Um homem chegou a um hotel de Las Vegas e pediu um quarto no 32º andar. O homem desligou o televisor, arrastou‑o até à janela, abriu esta e atirou aquele. O televisor veio por ali abaixo, atingiu no cocuruto um transeunte e matou‑o.
Culpas? Isaac Newton inventou a lei da gravidade mas, para sermos justos, antes de 1687 e da publicação de Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, se televisores ainda não caíam de prédios de 32 andares, já as maçãs tombavam das árvores. Não, não foi a invenção da lei da gravidade a culpada em Las Vegas.
Então? O presidente Trump começou por dar uma explicação: «Foi um ato de puro demónio.» Faz sentido. O número do diabo, 666, a dividir pela quantidade de andares envolvidos, 32, dá 20,8125 e isto parece maléfico. Já para não dizer que tudo se passou em Las Vegas, cidade do vício, onde os casinos são enormes e as capelas pequeninas.
Dias depois, quando acudia a Porto Rico, atingido por um ciclone, Trump fez outro diagnóstico sobre o homem do andar 32: «Estamos a lidar com um homem muito, muito doente.» Muito, muito… Confirmou‑se que Trump é um dissidente de Sigmund Freud e adepto de uma psicanálise de tipo «very, very».
Talvez um dia ele nos maravilhe com uma obra intitulada A Psicopatologia da Vida Muito Muito Quotidiana, quem sabe. Que ele se interessa por estas coisas da mente e das suas disfunções, já se sabia. Anda sempre acompanhado por uma paciente com ar inquietante que nem os óculos escuros escondem.
Talvez para se aliviar desse stress, Trump, em Porto Rico, pôs-se a atirar rolos de papel higiénico à multidão. Fê-lo com elegância, atirou como um basquetebolista encesta. E, sobretudo, ele fez. Ao contrário de Maria Antonieta que se limitou a perguntar: «Se o povo não tem pão, porque não come brioches?» Talvez Trump não venha a ter um fim tão trágico.
Entretanto, o líder republicano no Congresso, Paul Ryan, declarou que uma reforma da saúde mental era crucial. Por uma vez a maioria republicana no Congresso e o presidente Donald Trump estão de acordo: o problema, como se demonstrou no caso do hotel de Las Vegas, são os malucos que atiram televisores das janelas dos hotéis.
Talvez possam ser tratados com sessões de exorcismo, pois não faltarão na América igrejas dispostas a privatizar essa política de saúde, aliviando o Estado e diminuindo os impostos dos cidadãos. Reparem, na coerência do pensamento de Trump, que passou do diabo para a maluquice, tratando da saúde de ambos numa penada.
O único senão nestas ideias límpidas seria, um dia, um homem chegar a um hotel de Las Vegas com dez malas cheias de armas e pedir um quarto no 32º andar. Ele deixara 17 espingardas em casa e trouxera outras 23 armas semiautomáticas com gatilhos especiais bump stocks para disparar como metralhadoras. Matava 59 pessoas e feria mais de 500.
Esse hipotético homem teria um irmão que diria aos jornalistas: «Como diabo ele conseguiu essas armas todas?» Lá está, o tal diabo: o gerente de qualquer loja de armas da América que as vende e aos tais gatilhos especiais, ou ainda mais fácil, qualquer maluco, ou não, as encomenda pela internet. Legalmente, como dizem os anúncios públicos.
Aí, nesse caso hipotético, teríamos um problema irresolúvel. Como proibir a venda de armas? Felizmente, na América, apesar de ser tão fácil e legal a venda de armas tão mortíferas (um homem, 59 mortos, 500 feridos), não existem assassínios massivos. O perigo são os televisores atirados das janelas por malucos. Resolva‑se estes. E olhem a vantagem: como não há atiradores com armas, desviem‑se as macas desnecessárias (pois não há centenas de vítimas a tiro) e transformem‑nas em divãs. O psicanalista Trump é um génio.