A adaptação portuguesa de “Guerra dos Mundos” foi um sucesso. De tal forma que o pânico se instalou na população, multidões saíram para a rua com medo do desconhecido e relatos de desespero. Matos Maia, o autor do programa, acabou detido pela PIDE. Recordamos a histórica emissão neste Dia Mundial da Rádio.
No acabrunhado Portugal de 1958, não foi apenas o furacão Humberto Delgado a abalar os alicerces e a consciência de um regime que se queria de respeitinho. Além do general que concorreu às presidenciais de 8 de junho e desafiou Salazar (as eleições foram ganhas de forma suspeita por Américo Thomaz, o candidato do regime, por 76%-14%), extraterrestres colocaram o país em alvoroço. Através da rádio, imagine-se.
A ideia foi do então célebre locutor Matos Maia (1931-2005) e baseou-se na obra “Guerra dos Mundos”, escrita por H.G.Wells, e transmitida nos Estados Unidos, em 1938, via rádio por Orson Welles (que mais tarde realizaria por Citizen Kane, por muitos considerada uma das obras primas do cinema).
Matos Maia, voz que os portugueses conheciam bem de programas históricos como “Quando o Telefone Toca”, pensou ao mais ínfimo pormenor como levaria à prática aos microfones da Rádio Renascença a “Invasão dos Marcianos” assim foi batizada a versão portuguesa do original.
Passou à ação no dia 25 de junho de 1958, normal quarta-feira de trabalho em todo o país, menos de um mês depois das tais eleições protagonizadas por Humberto Delgado e após contornar os censores com garantias de que a pacata normalidade da nação pluricontinental não seria incomodada.
O relógio marcava as 20.40 horas quando Matos Maia interrompeu subitamente a programação da Renascença com o inusitado (e assustador) pedido para que os ouvintes se mantivessem calmos e evitassem alarmismos porque o quotidiano estaria a ser abalado por acontecimentos incompreensíveis. A televisão era então novidade recente – fora inaugurada apenas um ano antes, em março de 1957 – e a rádio dominava serões em família.
Recordou o locutor ao site da Rádio Renascença que não demorou até dar conta de “fenómenos estranhos no planeta Marte observados por astrónomos portugueses”. O suficiente para começar a assustar multidões de ouvintes. Para aumentar a sensação de susto, a emissão foi alvo de várias momentâneas (mas curtas) interrupções, aparentes cortes de sinal provocados pelos malditos marcianos.
Fizeram-se diretos com supostos jornalistas que relatavam factos estranhos, “ouviram-se sons de aviação”, leram-se, até, (falsas) notas governativas sobre a situação. Houve relatos de naves espaciais a aterrar na Praia de Carcavelos, avanços ao segundo sobre as consequências da invasão.
Em pânico (esse sim, real) milhares de ouvintes saíram para as ruas com receio de que as suas casas fossem pouso de extraterrestres, choveram chamadas para as forças policiais e bombeiros, chorou-se pelo futuro, alteraram-se ritmos cardíacos tanta a aflição.
A agitação foi tal que a PSP invadiu os estúdios da Rádio Renascença e ordenou a Matos Maia que desligasse os microfones e acabasse imediatamente com o programa. A ordem foi acatada e a lusa “Invasão dos Marcianos” ficou por ali.
Pela audácia, o afamado locutor pagou com três dias de prisão nas instalações da PIDE, a polícia política de Salazar. “Para não brincar com coisas sérias”, como recordou mais tarde.