Nutri-Score: como funciona o rótulo que nos vai ajudar a escolher melhor os alimentos?

O rótulo Nutri-Score surgiu em França

Depois do anúncio de que Portugal vai passar a usar o sistema de rotulagem nutricional simplificado Nutri-Score como medida de saúde pública, muitas dúvidas se levantaram. Afinal, que rótulo é este? E por que razão não é consensual?

Comecemos pelo princípio. O Nutri-Score é um rótulo de cores que já é usado por várias marcas de alimentos em Portugal. Mas agora, um despacho do último Governo, publicado em Diário da República a 4 de abril, sugere que deve passar a figurar nas embalagens de todos os alimentos de forma transversal, ainda que a adesão dos operadores económicos continue a ser opcional. Na prática, o objetivo deste rótulo é ajudar o consumidor a perceber o valor nutricional dos produtos que compra, de forma simples e intuitiva. Porquê? Porque é simplificado – e há uma grande dificuldade dos consumidores em interpretar rótulos -, e já tem implementação em vários países da União Europeia.

“Há vários modelos de rotulagem nutricional simplificada já a serem usados. Os mais conhecidos são o Nutri-Score e o Traffic Light Labelling (Semáforo Nutricional). Mas o que a comunidade científica e a própria União Europeia vieram dizer é que cada país deve dar uma orientação aos operadores económicos sobre qual é a sinalética que deve ser usada, para que seja uniforme, um sistema único. E foi isso que aconteceu agora”, explica Alexandra Bento, nutricionista e coordenadora do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

O Governo decidiu, então, sugerir que seja o Nutri-Score o rótulo usado. Não só porque é o sistema adotado pela maioria dos países da União Europeia, mas também porque, segundo Alexandra Bento, “há muita robustez científica à volta deste esquema e, além disso, houve recentemente uma revisão do algoritmo que é usado por este rótulo, que até já é o mais utilizado pelos operadores económicos em Portugal”.

A falta de literacia, o algoritmo

Vamos, então, entendê-lo. O Nutri-Score é um simples rótulo de cores, uma pequena imagem exibida na frente das embalagens dos produtos alimentares que se baseia numa escala de A a E e de verde a vermelho. Pretende apenas e só mostrar ao consumidor se o alimento é mais ou menos saudável. O verde significa que o produto é saudável, o vermelho indica que o produto é pouco saudável. Mas, sendo tão simplista, o rótulo não é consensual e levanta algumas dúvidas. Lá iremos. Para já, a questão óbvia: qual é a importância deste rótulo?

“Em Portugal, 40% da população diz que não compreende a informação nutricional que está nos rótulos e, por isso, tem dificuldade em fazer escolhas saudáveis”, aponta Alexandra Bento. Mas não é só em Portugal, a falta de literacia nesta matéria é transversal a muitos países. E mesmo sendo obrigatório desde 2016, a nível europeu, haver uma declaração nutricional (aquele rótulo que surge na parte de trás da embalagem de cada alimento e que indica, por exemplo, os valores de sal, açúcar ou de hidratos de carbono), a maioria das pessoas não consegue interpretar essa informação. Daí que vários países tenham começado a desenvolver rótulos simplificados para facilitar a escolha do consumidor.

É o caso do Nutri-Score, que surgiu em França. Este rótulo utiliza um algoritmo que, perante a introdução num sistema do valor energético do alimento e de toda a sua composição nutricional, vai gerar um score (pontuação). Nutrientes como o açúcar, o sal ou as gorduras saturadas fazem baixar a pontuação. Em contrapartida, se o alimento for rico em fibra, proteína, se tiver frutas, hortícolas, leguminosas, isso vai fazer subir o score. A pontuação final é o resultado desta equação.

O que é que levanta dúvidas?

É aqui que as questões se levantam. A Ordem dos Nutricionistas apoia a adoção generalizada deste rótulo simplificado, a Deco Proteste também. Mas há dúvidas. Segundo José Camolas, nutricionista, “a investigação divide-se um pouco sobre qual é a melhor rotulagem simplificada”. No caso do Nutri-Score, “o que preocupa é o facto de não ser um instrumento promotor da literacia nutricional”. “Isto é, se explicarmos a um consumidor que deve comer menos gordura saturada, menos açúcares livres, menos sal, o Nutri-Score não lhe permite deduzir se é nestes nutrientes que o alimento é mais ou menos favorável”, explica. Esta preocupação está também na base de uma moção do Comité de Ciência, Educação e Cultura do Conselho de Estados da Suíça, aprovada em meados de março pelo Parlamento suíço. Para os apoiantes da moção, o Nutri-Score é um instrumento demasiado simplificado, que não retrata o grau de processamento, de aditivos, sustentabilidade, método de produção e origem de um produto.

