Jorge Manuel Lopes

O amor é uma pandemia

Escolhas de televisão, por Jorge Manuel Lopes.

Quem atravessou a adolescência e o começo da idade adulta nas décadas de 1980 e 1990 não teve forma de escapar à sombra projetada pela sida. Uma pandemia que condicionou a expressão dos afetos, dos mais inocentes aos mais carnais. Histórias de um horror sem solução que, quando não eram vividas em casa ou nos círculos de amigos e conhecidos, chegavam em notícias cheias de pontos de interrogação e salpicadas por imagens que mostravam o rápido declínio físico causado pela doença entre gente conhecida e anónima.

Durante quase todo esse tempo, graças a um caldo de ignorância, precipitação, medo e preconceito, pairou o mito de que a sida era uma doença de homossexuais, negros, drogados; um castigo enviado para quem não se nega ao prazer, ao hedonismo, ao descomprometimento. Chamava-se-lhe o cancro dos gays.

É destas ações e sentimentos contraditórios que também se faz “It’s a sin”, série britânica criada pelo argumentista e produtor Russell T Davies, visível na plataforma de streaming HBO. Os cinco episódios decorrem nos anos de brasa do flagelo, entre 1981 e 91, e mostram a forma como a crise e a tragédia são vividas por cinco amigos que trocaram a terra natal por um apartamento em Londres. Há quem tenha escapado a famílias preconceituosas. Há quem siga o caminho clássico de deixar a terrinha para perseguir os sonhos na grande cidade. Há quem fuja de casa sem coragem de sair do armário perante os pais. Dança-se, beija-se, copula-se, desvalorizando as nuvens negras até não ser possível ignorá-las; em vários casos, tarde de mais.

No papel principal está Olly Alexander, até agora conhecido como vocalista da banda pop Years & Years. A pretexto da série, Alexander registou a sua interpretação, mais intimista, de “It’s a sin”, o êxito de 1987 dos Pet Shop Boys que, é bom de ver, forneceu o título a esta produção, além de ser um concentrado dos sentimentos que percorrem as personagens centrais desta narrativa. Neil Patrick Harris (“Foi assim que aconteceu”) também passa por aqui.