Texto Sara Dias Oliveira Fotografia Maria João Gala/Global Imagens
Desde cedo que a mãe notou que o filho, o mais novo de três, tinha um jeito especial para o negócio. Quando andava na quarta classe, e era o único aluno que tinha autorização dos pais para sair da escola, ia à mercearia do senhor Cunha comprar gomas a cinco escudos para vendê‑las a 50. Na venda das moedas da feira medieval da escola, criou um grupo de três amigos e juntou 250 contos em dois dias. Na altura da febre dos tazos, rapava‑os todos e revendia‑os aos colegas. «É um miúdo sobredotado para o negócio. Nem nós imaginávamos que isto tomaria este rumo tão rapidamente», diz a mãe, Maria Cristina.
O tempo passou e a habilidade do filho refinou-se. Os últimos dias têm sido mais intensos do que o habitual. O telemóvel não para de tocar, mas Bernardo Embaixador não interrompe a conversa. No andar de baixo, limpam‑se vidros, distribuem‑se mesas, põem‑se flores naturais nos jardins suspensos das escadas, verifica‑se o número de impressoras, mas, no meio de tanta azáfama, há tranquilidade.
O novo restaurante de sushi de Bernardo Embaixador, no Porto, envolveu um investimento de meio milhão de euros. «A expetativa é grande, sentimos que conseguimos preencher um nicho de mercado. O céu é o limite, não há que ter medo», diz.
Dentro de dias, Bernardo, 28 anos feitos no mês passado, empresário da restauração, inaugura o seu segundo Subenshi, restaurante de sushi, num antigo edifício no centro do Porto, na esquina da Praça de Parada Leitão com o Campo dos Mártires da Pátria, perto da reitoria da universidade, com vista para o Jardim da Cordoaria.
São três pisos, cinco salas, 95 lugares, uma varanda, duas cozinhas, num prédio redondo de tetos altos, trabalhados e agora retocados. Um investimento de meio milhão de euros. «A expetativa é grande, sentimos que conseguimos preencher um nicho de mercado. O céu é o limite, não há que ter medo», diz.
Na véspera, antes da abertura ao público, reuniu os 62 funcionários, dos restaurantes de Aveiro e do Porto, para uma festa de pré‑inauguração. «São eles os protagonistas deste projeto», diz, explicando a sua vontade de serem eles os primeiros a estrear o espaço. Quer passar discreto nos seus dois metros de altura. A hierarquia existe, mas não há formalidades, tratam‑se todos por tu. «Não quero que olhem para mim como o patrão, senão só me respeitarão na minha presença e não na minha ausência.»
«O Bernardo é muito exigente. É a sua personalidade que explica o grande crescimento do Subenshi. É persistente, muito lunático, sonha o que todos acham impossível.»
Rita Lopes, 22 anos, trata da parte administrativa, do marketing, das redes sociais, e está na festa. «Faz todo o sentido que sejamos nós os primeiros a ver o resultado, seremos nós a levar isto para a frente», diz. Os funcionários almoçam e conversam num ambiente descontraído. «O Bernardo é muito exigente. É a sua personalidade que explica o grande crescimento do Subenshi. É persistente, muito lunático, sonha o que todos acham impossível.»
Há sonhos, claro. Bernardo prefere dar um passo de cada vez, mas a verdade é que quer abrir restaurantes de sushi em Lisboa e em Madrid. O seu conceito só faz sentido em grandes cidades. Obstinado, disciplinado, focado, não quer que os seus restaurantes sejam banais. Por isso, trabalha para um segmento médio‑alto. O Subenshi tem mais de 57 mil seguidores no Facebook e trabalha com reservas. Não fecha e quase todos os dias tem casa cheia.
Três toneladas de peixe por mês
«Se é para fazer, tem de ser bem feito», diz o dono de dois restaurantes de sushi, um em Aveiro, onde mora, e outro no Porto, os únicos do país que usam a criocongelação para congelar peixe fresco. Gere 62 funcionários que trabalham oito horas por dia e têm duas folgas em dias seguidos por semana.
