Texto de Catarina Fernandes Martins
Raquel está sentada na cama, despida da cintura para cima, bebé de 8 dias no colo, olhar exausto mas ansioso de esperança voltado para uma estranha que lhe massaja o peito com garrafas de plástico cheias de água quente, ao mesmo tempo que pede ao seu marido, José, que vá à farmácia mais próxima e compre um bico de silicone tamanho L.
Margarida Telhado não conhecia este casal antes de entrar na casa deles num bairro
de Lisboa numa manhã de quarta-feira, mas trata-os com familiaridade. Não dá ordens, faz pedidos assertivos a que os novos pais, desorientados e inseguros, respondem no momento. Faz perguntas, testa hipóteses e técnicas, elogia a mãe, sugere que falem com o pediatra de João sobre a possibilidade de o freio da língua ser demasiado curto, o que poderá estar a dificultar a mamada, envolve uma das mamas de Raquel em folhas de beterraba para ajudar a reduzir o congestionamento.
Raquel e José não querem desistir de amamentar o bebé mas sentem-se culpados por não o conseguir e vão dando voz à sua confusão. «Porque não nos disseram no hospital que havia bicos de silicone de vários tamanhos?» «Porque não nos deram acompanhamento?»
Margarida ressalva que não é uma profissional de saúde, antes uma «conselheira», mas a sua presença relaxa Raquel, que acaba por libertar a frustração. «Eu não como alimentos processados e agora dou leite em pó ao meu filho. Sinto-me envergonhada porque todos dizem que a amamentação é natural, mas está a ser difícil para nós. Choro quando não consigo dar-lhe mama e choro quando lhe dou o leite artificial.
No hospital deviam ajudar-nos.» A mãe de José observa o casal e o neto sem se atrever a entrar no quarto. «Eu gostava de ter amamentado o meu filho, mas não tive leite, não posso ajudá-los», diz meio envergonhada. Margarida responde de imediato: «Isso não existe, minha senhora. Todas as mulheres têm leite. Isso era o que os médicos diziam na altura.»
Margarida Telhado ajuda mães a encontrar a técnica ideal para dar de mamar ao filho. Nos últimos CINCO anos, a voluntária estima já ter apoiado mais de 1500 casais.
«Eu também não fui amamentada», diz Raquel. «Somos da geração do leite em pó.» Ao fim de três horas de trabalho com Margarida, o pequeno João mama com vontade, o peito de Raquel está menos inchado, os pais respiram de alívio pela primeira vez numa semana. Margarida despede-se fazendo uma revisão das sugestões. E vai-se embora. Mais um casal ajudado.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses e que os bebés sejam nutridos com leite materno até aos 2 anos. Se num determinado momento se pensou que o leite artificial trazia mais benefícios à criança, além de representar uma forma de libertação da mulher, hoje considera-se que o sistema imunitário dos bebés ganha muitas defesas a partir do leite materno.
Segundo o Manual de Aleitamento Materno elaborado pelo Comité Português para a UNICEF, noventa por cento das mães portuguesas iniciam o aleitamento materno mas metade deixa de amamentar até ao terceiro mês. Apesar de a amamentação ser um processo natural, é também um processo lento muitas vezes recheado de dificuldades e problemas num momento em que as mães estão emocionalmente fragilizadas.
A generalização da prática da alimentação com leite em pó, o isolamento dos casais nos meios urbanos, que já não podem contar com a experiência acumulada de «uma aldeia inteira», o ritmo de vida acelerado e a ausência de formação em aleitamento materno por parte de muitos profissionais de saúde são fatores que levam as mães portuguesas a abandonar a amamentação mesmo quando esse não é o seu desejo.
Com o intuito de ajudar as famílias para que não desistam precocemente de amamentar os seus bebés, existe em Portugal uma rede de voluntários que distribui informação, dá apoio telefónico e faz visitas domiciliárias por todo o país. A rede começou a organizar-se no final dos anos 1990 e não para de crescer, fruto da oferta de formações para pais e profissionais de outras áreas que não a da saúde.
Há quem considere que a proliferação de voluntários que aconselham sobre amamentação pode ser arriscada por carecer de uma especialização profissional. E quem critique que se cobre dinheiro pela ajuda a uma função natural do ser humano. Mas todos acreditam que é necessária uma maior consciencialização em torno da ideia – e de todos os mitos e tabus que essa ideia desencadeia – de que a amamentação é um processo natural. É natural, sim. Mas nem sempre ocorre naturalmente.
SEGUNDO O COMITÉ PORTUGUÊS PARA A UNICEF, NOVENTA POR CENTO DAS MÃES PORTUGUESAS INICIAM O ALEITAMENTO MATERNO MAS METADE DEIXA DE AMAMENTAR ATÉ AO TERCEIRO MÊS.