O rótulo, aponta José Camolas, é sobretudo útil para alimentos da mesma categoria alimentar. Por exemplo, se quisermos comprar bolachas Maria, o Nutri-Score permite-nos fazer a comparação entre marcas. “Se uma marca tem um Nutri-Score verde e outra laranja, posso deduzir que a verde tem um perfil nutricional mais favorável. Mas se quiser perceber por que razão é mais favorável, se é por ter menos gordura ou menos sal, não dá.”

Outro exemplo. Entre um refrigerante light e um sumo verde, o refrigerante até poderá ter uma pontuação mais benéfica. “Vejamos, o refrigerante light não tem valor energético, não tem nutrientes, vai acabar por dar um verde, seja no Nutri-Score ou noutro rótulo simplificado. A questão é que uma Coca-Cola e um sumo verde não são comparáveis, não dá para comparar água com vinho”, acrescenta Alexandra Bento. Apesar da ressalva, é aqui, e no facto deste rótulo não permitir ao consumidor perceber por que razão um alimento tem uma pontuação verde ou vermelha, que alguma polémica se levanta. Já que, segundo José Camolas, “um determinado alimento até pode ter um classificação muito boa, em função do algoritmo do Nutri-Score, mas isso não quer dizer que seja um bom alimento para todas as pessoas”. Nomeadamente para pessoas com problemas de saúde, como diabetes ou hipertensão arterial. Simplificando, “este instrumento é muito útil se o consumidor for informado e não apenas empurrado para uma decisão”.

Por outro lado, há mais um fator a pesar. É que os produtores de alimentos podem começar a procurar melhorar a composição dos seus produtos para satisfazer as variáveis do algoritmo do Nutri-Score, como reconhece José Camolas. Que é que como quem diz, a indústria alimentar pode começar a reformular os seus produtos para conseguir resultados verdes no rótulo. E isso é uma vantagem da adoção deste sistema a nível de saúde pública.

Avaliar, monitorizar

Dito isto, e apesar de todas as questões levantadas, o nutricionista sublinha que a rotulagem simplificada que aparece na frente da embalagem é “uma luta antiga, um desígnio antigo das pessoas na saúde em geral, porque dispomos de evidência que mostra que as pessoas têm dificuldade em interpretar rótulos e que estes modelos aumentam a probabilidade de serem feitas boas escolhas alimentares”. A questão, agora, é tudo o que falta fazer. “São necessárias medidas de promoção de literacia alimentar e nutricional na população, para que as pessoas não sejam simplesmente empurradas para uma decisão, mas a tomem de forma consciente e informada.” E depois, afirma, “é preciso monitorizar a implementação da medida para perceber se está, de facto, a melhorar as escolhas alimentares das pessoas”. Poderá até ser útil perceber se o modelo escolhido tem impacto na prevalência da diabetes ou obesidade na população.

Na verdade, isso já está previsto. A par do decreto do Governo português, que sugere a adoção do Nutri-Score de forma transversal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) vai levar a cabo uma campanha de comunicação para informar os consumidores, e também pretende garantir a monitorização e avaliação da implementação da medida. De qualquer forma, segundo Alexandra Bento, já há trabalho feito. “A DGS elaborou um documento extenso, que publicou em 2019, chamado Estudo Nutri-HIA. O que este estudo fez, no fundo, foi uma avaliação para facilitar a decisão política. E concluiu que os consumidores, com um modelo de rotulagem nutricional simplificado, seja ele qual for, têm três a cinco vezes mais de probabilidade de escolher um produto saudável.” No mesmo documento, a DGS também alerta que a implementação de um sistema único “deve contemplar um programa de educação alimentar à população, e uma avaliação da efetividade do sistema escolhido, ou seja, perceber se facilitou e promoveu melhores decisões de compra”.