«Um funcionário que trabalha 16 horas por dia e não tem qualidade de vida não é um funcionário motivado», comenta. Paga acima do setor, 800 euros limpos em média, e tem um desafio sempre em aberto: qualquer funcionário que apresente uma peça de sushi e que entre na carta recebe entre 150 e 250 euros. O sabor, a beleza e o preço de custo são os seus critérios de avaliação.
«O sonho da riqueza acontece quando não se tem tudo e eu sempre tive tudo. O mais importante são os valores.»
Em Aveiro, onde serve uma média de 400 refeições por dia, e três toneladas de peixe por mês, faturou 1,7 milhões no ano passado, 20% de lucro limpo. Este ano, espera chegar aos quatro milhões nos dois espaços. Mas não é o dinheiro que o move.
«O sonho da riqueza acontece quando não se tem tudo e eu sempre tive tudo. O mais importante são os valores.» De uma família abastada, a conhecer mundo desde pequeno, com a máxima liberdade, sempre soube que podia ser o que quisesse.
O que o move, na verdade, é a vontade de criar emprego de qualidade e ter uma equipa motivada – e a sua é bastante jovem, anda nos 24 anos.
«Mudei a forma de trabalhar, criei um método para que as coisas não falhem». O seu modelo de gestão tem folhas coladas numa parede com horários de trabalho, folgas, funções detalhadas de cada funcionário.
Tem, em cada estação, um funcionário solto para as imprevisibilidades. Tem chefes de equipa, e não chefs de cozinha, que se reúnem aos sábados à tarde para analisar o que está bem e o que está mal. Tem walkie‑talkies para facilitar a comunicação entre empregados e não haver muito barulho. Roupa uniformizada, escura, discreta. É um sistema que permite respirar.
«A equipa nunca tem sobrecarga no horário, acompanhamos os picos de afluência». E quanto mais se cresce, mais possibilidades de melhorar. «Manter a casa com sucesso é difícil», admite. Mas não impossível. «O meu pai sempre me incentivou para a perfeição. Não tenho receio e esse lado de avançar com tudo é da minha mãe», conta.
Um armazém, uma cisterna, uma estufa
A dois quilómetros do Subenshi em Aveiro, numa casa de família, fica o armazém, onde o peixe é aberto, limpo, congelado, conservado em oito arcas a 63 graus negativos, compradas na Dinamarca.
Bernardo não abre mão de um processo de congelação rápido que preserva as propriedades do peixe e dá segurança aos clientes. São pontos de honra. Há noites em que não se deita. Vai à lota de Peniche buscar peixe fresco – atum, salmão, cavala, espadarte, pargo – e passa a noite e a madrugada à volta das postas e espinhas.
«Aprendi a abrir o peixe a ver vídeos no YouTube e a fazer asneiras», ri‑se.
«Aprendi a abrir o peixe a ver vídeos no YouTube e a fazer asneiras», ri‑se. As salas são climatizadas para controlar temperatura, no exterior está uma cisterna com 10 mil litros de azoto e um terreno que vai ser transformado numa estufa de dois mil metros quadrados para plantar rúcula, cebolinho, tomate cherry, para uma maior autossustentabilidade e diminuição de custos. Tem um sistema de captação de água a 30 metros de profundidade, para ter água mais fresca e controlada, e 80 painéis solares no telhado.
Há música nas várias salas, todos os produtos estão devidamente rotulados, do óleo de amendoim à soja do Japão, dos esfregões de aço aos sacos do lixo, e preparam‑se as gambas selvagens de Moçambique panadas em amêndoas laminadas, uma das principais entradas.
Rodrigo Ferreira, de 21 anos, prepara a bolacha de sésamo com uma espátula. Esteve para desistir da restauração, do ritmo de trabalho de 16 horas por dia, uma única folga na semana. Bernardo contratou‑o. «Isto é o céu da hotelaria, estou aqui há uma semana e já noto diferenças no meu corpo», diz Ricardo.
«Gosto muito da cultura japonesa, muito organizada, muito disciplinada. E tem uma cozinha com muita arte. Cada peça tem sabores tão distintos, três ou quatro texturas diferentes», diz Bernardo.
Do armazém sai quase tudo preparado, os restaurantes são abastecidos durante a noite. Esta máquina só para duas horas, das cinco às sete da manhã. Fora disso, há sempre gente a trabalhar para colocar à mesa tapas japonesas, sushi puro e duro, e uma mistura de sabores ocidentais e orientais.
