A diferença entre homens e mulheres na hora de fazer compras

Soraia Peixoto acha que meia hora nas compras é suficiente. João Castelão, o namorado, prefere despender mais tempo nessa atividade. Foto:Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

O que une e separa mulheres e homens na hora de comprar? Alguns estudos nacionais e internacionais têm analisado a forma como eles e elas consomem. Mas será que os géneros são assim tão diferentes?

É um clássico dos centros comerciais espalhados pelo país: as mulheres perdem-se nas lojas enquanto os homens se sentam à espera lá fora. Identifica-se com esta imagem? Sem querer abusar das generalizações, uma coisa é certa: o tema das compras faz parte do quotidiano dos casais.

Mas serão mesmo as mulheres mais apaixonadas por compras do que os homens? E será que todos eles se identificam com a falta de paciência para o consumo? A história de amor de Maria Bravo, 27 anos, e Bernardo Nobre da Veiga, 33, começou precisamente com uma compra. Maria queria adquirir um carro e Bernardo era o vendedor. Apaixonaram-se, namoraram dois anos e vivem juntos há sete meses.

Com horários de trabalhos distintos, é Maria que garante que não falta comida em casa, assegurando ela as idas ao supermercado, embora Bernardo tenha dado um passo à frente recentemente com compras online. “É o meu maior escape”, admite. “Além disso, como temos tempo para comparar e avaliar produtos e preços, acaba por ser uma boa experiência e uma opção muito mais cómoda.” Maria concorda mas reconhece que esta modalidade também facilita aquisições por impulso. “Como tem tempo, acaba por escolher produtos de que não precisamos.”

Maria considera-se muito “forreta”, conhece vários truques em sites estrangeiros onde consegue autênticas “pechinchas”, enquanto Bernardo não se importa de gastar um pouco mais se isso se traduzir em maior rapidez de compra. Em termos de tempo, também têm opiniões diferentes. “Tenho um pouco de aversão a shoppings e até me sinto mal fisicamente nas lojas”, confessa Bernardo.

“Vou direto ao que preciso, não procuro muito. Quero ser atendido rapidamente e quanto mais cedo sair dali, melhor. A Maria é o oposto: dispersa-se completamente, vai à procura de uma coisa e acaba por se distrair muito, além de que é mais indecisa do que eu.”

O problema é que a rapidez pode levar a compras de produtos que Bernardo nem chega a usar. “No caso da roupa, se não gosta de se ver com alguma peça, acaba por nem sequer a ir trocar”, conta a namorada. Bernardo confirma: é que trocar implica voltar ao centro comercial, o que evita.

No que toca à tecnologia, o caso muda um pouco de figura: “Quando é uma compra mais importante, demora imenso tempo a escolher, a comparar preços, e é muito mais indeciso do que noutro tipo de compras”, diz Maria. “Nesse caso, se não ficar satisfeito, vou trocar”, adianta Bernardo.

Diferentes papéis sociais

Rita Coelho do Vale é professora associada de Marketing da Católica Lisbon School of Business&Economics, em Lisboa, e recorre a vários estudos internacionais que assentam nas diferenças de género no consumo, indicando ainda que muitas das teses de mestrado que orienta naquela universidade têm estas tendências em consideração.

“No caso específico dos processos de decisão, um dos artigos académicos mais antigos [intitulado “The grocery shopper – is he different?”] remonta a 1991 e é da autoria de Davis G. & Bell, que já na altura chegava à conclusão de que os homens gastavam mais por itens do que as mulheres, comprando estas com mais frequência e de forma mais barata.”

Um outro estudo, de 2007, intitulado “Men buy, women shop”, da autoria de investigadores da americana The Warthon School, da Universidade da Pensilvânia, em conjunto com a consultora The Verde Group, do Canadá, conclui que as mulheres valorizam muito mais a experiência e as diferentes dimensões do consumo – atendimento, empatia, conveniência –, e que são muito mais capazes de interagir com os vendedores do que os homens. Em suma, as prioridades mudam consoante o género.

“Outros estudos indicam que os homens são muito mais focados, vão às compras com um propósito e agregam o seu consumo para minimizar tudo o que, para eles, é um sacrifício. As mulheres vão mais pela componente social”, advoga a professora.

Na cadeira de Marketing de Consumo que leciona, Rita Coelho do Vale costuma fazer um exercício com os alunos logo nas primeiras aulas, pedindo-lhes que escrevam como tomam as decisões de compra em várias categorias de produtos, pelo que afirma ser “interessante perceber que os homens são, por natureza, muito mais utilitários e cognitivos”.

Os atributos que as mulheres valorizam são distintos: “Tendem a caminhar para valores que se prendem com a forma como os outros irão vê-las quando utilizarem determinado produto”.

Sónia Marques é semioticista e fundadora da Indiz – empresa criada em 2003 para trabalhar junto dos responsáveis de marcas com o intuito de compreender os padrões culturais que moldam as respostas dos consumidores – e considera que as pessoas se definem através do que adquirem.

“Como a sociedade define homens e mulheres de forma distinta e entrega a cada um dos géneros diferentes papéis sociais, é de esperar que comprem de formas díspares, bens distintas, para diferentes contextos de uso”, afirma.
Para Rita Jerónimo, professora auxiliar do Departamento de Psicologia do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, existem várias formas de segmentar os mercados, e é “irrelevante” se o consumidor é homem ou mulher.

