Han Solo quando era jovem e não tinha o rosto de Harrison Ford

Texto Rui Pedro Tendinha, em Cannes

Numa galáxia ainda mais longe do que o habitual nasce um herói. Um herói que já conhecíamos, Han Solo, um mercenário que não gosta de obedecer e tem uma confiança fora de série como piloto. Esta é a juventude do mais amado personagem da saga Star Wars. O que aqui temos é a história de como tudo começou: a amizade com Chewbacca, o primeiro amor antes da Princesa Leia e o encontro com a sua nave, a mítica Millenium Falcon. Mas também a primeira missão: uma aliança com Dryden Vos, um contrabandista espacial que mantém uma relação com Qu’ira, a tal primeira namorada. Vos contrata Solo e a sua equipa para recuperar, num planeta distante, o famoso combustível chamado Coaxium.

Harrison Ford não foi digitalizado para perder as rugas e, neste reinado da Disney, um dos mais promissores atores de Hollywood, Alden Ehrenreich, foi o escolhido para ser o jovem herói.

Em Cannes, horas depois de ter subido a famosa escadaria vermelha do mais mediático festival de cinema do mundo, encontra-se com a NM no não menos mítico Hotel Carlton e a palavra que mais lhe sai da boca é surreal: «Tudo isto é surreal. Quando estava a fazer testes com o guarda-roupa é que me mentalizei: caramba, estou no Star Wars! É de doidos. Vestir as roupas que eles criaram para o filme ajuda mesmo – coloca-nos na disposição certa! Senti realmente a força! É espantoso ter-me sentido de novo um puto.»

Alden venceu o papel a atores como Miles Teller ou Jack Reynor, mais favoritos por, sobretudo, terem um porte físico superior. O novo Solo é bem mais baixo do que Harrison Ford. Alden, sempre com uma pinta não muito distante do sorriso trapaceiro de Solo, diz-nos também que estar em Cannes com um blockbuster desta dimensão é totalmente diferente de quando chegou à Quinzena dos Realizadores (secção secundária do festival) com o seu filme de estreia, Tetro, obra experimental do grande Francis Ford Coppola, faz agora dez anos. «Na altura, a escala era outra. Lembro-me de que nem tínhamos agentes de imprensa nem nada desse folclore. Tudo mudou muito…»

Thandie Newton, que conhecemos de filmes como Missão Impossível II e Crash – Colisão, é uma das mulheres de ação da história, uma guerrilheira do lado dos «bons» que ajuda Han Solo na sua missão

O amigo e rival do herói, o jogador e contrabandista Lando, é interpretado por Donald Glover, também conhecido por ser Childish Gambino, o atual cantor número 1 nos EUA. Glover era fanático de O Império Contra-Ataca, o episódio da Guerra das Estrelas que revelou esta personagem, na altura interpretada por Billy Dee Williams: «Estar com um disco no primeiro lugar na América e no mundo inteiro e agora ser uma das estrelas de um Star Wars nunca me passou pela cabeça. Nem dá para acreditar. Têm sido os dias mais loucos da minha vida. Ainda ontem pensava que tenho uma sensação estranha, quase de depressão. Enfim, é muito assustador e solitário, mas, ao mesmo tempo, é aquilo que sempre quis. Na América, falamos muito de como é importante fazer parte da cultura e, para mim, o importante e reconfortante é fazer parte da conversa. Sempre quis isso. Estou a tentar que a minha voz seja ouvida.»

Thandie Newton, que conhecemos de filmes como Missão Impossível II e Crash – Colisão, é uma das mulheres de ação da história, uma guerrilheira do lado dos «bons» que ajuda Han Solo na sua missão. A atriz britânica, que é mais uma das personagens negras desta saga, não tem medo de falar da controversa mudança de realizadores. A meio da produção, devido a «diferenças criativas», Phil Lord e Christopher Miller foram afastados e deram lugar a Ron Howard, o realizador oscarizado de Uma Mente Brilhante.

«Essa decisão da Disney deixou-nos em choque. Eu tinha ficado muito amiga dos realizadores. Passámos tempos muito bons juntos e fiquei muito triste. A saída deles deixou-me insegura. Pensei que tudo o que tínhamos feito até aí pudesse não resultar… Porém, fiquei extasiada com a chegada do Ron Howard, que é um pouco o rei do cinema em Hollywood. Foi muito bom para o filme terem ido buscar alguém como ele.»

«É do outro mundo andar entre os cenários do filme, ver centenas de técnicos e figurantes vestidos de criaturas espaciais e, de repente, sentir que a câmara está a fazer um grande plano da tua cara! Todos os dias entrava para um mundo mágico incrível», diz o protagonista Alden, que reforça que a magia da saga Star Wars está no conceito de George Lucas: «O mundo inteiro ama Star Wars porque o Lucas criou um mito.»

Mesmo que não bata recordes de bilheteira, este Han Solo – Uma História de Star Wars vai ficar como exemplo de cultura pop deste período, vai marcar um tempo, goste-se ou não do filme. «Sim, é verdade, e eu, quando aceitei fazer este papel, já sabia o que me esperava. Sabia que aceitar ser Han Solo é também ver a minha cara no merchandising e aceitar-me como boneco ou figurinha. E isso até é cool, tenho sobrinhos que vão brincar com bonecos com a minha cara», diz o ator, que já trabalhou com autores como Coppola, Warren Beatty e os manos Coen: «Sobre isso de preferir realizadores, é cá uma coisa minha. Acredito que um grande filme só pode ser feito por um grande realizador. Por isso, dá-me gozo trabalhar com os realizadores de quem eu gosto.» O sucessor de Harrison Ford na pasta Solo assume-se como um ator cinéfilo – sempre que pode vai ao cinema e evita ver cinema em casa no circuito home cinema.

Mesmo quem recuse os apelos deste novo segmento Star Wars, uma coisa tem de reconhecer: não falta aqui matéria-prima para a nova cultura pop americana

Por outro lado, Donald Glover diz-nos que estar num filme Star Wars é um sonho: «Nem pensei duas vezes: disse logo que sim, apesar de perceber que nunca mais poderia ir passear sossegadinho no parque com os meus filhos. O que posso fazer? Estava no pacote mas… sou fã de Star Wars

E O Império Contra-Ataca, o segundo A Guerra das Estrelas é aquele que elege como preferido, precisamente a história em que Lando atraiçoa Han Solo. E antes de o batalhão de publicistas do novo ídolo da América apressarem o fim do nosso encontro, Donald ou Childish responde: «Não há competição entre o ator e o músico. Caramba! Sou é um artista. Neste caso, um artista que tenta ser competitivo com os melhores.» Perguntamos timidamente: Com quem? Com um Drake, por exemplo? «Sim, bom exemplo! Quero competir com os melhores! O Drake é tão talentoso.»

Mesmo quem recuse os apelos deste novo segmento Star Wars, uma coisa tem de reconhecer: não falta aqui matéria-prima para a nova cultura pop americana. Daqui a 20 anos as leituras sobre este filme vão ser outras…