É uma doença autoimune, inflamatória e crónica, que afeta cerca de cinco milhões em todo o Mundo, principalmente mulheres em idade fértil. Em Portugal, estima-se que cerca de 10 mil pessoas padeçam dessa doença. Mónica Rebelo é uma delas e conta a sua história. A 10 de maio, assinala-se o Dia Mundial do Lúpus.
Mónica Rebelo tinha 26 anos quando foi internada com uma trombose venosa profunda numa perna. Nada fazia prever uma situação como esta. Na altura, esteve entre a vida e a morte e não havia suspeita de qualquer tipo de doença autoimune. “Nos anos seguintes, o meu organismo começou a dar sinais de outras patologias, como alergias diversas, asma, um cansaço inexplicável, perda de peso, anemia, queda de cabelo, dores de cabeça, dores musculares e rigidez matinal, articulações dos pés e mãos inchadas e inflamadas e, como consequência, dificuldades de locomoção”, recorda. Há 19 anos, chegou o seu diagnóstico: Lúpus Eritematoso Sistémico (LES). Tinha então 30 anos.
“No decorrer de uma consulta de rotina, o cirurgião vascular achou estranho eu estar a acumular problemas de saúde e perguntou-me se não me importava de fazer mais exames num hospital específico.” Disse que sim, quando os resultados chegaram, o médico juntou as peças do puzzle. Mónica tem agora 48 anos, está na direção da Associação de Doentes com Lúpus, e o seu lema é “viver sem nunca perder a esperança.” Com o seu testemunho, espera marcar positivamente a vida de alguém. “E se isso acontecer é sinal de que a minha missão foi cumprida”, confessa.
A doença virou-lhe a vida do avesso, teve de deixar de trabalhar, deixou de praticar natação e ski e de tocar piano. As articulações inchavam, doíam, retiravam-lhe mobilidade. Aos 35 anos, foi aconselhada, numa junta médica, a reformar-se por invalidez. Desde então, dedica a maior parte do tempo a cuidar de si, a seguir à risca os conselhos médicos, ir às consultas, fazer tratamentos que melhoram o seu bem-estar e qualidade de vida.
Aceitou a doença desde o início. Mas não foi fácil, passou por momentos difíceis. Esteve três vezes entre a vida e a morte e três meses deitada numa cama sem conseguir andar porque tinha perdido toda a massa muscular. “Esses três meses foram extremamente dolorosos, mas com pensamento positivo, força de vontade, trabalho e com uma ótima fisioterapeuta, os resultados foram surgindo lentamente e conseguimos reverter a situação”, conta. Ficou careca duas vezes por causa da queda de cabelo. “Para mim, isso foi o menos relevante, afinal era das poucas coisas que não causava dor. Encarei essas fases de forma positiva e não como algo dramático ou problemático, senti como se fosse uma espécie de renovação e uma oportunidade de recomeço.”
Cansaço, perda de apetite, manchas vermelhas
O Lúpus é uma das cerca de 100 doenças autoimunes, em que o sistema imunitário, que normalmente protege o corpo, deixa de distinguir o que é externo do que é interno, e começa então a agredir células ou órgãos internos. É uma doença que pode afetar qualquer órgão. Luís Campos, responsável da Consulta de Doenças Autoimunes da Clínica CUF Belém, conhece-a bem. “É uma doença crónica, que atinge particularmente o sexo feminino, mais nas primeiras décadas de vida, habitualmente tem uma evolução benigna, por surtos, mas em certos casos pode ter complicações graves”, afirma.
Há duas formas de Lúpus: o discoide e o sistémico. “No primeiro caso, o Lúpus afeta basicamente a pele, provocando lesões chamadas discoides, ou seja, em forma de disco. No segundo caso, há uma doença mais generalizada, que pode afetar qualquer órgão ou sistema do corpo. Este atingimento, que pode surgir em simultâneo, faz com que o Lúpus se possa apresentar de uma miríade de formas diferentes, sendo um desafio para o internista.” Para complicar, a doença pode apresentar-se com poucos sintomas que não permitem, numa fase inicial, uma certeza no diagnóstico – podendo até manifestar-se em simultâneo com outra doença autoimune.
O cansaço, a perda de apetite, o emagrecimento, são alguns dos sintomas. Há outros. “O aparecimento de manchas vermelhas na pele da face, sobretudo nas bochechas e nariz, em forma de borboleta (que dão o nome à doença) e que pioram com o sol, queda de cabelo anormal, dores nas articulações, úlceras na boca e mãos que ficam brancas com o frio”, adianta Luís Campos. “As membranas que revestem o coração e o pulmão podem ser afetadas dando quadros de pleurite ou pericardite, associadas a dor no peito ou no tórax. O rim também pode ser afetado, com alterações que se detetam através de análises à urina, assim como o cérebro, dando origem a convulsões, quadros de psicose ou tromboses cerebrais.” O diagnóstico baseia-se em dados clínicos e laboratoriais, embora os testes laboratoriais, só por si, não sejam suficientes.