“Não faz sentido traçar um perfil de consumo feminino ou masculino transversal a todos os contextos e domínios de consumo.” A docente assume que “pessoas do género feminino e masculino exibem comportamentos de consumo que são equivalentes em muitos domínios de consumo”. Os comportamentos, quando distintos, defende, são consequência de normas sociais e de papéis interiorizados, neste e noutros contextos.

Fatores decisivos da compra

O estudo de avaliação de consumo Escolha do Consumidor 2019, apresentado em janeiro e realizado pela consultora More Results, inquiriu 1 500 indivíduos residentes em Portugal continental, e tirou conclusões sobre o que separa e une homens e mulheres na decisão de compra, bem como as expectativas em relação às marcas.

“Uma das primeiras conclusões, o que não é novidade para muitos homens, é que as mulheres são muito mais complexas na experiência de compra. Em média, por cada atributo que interessa a um homem para decidir a compra, para uma mulher são necessários mais dois ou quatro. Ou seja, se para uma mulher é necessário avaliar cinco pontos antes de decidir, para os homens bastam dois. Eles funcionam mais por rapidez, elas por detalhe.”

E se para os homens, como Bernardo, “meia hora é um bom tempo para estar num centro comercial, para as mulheres nem dá para começar”. É por isso que Maria já começa a preferir fazer compras sozinha ou com amigas em vez de estar constantemente a “ouvir que temos de ir embora”. Já Soraia Peixoto, de 26 anos, considera meia hora mais do que suficiente e o limite a partir do qual começa a ficar com dores de cabeça e cansada.

O namorado João Castelão, três anos mais velho, acompanha-a nesta missão mais do que ela a ele. “Eu não sou a típica mulher que adora ir a shoppings”, salienta. Além da companhia, sempre que necessário João dá a sua opinião e é participativo. “Nós invertemos os papéis do que parece ser a generalidade dos casais: eu demoro muito mais tempo a comprar as coisas do que a Soraia”, sublinha João.

Maria e Soraia valorizam o preço, acima de tudo. Bernardo e João também valorizam esses factos, mas não é o determinante nas suas decisões. “Para mim, é importante a utilidade que vou dar a determinado produto, sobretudo se é suposto ter alguma durabilidade”, realça a última. Ao contrário de Bernardo, João é incapaz de comprar produtos que não venham a ter utilidade: “Guardar na gaveta não é para mim”.

Para ambos os casais, é preferível deslocarem-se a locais onde seja fácil de estacionar. No caso delas, gostam mais de encontrar lojas organizadas e arrumadas.
João faz pesquisas online algumas vezes antes de ir a uma loja presencialmente, e é fiel a marcas em que confia, sobretudo quando compra tecnologia ou sapatilhas. “Nos restantes produtos, nem tanto.”

E se para a namorada o atendimento é crucial, para ele não influencia o ato de compra. “A marca e a loja são o mais relevante. Posso ser mal atendido num dia, e aquele funcionário não representar bem a marca, mas ter uma experiência melhor noutro dia. Também não ligo muito à arrumação da loja. Valorizo mais o produto em si”, diz João.

A namorada prefere ir direta a uma loja e encontrar logo o que precisa. “Não gosto de perder muito tempo. Quanto ao atendimento, mesmo que seja uma marca de que eu gosto muito, se não for bem atendida não volto lá e, claro, também não compro nada.”

Maria gosta menos de mudar do que Bernardo, desde que aprecie determinada marca ou produto. “Ele arrisca mais do que eu. Por exemplo, escolho o mesmo hambúrguer no McDonald’s há 20 anos.”

As marcas envolvem os consumidores?

Como é que os espaços e as marcas podem influenciar os consumidores, sejam homens ou mulheres? Está tudo devidamente pensado com o propósito de envolver quem compra? “Para seduzirem, as lojas apresentam conceitos coerentes capazes de endereçar motivações ulteriores”, explica a fundadora da Indiz, Sónia Marques.

A empresa analisou a forma como a Camper tem sapatos “que citam as biqueiras arredondadas dos sapatos dos palhaços e os modelos justos e elásticos dos acrobatas. Algumas lojas juntam bicicletas às suas montras, colocam bancos corridos com almofadas de lona no meio dos espaços, usam candeeiros enormes e redondos que, tal como o símbolo da marca, remetem para as tendas.

Pelos produtos e pela forma como as lojas são decoradas, a Camper, quando vende sapatos, vende-nos a ideia de circo. E, com a ideia de circo, é capaz de associar os seus modelos de sapatos às ideias de entretenimento, alegria, liberdade e nomadismo”.

A Indiz também analisou o caso das lojas e dos catálogos Ikea. “Como a Ikea nos vende mudanças em espaços, e como ‘mudar a casa’ é algo que desequilibra a generalidade das pessoas, esta marca dá ênfase a todos os objetos que possam confortar.

Por isso, destacam na exposição em loja e nos seus catálogos os ursos de pelúcia, os sofás, as camas, os edredões, os cobertores, as mantas, as almofadas, as colheres, as canecas e cestos, em detrimento de objetos que cortem, rasguem, abram ou separem”, destaca a semioticista.