Muitas mães atuais de bebés são filhas de mulheres que foram mães nos anos 60, 70 e 80 do século passado e que não amamentaram. O final da guerra colonial e a entrada da mulher no mercado de trabalho ajudaram à eclosão dos leites artificiais e tornou-se moda alimentar os bebés dessa forma, muito devido ao marketing agressivo das empresas que produziam esse produto. Quando se tornam avós, muitas dessas mulheres não sabem como ajudar as filhas e noras no processo da amamentação.
Pior: além de não poderem contar com o conhecimento da geração anterior, muitas mães também não encontram apoio por parte dos profissionais de saúde. «A amamentação carece de aprendizagem», diz a enfermeira Teresa Félix, professora na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e cofundadora da SOS Amamentação, criada em 1998 para dar resposta a estas situações.
«Alguns profissionais de saúde respondem às dúvidas das mães dizendo que o problema “é normal”. Mas as mães continuam sem saber como o resolver. Não há profissionais suficientes para estar com uma mulher a ensiná-la durante as horas necessárias e elas voltam para casa, e o problema que era normal torna-se grave e elas não estão preparadas para lidar com isso.»
Há cerca de quarenta voluntários da SOS Amamentação espalhados pelo país. São enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, mas também engenheiros, biólogos e profissionais de outras áreas. Todos fizeram um curso de quarenta horas em aconselhamento em aleitamento materno seguindo as diretivas da OMS e da UNICEF.
Mónica Belo, 35 anos, fez essa formação. E a enfermeira no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, apercebeu-se das diferentes formas de viver a maternidade no país. «Disseram-nos que em Lisboa as mães estão isoladas e sentem-se sozinhas. No interior as mulheres queixam-se de ter demasiadas pessoas à volta.»
Além dos voluntários, a rede da SOS Amamentação tem contactos a que recorre quando precisa de ajuda numa determinada área geográfica. É o caso de Carlos Mascarenhas, 56 anos, enfermeiro no Hospital São Teotónio, em Viseu. Carlos envolveu-se na causa porque não queria que outros bebés passassem o que ele passou quando o médico da mãe, em Moçambique, a aconselhou a alimentá-lo com leite condensado. Isso deixou-o para sempre um «candidato a uma doença metabólica», obrigando-o a ter cuidados extra com a alimentação.
«Peço sempre para o pai estar presente para não haver constrangimentos e prefiro que o marido perceba também o que se passa. E peço ao homem para seguir os passos, o que faz que ele aprenda as técnicas e perceba a ajuda que estamos a prestar.»
Ser homem não prejudica a ajuda que dá às mulheres enquanto voluntário, garante. Pelo contrário, acredita que até ajuda. «Como não tenho experiência em amamentar dou valor às dificuldades da mulher. Se me dizem que é difícil e que dói, acredito porque não tenho termo de comparação. Por vezes entre mulheres há desvalorização do sofrimento por comparação das experiências.»
A SOS Amamentação sobrevive de donativos de pais ajudados e da disponibilidade dos voluntários, que dedicam parte do tempo livre a responder às dúvidas que chegam por telefone ou recorrem aos seus próprios meios para visitar famílias em casa.
Como os voluntários do SOS Amamentação têm uma disponibilidade mais reduzida devido aos horários de trabalho, a linha telefónica geral é atendida na Ajuda de Mãe, frequentemente por Margarida Telhado (ligada àquela instituição), uma verdadeira recordista de visitas domiciliárias. A voluntária, que nos últimos cinco anos se desdobrou em formações nacionais e internacionais na área dos cuidados ao recém-nascido e nas ciência do bebé e da família, estima já ter ajudado mais de 1700 casais.
Quando foi mãe da terceira filha, Cristina Pincho e uma amiga tiveram a ideia de criar um grupo de mães, à semelhança do que sabiam acontecer em tantos outros países. Nesse grupo de discussão e apoio, as mães e amigas lembraram-se de ajudar outras mães com a amamentação, um processo que tinha trazido dificuldades a todas.
Estávamos em 1996 quando Cristina começou a fazer os primeiros contactos com a La Leche League, «uma organização internacional sem fins lucrativos fundada em 1956, para dar informação, encorajamento e apoio, através da ajuda de mãe para mãe, a todas as mulheres que queiram amamentar», lê-se na página web da La Leche League Portugal.
Se existe um grupo desta organização em Portugal foi porque Cristina Pincho se identificou com aquela filosofia. Cofundadora da SOS Amamentação, é moderadora da La Leche League em Portugal, onde promove encontros mensais entre mães para que possam ter uma «vivência coletiva da maternidade». «As mães sentem que não estão sozinhas, não são tão aves-raras. Podemos partilhar as nossas dúvidas.»