E as causas? “Apesar dos significativos avanços na investigação dos mecanismos imunopatogénicos do Lúpus, ainda não compreendemos completamente a causa que faz desencadear a doença. Sabemos que existem fatores hormonais, genéticos e ambientais. É frequente que o doente com Lúpus tenha na família parentes que têm outras patologias autoimunes, assim como o Lúpus pode coexistir com outra ou outras doenças autoimunes”, responde o especialista. “Sabemos também que, por vezes, há fatores desencadeares, como o stress físico ou emocional, determinadas infeções ou a gravidez”, acrescenta.
O Lúpus de Mónica esteve ativo durante 16 anos, com todas as consequências inerente, agora está numa fase de remissão. “Isto não quer dizer que não tenha de continuar a ter uma vigilância médica apertada, de tomar a medicação (corticóides, imunossupressores, tratamento biológico, protetor gástrico, etc), fazer fisioterapia semanal e ter cuidados diários. Não significa também que estou ótima, pois continuo a ter dores diárias, anemia, cansaço, inflamações, entre outros sintomas, mas pelo menos os sintomas são mais toleráveis e não tão exacerbados, o que para mim é excelente.”
Foco, força e resiliência
Mónica tem uma incapacidade de 60,8%, algumas sequelas irreversíveis, especialmente na parte muscular, articular e óssea. “Com o decorrer dos anos, deixei de ter a mobilidade e força nas mãos de outrora, várias vezes deparo-me com a dificuldade em abrir uma simples garrafa de água, mas aprendi a lidar com as minhas limitações e a tentar arranjar soluções para as superar. Para viver com este tipo de doença autoimune, é preciso munirmo-nos de estratégias de superação. Além disso, os médicos, especialista de saúde, família e amigos, devem ser os nossos pilares.” A família e os amigos são o seu porto de abrigo. “São eles que sofrem com os meus problemas e que vibram com as minhas vitórias.”
O plano terapêutico do Lúpus, segundo Luís Campos, inclui fármacos, exercício físico e repouso, dieta equilibrada, bem como evitar exposição à radiação ultravioleta, ao fumo do tabaco, e ao stress. O tratamento farmacológico é feito de acordo com a gravidade e os sintomas da doença, mas incluem com frequência anti-inflamatórios, a hidroxicloroquina, que é um medicamento que também se usa no tratamento do paludismo, os corticoides e fármacos ditos imunossupressores. “Para o tratamento de algumas complicações podem usar-se fármacos feitos por engenharia genética, que se chamam terapêutica biológica”, adianta o especialista.
O tratamento do Lúpus exige consultas regulares com um médico com experiência na doença e a colaboração de uma equipa multidisciplinar. “Deve haver uma estreita ligação entre o médico de Medicina Geral e Familiar e os especialistas neste tipo de doença, sendo frequente haver necessidade da intervenção de outras especialidades, assim como a de outros técnicos, como sejam enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros.” Toda a experiência clínica é bem-vinda. “Em grande parte dos hospitais e clínicas, os internistas criaram consultas especializadas para atenderem este tipo de doentes, chamadas Consultas de Doenças Autoimunes ou de Imunologia Clínica.”
Neste momento, Mónica Rebelo toma 20 comprimidos por dia, já tomou 28. Com os problemas de saúde, é seguida em consultas de várias especialidades médicas: Reumatologia, Hipocoagulação, Imunohemoterapia, Imunoalergologia, Pneumologia, Cardiologia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Urologia, Cirurgia Vascular, entre outras.
“Neste trajeto de vida, aprendi que não vale a pena focarmo-nos nos problemas, mas sim nas soluções. Aprendi que temos de nos focar no que conseguimos fazer e não no que não conseguimos fazer. Aprendi a dar valor às pequenas conquistas diárias, mesmo que essas conquistas possam ser irrisórias aos olhos dos outros. E, por último, aprendi que enquanto as forças não me faltarem, irei continuar a sentir-me feliz só por acordar e estar rodeados dos meus”. Mantém o pensamento positivo e o foco, a força psicológica e a resiliência para superar os desafios que a doença teima em apresentar-lhe. E criou um grupo no Facebook para ajudar outras pessoas com a mesma patologia.
O caminho tem sido turbulento, optou por não sair de casa dos pais, em Sesimbra, pelo apoio, pela tranquilidade que sente. “Sei que viver com Lúpus é uma incógnita quanto ao futuro, pois nunca sabemos quais as surpresas que a doença nos pode trazer – mas, se pensarmos bem, é assim com todas as pessoas.” “Na minha humilde perspetiva, temos de aproveitar a vida e viver o melhor que conseguirmos, é verdade que há uns dias bons e outros menos bons, e é por isso que devemos aproveitá-los e continuar a caminhar de cabeça erguida e com o coração cheio de esperança.” Este é o testemunho de quem teima em não se vergar à doença.