Fisioterapia respiratória. Aprender a respirar e voltar a viver

O InspirO2 foi uma tábua de salvação para Helena Gonçalves, que sofre com as sequelas da covid-19 (Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

A fisioterapia respiratória muda a vida de quem sofre com sequelas de covid e de tantos doentes crónicos. Mas a resposta do SNS ainda é muito deficitária. Um projeto online tem sido a tábua de salvação para muitos.

No calendário, era novembro de 2020. Numa semana, Helena Gonçalves viu o pai ser infetado e morrer de covid-19. E ela, 53 anos, também acabou a ser apanhada pelo vírus. Febre, tosse, dificuldade em respirar, passou mal. Foram semanas de inferno até testar negativo na semana do Natal. Nas contas, entrou como recuperada, só que o pesadelo estava longe de acabar.

“Tenho aquilo que se designa por covid longo, continuei a ter todas as maleitas: cansaço extremo, dificuldade respiratória. Sentia os pulmões cheios de expetoração. Tinha que me concentrar para inspirar e expirar, como se não fosse algo natural.” É executive coach no Porto, e às 16 horas o corpo desligava a ficha. Adormecia em qualquer lado.

No Serviço Nacional de Saúde (SNS), as listas de espera para fisioterapia respiratória não tinham fim à vista. Às queixas, os médicos encolhiam os ombros. Já estávamos em maio quando Helena Gonçalves descobriu a InspirO2, um projeto nascido por força da pandemia, com fisioterapia respiratória online e gratuita. Uma tábua de salvação.

Duas vezes por semana, ao fim da tarde, está em casa frente ao computador. “As sessões são online, permite-me estar no Porto e a trabalhar com fisioterapeutas de Setúbal. O cuidado com que delineiam exercícios para mim, a forma como sou motivada, fez muita diferença.” Desde ginástica a exercícios para expandir os pulmões. “Já não me lembrava de respirar assim. É inacreditável. Só o facto de ter mais energia, de já ser capaz de pegar num saco de compras, de caminhar cinco quilómetros, não há nada que pague isto. Mudou a minha vida.”

Helena Gonçalves faz desde maio fisioterapia respiratória online para tratar as sequelas da covid. Voltou a sentir energia para viver
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

É uma hora por sessão, “bem puxada e transpirada”, sempre com um familiar por perto, requisito obrigatório. Para quem em maio levantar um peso era um esforço olímpico, a fisioterapia foi “voltar a ter energia para viver”. O fôlego ainda fica aflito e as tonturas ainda dão de si, não está recuperada, para lá caminha. “Este projeto ajuda dezenas de pessoas abandonadas pelo SNS. Vou manter-me enquanto puder.”

InspirO2: fisioterapia online

A InspirO2 surgiu em fevereiro pelas mãos do especialista em Medicina Interna Miguel Toscano Rico, do Hospital de Santa Marta, Lisboa. “Percebi que os doentes internados que sobreviviam à covid saíam um bocado maltratados do hospital e sem possibilidade de fazer reabilitação em ambulatório, porque as clínicas estavam fechadas e a capacidade do SNS nesta matéria é muito limitada”, diz o médico. E não eram só os doentes graves a precisarem de fisioterapia respiratória, muitos com formas ligeiras da doença estavam a sentir sequelas. Ao mesmo tempo, os alunos das escolas superiores de saúde ficaram sem aulas práticas. Juntou o útil ao agradável.

“O papel dos fisioterapeutas para a recuperação dos doentes é imprescindível. No final do dia, não interessa tanto ao doente se as análises estão boas, mas, sim, se consegue subir as escadas de casa”, comenta Miguel Toscano Rico, que juntou 11 das 19 escolas de fisioterapia do país num projeto em que os alunos a partir do 3.º ano trabalham, ainda que pelo ecrã, com doentes. Sempre supervisionados por professores. “É gratuito para o doente, eficaz e é do interesse de todos”, salienta. Não havia experiência em telerreabilitação em Portugal, mas a pandemia ensinou-nos que é possível fazer muita coisa à distância. As escolas foram beber da experiência do Brasil, que tinha um projeto semelhante desde março de 2020, e delinearam um programa de intervenção.