Oficialmente, o grupo exclui a ideia de consultas domiciliárias porque não é constituído por «profissionais que possam dar consultas», diz Cristina Pincho que entretanto se profissionalizou e é hoje consultora de lactação numa clínica privada. Cristina já fez apoio voluntário para a amamentação, mas faz questão de separar as duas atividades: consultora de lactação e moderadora da LLL, onde há reuniões mensais, apoio telefónico e se disponibiliza literatura para mães. E deste grupo saem voluntárias que querem ajudar outras mães e acabam a fazer visitas domiciliárias.
É o caso de Isabel Martins Loureiro, 38 anos. Depois de ter sido mãe, criou, juntamente com uma amiga psicóloga, o projeto Da Barriga ao Colo, para acompanhar as mulheres durante a gravidez e o pós-parto. O projeto inclui apoio gratuito à amamentação, o que significa que Isabel faz visitas domiciliárias a casa de mães em necessidade.
Isabel não cobra por essas visitas e o seu nome surge numa base de dados de Conselheiras de Aleitamento Materno (CAM), compilada numa página web (ver caixa), onde é possível encontrar conselheiras que indicam honorários pela visita domiciliária. «Há profissionais bem acreditados e com prática e existimos nós, as bombeiras da amamentação. Temos os nossos conhecimentos, mas sabemos que a partir de uma determinada altura temos de encaminhar a mãe para quem tem conhecimentos mais aprofundados sobre determinado assunto.»
Cristina Pincho lembra que as consultas devem ser dadas apenas por profissionais. «Por vezes um mau apoio no início é o fim da amamentação. A arte feminina de amamentar pode ser muito simples, mas é uma arte quase perdida. Quando se sai do campo da arte é necessário por vezes que seja a ciência a interferir. Nesses casos é importante que quem o faz o faça com conhecimento de causa.»
Quando a arte da amamentação é recuperada e a ciência não tem de interferir, a naturalidade é restaurada. Margarida Telhado visita pela segunda vez um casal de adolescentes, pais de uma menina com uma semana. O processo continua a ser doloroso para a mãe, Magali, 19 anos, mas o cenário é diferente daquele que a voluntária encontrou de manhã em casa de Raquel e José.
«A Margarida ensinou-me coisas que eu nem sabia que era preciso aprender.» A bebé, Tânia, mama sossegadamente, sem procurar a mãe com desespero e aflição. As duas encaixam na perfeição. Margarida faz uma pequena correção na posição dos braços da mãe, mas Magali é já autónoma, deixando-se guiar pela intuição. A tranquilidade é absoluta. «Senti-me muito ansiosa, mas aprendi. Agora continuo a sentir-me ansiosa, mas já sei o que fazer.»
Problemas mais comuns
Entre as dúvidas mais frequentes que levam as mães a procurar ajuda na amamentação estão os mamilos gretados, a dificuldade de o bebé pegar bem, ingurgitamento mamário (seios tensos e doridos devido à deficiente drenagem do leite) e mastites (mama inflamada).
Apoio local
Os novos pais podem também recorrer aos Cantinhos da Amamentação, integrados em várias unidades do Serviço Nacional de Saúde (centros de saúde, hospitais ou maternidades), onde se oferece disponibilidade diária para o acompanhamento presencial de dificuldades na amamentação. Os enfermeiros das Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) fazem também visitas domiciliárias gratuitas.
Onde pedir ajuda
Quando as mães ou os casais têm dificuldades na amamentação podem também recorrer a serviços pagos, que incluem consultores de amamentação e conselheiros de aleitamento materno (CAM), que cobram pelas visitas domiciliárias. Apresentamos em baixo uma lista de entidades a que pode recorrer, gratuitas ou a pagar. Não se trata de uma lista exaustiva de entidades e serviços, mas queremos que seja tão completa quanto possível. Por isso pode enviar-nos outras sugestões para acrescentarmos
([email protected]).
NOTA: A Notícias Magazine não se responsabiliza pelas informações e serviços prestados por estas entidades. Em caso de dúvida, consulte o seu médico de família.
AJUDA GRATUITA
SOS Amamentação
www.facebook.com/amamentacao.sos
Vamos dar de Mamar
www.vamosdardemamar.org
La Leche League Portugal
www.llli.org/portugal.html
Conselheiras de Aleitamento Materno Portugal (ajuda gratuita ou não gratuita na sua área de residência)
www.camsdeportugal.pt/
AJUDA NÃO GRATUITA
Centro do Bebé
www.centrodobebe.pt
Centro Pré e Pós Parto
www.preeposparto.com
Clínica Amamentos
amamentos.pt
Rede Amamenta
amamenta.net
Barrigas de Amor
barrigasdeamor.pt