Então, pá, como vais tu?
Tudo a rolar por aí? Já te adaptaste ao clima ou nem por isso? Essa porra é um calor dos ananases, não é? E como é que estão os miúdos? Já gostam da nova escola? E a Ana, consegue trabalhar bem? Gosta da empresa nova?
Eh pá, que trampa estares tão longe. A sério, meu, eu sei que isto parece uma puta de uma conversa sensível, mas há dias em que isso me custa mesmo. Tenho saudades de a malta sair do trabalho em dia de jogo e ir às bifanas deitar umas cervejas abaixo e comer um prego antes da bola. E depois votar às imperiais para sacudir a irritação do penalty que o cabrão do árbitro não marcou ou para brindar com toda a gente pelos três pontos arrecadados Os gajos que conhecemos e os outros todos que aparecem a pagar mais uma rodada.
Vê lá mas é se arranjas a fibra aí em casa, para podermos falar por skype. Já estás aí há seis meses e não há maneira de teres uma internet de jeito? Como é que sacas filmes? Como é que vais à net? Como é que entras no Facebook? Só no trabalho? Não é que me chateie escrever-te, mas um gajo gasta mais tempo.
Mas olha, sabes, meu, desde que trocamos estes e-mails passei a andar mais calmo em casa. A sério! Não estou a mancar contigo. Já sei que te estás a rir, a esta hora enquanto lês isto. A Rita reparou também. Até perguntou se eu andava num psicólogo, porque andava a falar mais devagar e a ouvi-la. Ela diz que eu agora a ouço. A principal queixa dela, aquilo que ela passava a vida a dizer que eu não fazia, que não ouvia, não prestava atenção, que era como se fosse transparente, ela agora diz que nota diferença.
Já lhe disse que não, que não ando em psicólogo nenhum, que não tenho cá dinheiro para ir ao divã. Ela diz que isso é psicanálise e que também não me fazia mal. Depois perguntou se ando enrabichado com alguma colega do trabalho. Fónix. Só porque ando menos tenso. Eu bem lhe disse que não. Que é só porque trocamos e-mails e falamos por aqui. Depois perguntou se trocamos pornografia e eu virei costas à conversa. Pornografia vejo sozinho, fónix.
A verdade é que escrever isto faz-me bem. Fico a pensar na vida, nas coisas que devia ter feito e no que devia ter dito. É uma cena do caraças. Um tipo passa uma vida inteira com um melhor amigo, a ir à bola, em jantaradas, em viagens, em férias de putos e férias de família, nos casamentos dos outros amigos, nos funerais dos professores da escola, nos batizados e no diabo que nos carregue… e é preciso o outro gajo ir para o cu de judas, do outro lado do mundo, para começar a escrever-lhe e-mails e depois a nossa vida melhora. Isto é do caraças. As voltas que a vida dá. Estou feito um homenzinho, já viste? Os meus irmãos gozam comigo e tudo.
No dia dos meus anos os meus pais vieram jantar cá a casa. Estava a ouvir o meu pai queixar-se de dores nas pernas e não é que dei por mim a pensar no mesmo? Eu também ando com dores nas pernas. Palavra de honra. Isto de um gajo bater nos quarenta é lixado. Um tipo pensa que não, mas elas batem de outra maneira. É que não é só a ressaca mais pesada nas manhãs a seguir aos copos. A diferença é que um gajo já nem tem vontade de ir para os copos, só de pensar na ressaca. E com os miúdos a acordar cedo, então, nem pensar.
Um gajo pensa que não, mas está mesmo a ficar mais velho. Já prefiro uma noite a ver um filme em vez de uma noite de copos. Isto não devia ser assim, caneco. E dores nas costas, também tens? Eh pá, de vez em quando são umas guinadas tremendas, mal me posso mexer. A Rita diz que é a meia idade. A meia idade? Merda, não estou preparado para a meia idade. Raio de conversa de velho.
Vá, vou pôr-me a andar. Vê lá se respondes a isto para eu fazer a minha terapia. Eu depois ponho os óculos de ver ao perto e respondo. :)
Um abraço, diz coisas.
[Publicado originalmente na edição de 12 de fevereiro de 2017]