As sessões online juntam grupos de quatro doentes. Basta inscrever-se em www.inspiro.pt. Segundo Toscano Rico, 60 a 70% dos doentes covid que estiverem internados, ao fim de três meses, ainda estão sintomáticos. E à volta de 20% dos doentes mantêm os sintomas por largas semanas. “Sentem fadiga, perceção de falta de ar, dor torácica, até falar pode ser difícil. E com a fisioterapia conseguimos melhorar a mecânica respiratória, ensinar a respirar de forma mais eficaz, fortalecer os músculos. Isto traz ganhos evidentes de saúde, autonomia e resistência.”

Para lá da covid

O termo fisioterapia respiratória pode soar estranho. “As pessoas associam muito a fisioterapia a problemas musculares”, reconhece Cristina Jácome, da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas. Mas a covid veio ajudar a conhecer a reabilitação respiratória, que é útil também noutras patologias, como a doença pulmonar obstrutiva crónica, asma grave, fibrose quística ou fibrose pulmonar. Isto no caso de doenças crónicas, mas pode ajudar ainda na recuperação de pneumonias.

“Não trabalhamos só os pulmões e o sistema respiratório. Além de exercícios respiratórios e de técnicas de limpeza brônquica, manuais ou com máquinas, treinamos posições corporais para aliviar a falta de ar, as atividades diárias ensinando a fazer pausas.” Mas a grande arma é o exercício físico. “Tornar o corpo mais competente para as trocas gasosas. Não consigo mudar a patologia, mas posso mudar a forma como o corpo lida com ela. Se fortalecer os músculos dos braços e pernas, vamos criar mais capacidade de usar o sangue disponível nos membros e de ir buscar oxigénio ao sangue. Isso transforma-se em menos cansaço, tosse”, explica Cristina Jácome.

Os programas de reabilitação levam oito a 12 semanas. O ideal seria ter acesso a esta intervenção uma vez por ano. “Depois, o paciente leva os ensinamentos para o seu contexto habitual.” Mas, grosso modo, os doentes crónicos só são encaminhados para reabilitação em casos agudos. “O SNS espera que as pessoas agravem para cuidar delas. E devia de ser o inverso.”

À espera de um novo pulmão

É a história de Julie Colucci. Tinha 18 meses de vida quando, em França, onde nasceu, a mãe desbravou caminho para lhe descobrir o diagnóstico: fibrose quística. Naquela altura, no final dos anos 1980, a esperança de vida eram os dez anos de idade. Agora, estima-se nos 40, 50 anos. Julie cresceu sem que a doença lhe roubasse a vida, é técnica de turismo no teleférico de Gaia. Mas tem vindo a piorar, está de baixa, em lista de espera para transplante pulmonar desde abril, depois de uma infeção a ter atirado para uma cama do Hospital de São João, Porto. “As bactérias quiseram fazer uma festa nos pulmões”, ironiza. Aos 33 anos, vive agarrada a um trólei de oxigénio 24 horas por dia. “Não sou dependente de ninguém, mas canso-me facilmente, tenho ataques de tosse.”

Julie Colucci sofre de fibrose quística e vive agarrada a um trólei de oxigénio enquanto espera por um transplante pulmonar. A fisioterapia tem-na ajudado a nível respiratório e muscular
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

O hospital enviou-a para o Centro de Reabilitação do Norte, em Gaia, e agora tem fisioterapia respiratória três vezes por semana. Antes, fazia as técnicas sozinha em casa. “Tenho secreções muito espessas que causam infeções, pneumonias, internamentos constantes. As vantagens da fisioterapia são imensas, é uma parte fundamental do meu dia. A nível respiratório, fico mais limpa. Na parte muscular, faço bicicleta, exercícios de força e postura.” Já consegue caminhar durante meia hora. “E a nível emocional ajuda muito, os fisioterapeutas acabam por nos motivar.”

Em Portugal, menos de 2% dos doentes elegíveis, ou seja, portadores de patologia respiratória crónica, têm acesso a um programa de reabilitação. Segundo Cristina Jácome, o SNS só tem 1075 fisioterapeutas (906 em hospitais e 169 nos cuidados de saúde primários) num total de 14 mil profissionais no país. “Estamos na cauda da Europa. Temos o pior indicador. E estes fisioterapeutas não estão dedicados só a doenças respiratórias. Somos contratados como generalistas.” A Ordem dos Fisioterapeutas está prestes a nascer também para lutar pela contratação de especialistas.