São abusadores, mas alguém se importa?

Notícias Magazine

Hoje é difícil imaginar tal cenário, mas em 1958 as notícias viajavam mais devagar do que os aviões. E quando Jerry Lee Lewis atravessou o Atlântico para a primeira digressão europeia, além da óbvia – a chegada à Europa do principal rival de Elvis Presley –, carregava outra manchete.

O famoso pianista trazia a sua terceira mulher. O problema, pormenor ignorado nos EUA, estava na idade e no grau de parentesco – Myra Gale Brown tinha 13 anos e era prima afastada do cantor, então com 23. A polémica levou ao cancelamento de vários concertos em Inglaterra e ao antecipar do regresso a casa para descobrir que a notícia tinha feito o caminho inverso. Prisão nunca cumpriu e a carreira demoraria mais dez anos a recuperar. Como seria hoje?

Por estes dias, nos EUA não têm faltado notícias sobre comportamentos sexuais criminosos. Primeiro, o produtor Harvey Weinstein, denunciado por durante anos ter abusado sexualmente de dezenas de atrizes. Depois, Kevin Spacey que terá assediado o ator Anthony Rapp quando este tinha apenas 14 anos. Acusações de gravidade diferente, mas todas com pontos comuns – homens poderosos como abusadores e vítimas que demoram anos a denunciar o ocorrido.

O mais certo será que os processos se encerrem em acordos secretos obtidos fora dos tribunais com pouco, ou nenhum, impacto sobre os agressores. Alguém se lembra das acusações que a ex-mulher, a atriz Mia Farrow, fez sobre Woody Allen quanto à sua relação com a filha adotiva? Alguém vai indignar se com o tema do seu próximo filme – o relacionamento entre um adulto e uma jovem de 15 anos? Será que algum ator vai recusar se a participar nos seus filmes? E hoje?

Será que Tarantino voltará a escolher Weinstein para produzir os seus filmes como fez em Pulp Fiction e Inglorious Bastards? As audiências da última temporada de House of Cards vão cair? O que aconteceu a Jerry Lee Lewis? O single que promovia em Inglaterra, High School Confidential, não chegou perto do sucesso dos sucessos pré casamento, mas nem por isso deixou de ganhar uma estrela no passeio da fama em Hollywood, de receber o Grammy de consagração da carreira e de ser homenageado no Rock n’ Roll Hall of Fame. São abusadores, doentes, mas será que alguém se importa?

JERRY LEE LEWIS
The Intro Collection – The Essential

10,63 euros

*Artigo escrito antes de ser conhecido o despedimento de Kevin Spacey da série House of Cards

Crítica

KURT VILE E COURTNEY BARNETT
QUE BEM FICAM OS DOIS
Kurt Vile tem seis discos a solo, Courtney Barnett apenas um e agora, lado a lado, lançaram Lotta Sea Lice. E se o disco é de estreia do duo, das nove canções o que sobressai é mesmo a naturalidade com que os dois encaixam, como se há anos partilhassem palcos e cabinas em estúdios, como se a dupla sempre tivesse existido. Não será um dos discos do ano, mas uma das suas melhores surpresas – para os fãs de Courtney, de Kurt e de todos os que vão pensar que o duo sempre existiu. KURT VILE E

COURTNEY BARNETT

Lotta Sea Lice
13,74 euros

CURTIS HARDING
A RECEITA NÃO É NOVA, MAS É BOA. MUITO BOA
Já foi rapper e coro de Cee Lo Green, mas desde 2014 que Curtis Harding se apresenta a solo. Ao disco de estreia chamou Soul Power e se nessa altura ainda lhe podiam restar dúvidas sobre a viabilidade de uma carreira solitária, Harding decidiu enfrentar os medos e ganhou. A receita é a da soul, do R&B, uma mistura bem americana e há décadas bem definida. Nada de novo, apenas música boa, muito boa, a lembrar que há receitas em que o melhor é não mexer.

CURTIS HARDING

Face Your Fear
21,90 euros