias. E de si próprios. Na prática, sabê-lo-ão todos os pais, o desafio pode ser bem mais complexo. Tanto mais quanto, muitas vezes, chegamos a casa saturados com a pressão do trabalho. O que, sem surpresa, vai diminuir a nossa tolerância. Acresce que os filhos podem exacerbar nos pais certos traumas do passado, nomeadamente derivados da relação com os progenitores. E isso com certeza não vai ajudar a uma boa gestão emocional. Neste casos, a psicoterapia (para os pais) pode ser uma ajuda preciosa.
  4. Equilíbrio é a chave
    A sabedoria popular raramente nos deixa ficar mal: no meio é que está a virtude. “Pais muito autoritários podem gerar ainda mais birras. Pais muito flexíveis também.” É que se a velha política do “fazes assim porque eu quero” pode deixar marcas para a vida, nomeadamente a dificuldade em gerir emoções e a falta de autoestima, a não definição de limites pode, na verdade, ter exatamente o mesmo resultado. “Se uma criança não aprende a aceitar o não como parte da vida dela, tudo vai servir para obter o sim. Então eu minto para ter as coisas que quero, eu grito para ter as coisas que quero, no limite eu agrido para ter coisas que quero. O desafio é não sermos pais demasiado autoritários nem demasiado permissivos. É sermos pais com autoridade.”
  5. A importância da consistência
    Paulo Dias dá um exemplo prático. Imagine-se uma criança que sempre que vai ao supermercado com os pais pede um brinquedo novo. Estes até começam por lhe dizer que não, mas esta faz uma grande birra e, em função disso, os progenitores acedem ao pedido. Um erro crasso. “Se perante uma birra um não passa a ser sim, a criança, em futuras situações, vai acabar por repetir o mesmo comportamento para a obtenção de uma recompensa positiva.” Mas não, não é verdade que o faça por ser “manipuladora”, como tantas vezes se ouve. “São processos inconscientes”, vinca o especialista, que deixa uma ressalva. “Uma exceção não faz a regra. Importante é que haja consistência.”
  6. O pico da crise é mau conselheiro
    Será, com certeza, com a melhor das intenções, mas saiba que tentar explicar a uma criança que está a meio de uma birra o porquê de ter dito não (ou de ter tomado uma dada atitude) é um esforço totalmente inglório. “Ensinar a lidar com as emoções deve ser algo preventivo. Em altura de crise não se ensina nada. É uma batalha perdida. Temos de deixar a criança acalmar-se e depois sim, tentar conversar com ela de forma a que possa interiorizar o que está a ser dito.”
  7. Deixar chorar e acolher
    E então, no auge da birra, o que podemos fazer? Muitas vezes, tudo o que a criança precisa é, na verdade, que a deixemos chorar. E que validemos os seus sentimentos. Paulo Dias dá um exemplo de uma intervenção que pode ser benéfica: “Dizer algo como: ‘Eu sei que querias mesmo muito este brinquedo, é normal estares chateado, mas não pode mesmo ser.’ Quando validamos os sentimentos, estamos a aumentar a conexão com a criança e isso, com o tempo, também vai ajudá-la a gerir melhor as suas emoções.” Sem abdicar de impor limites, claro está.
  8. “Olha, e aquele dinossauro?”
    Uma outra estratégia possível, por muito “infantil” que possa parecer, é simplesmente desviar a atenção da criança. “Isso vai permitir-nos uma quebra de padrão, fazendo com o que o foco do problema naquele momento seja dessensibilizado e reduzindo os níveis de ansiedade.” E sim, vale recorrer às coisas mais absurdas. Pode parecer simples, mas não é. Exige perspicácia e criatividade. E como saber quando deixar chorar ou apostar numa manobra de distração? Dependerá sempre. “Mas o contexto é relevante. Regra geral, será sempre mais fácil acolher o choro da criança em casa do que no meio de um shopping, até pelo stress que se cria nos próprios pais.”
  9. Trabalho de equipa, sempre
    Outro ponto fundamental para sobreviver às birras da infância é que os dois pais estejam na mesma página. “A parentalidade nos dias de hoje deve resultar sempre de um trabalho de equipa. Mesmo no caso de pais divorciados, tem de haver uma dada consistência. Se a criança vai ter com o pai pede e ele não dá, e depois vai pedir à a mãe e esta dá, ou vice-versa, isso vai prejudicar um desenvolvimento saudável.”
  10. Estar atento a sinais de alerta
    Mas então as birras são sempre normais? Não. Paulo Dias ajuda a perceber quais são os sinais que nos devem fazer procurar ajuda. “A situação pode tornar-se preocupante quando a partir dos dez anos continua a haver birras muito persistentes. É aqui que começamos a olhar para esse tipo de situações mais como um problema comportamental do que para uma forma de expressar as suas emoções. Também devemos estar atentos à intensidade das mesmas [é suposto que vá diminuindo com a idade] e às crianças que fazem birras em que por sistema se magoam a elas próprias ou aos outros.”