E para melhorar as sobremesas do Subenshi, Bernardo fez as malas e instalou‑se em Bolonha, Itália, para um curso de gelados de 20 dias. Criou a sua própria marca de gelados, a Benareli, e já investiu 300 mil euros em equipamento de geladaria. «São os melhores gelados do mundo», diz com ar sério. Gelados de fabrico artesanal com sabores de ovos‑moles, lima hortelã, pistácio, avelã.
A importância de saber fazer tudo
Um dos segredos é saber fazer tudo no seu restaurante, desde arrumar a cozinha a cozinhar sushi. A paixão pelo sushi surgiu do outro lado do Atlântico. Viveu em Maceió, no Nordeste do Brasil, dos 16 aos 19 anos, onde experimentou sushi num jantar depois de um treino de jiu jitsu, arte marcial que praticou.
«Fiquei fã. Gosto muito da cultura japonesa, muito organizada, muito disciplinada. E tem uma cozinha com muita arte. Cada peça tem sabores tão distintos, três ou quatro texturas diferentes.»
Voltou, tirou um curso profissional de Higiene e Segurança no Trabalho, estagiou três meses num restaurante em Aveiro e enquanto arrumava e limpava a cozinha, ia espreitando para ver o que o chef fazia. Decidiu aprender a cozinhar sushi numa formação de dois meses, começou com sushi ao domicílio uma semana em Lisboa e três em Aveiro, andou com a cozinha às costas durante dois anos. «Não era rentável.»
Assentou no Subenshi em Aveiro, primeiro com o irmão há quatro anos, depois sozinho, desde o ano passado. Alargou o espaço, decorou‑o, sem ajuda de arquitetos, com um aquário gigante que separa a cozinha da sala, dois aquários mais pequenos, e uma sala mais reservada com ripas de madeira no teto. A procura levou‑o a aumentar, em maio do ano
passado, os 45 lugares para 90.
«Portugal tem bons trabalhadores, boa mão‑de-obra, o problema é de quem lidera. Nas restruturações, nunca se exige lá em cima», diz o empresário.
Vê no turismo uma fonte preciosa e rejeita a ideia de que seja uma moda temporária. O clima, a segurança, e a gastronomia do nosso país dão‑lhe confiança. «O nosso petróleo é o turismo», garante.
E como tem a noção dos dois lados, empregado e empresário, olha em várias direções e de cima a baixo. «Portugal tem bons trabalhadores, boa mão‑de-obra, o problema é de quem lidera. Nas restruturações, nunca se exige lá em cima».
Bernardo é um empreendedor tranquilo, sem medo do que está para vir. «Fazer projetos a longo prazo é uma ilusão.»
Bernardo acredita em Deus, num criador. Aos 20 anos, leu a Bíblia. «É um livro muito interessante. As coisas são demasiado complexas para serem obra do acaso.» Os tempos livres são dedicados às suas três Anas: Ana Raquel, a mulher, e Ana Gabriela e Ana Clara, as filhas de quatro e ano e meio.
Faz meia hora de ginásio por dia quando a agenda lhe permite e gosta de ver os programas da National Geographic. É um empreendedor tranquilo, sem medo do que está para vir. «Fazer projetos a longo prazo é uma ilusão.» Mas que há sonhos, há.
Humildade, respeito, empenho
A escola não foi uma boa experiência. Faltava às aulas, era traquina, rebelde. «Não me enquadrava com a forma de ensino.» E não vê melhorias num sistema que, na sua perspetiva, devia ter evoluído. «Tudo muito sentado, muito teórico e, na realidade, muitas coisas não funcionam da maneira como são ensinadas na escola. Deviam ensinar coisas mais importantes como, por exemplo, preencher o IRS.»
O futuro preocupa‑o. «A minha geração não tem bases, alicerces, para encarar o mundo real. Foca‑se muito no obstáculo e não na solução para resolver o problema. Tem muito medo da mudança e de arriscar», diz. Na hora de contratar, nas entrevistas de emprego que faz, há valores que se sobrepõem às competências técnicas. «Se não sabe fazer, aprende. Mas se não for humilde, respeitador e empenhado, todos os outros pontos vão abaixo.»