Os emigrantes celebram e põem o 25 de Abril no mapa do Mundo

As comunidades portuguesas que moram além-fronteiras estão a afinar os últimos detalhes. O cinquentenário da Revolução dos Cravos está quase aí e está a ser vivido muito para lá de Portugal. Em vários cantos do Planeta, há associações, Embaixadas, antigas e novas gerações a trabalhar afincadamente nos festejos. Que prometem ser em grande.

“Estes 50 anos para mim, que vivi outro período, a emigração, a forma como chegámos aqui, mexem comigo. É muito emocionante.” António da Cunha fica até comovido a falar das celebrações que se têm vindo a preparar pela Suíça, mesmo que o associativismo da comunidade portuguesa por lá já não seja o que era, que os tempos e os próprios emigrantes sejam outros. O cinquentenário da Revolução dos Cravos parece estar a trazer de volta o espírito de união e é para comemorar em grande. “Nunca houve um orçamento tão importante na história da emigração portuguesa na Suíça. São 50 mil euros.” Tudo para o programa das festas que a Federação das Associações Portuguesas na Suíça (FAPS), de que faz parte, tem pensado ao detalhe – lá iremos.

António fala-nos a partir de Renens, cidade situada entre Genebra e Lausanne. E a emoção tem razão de ser. Afinal, emigrou para a Suíça depois de ter passado três meses na prisão de Caxias, por ter sido apanhado por um agente da PIDE a distribuir flyers às portas da Universidade de Coimbra, onde estudava Medicina. Os panfletos demonstravam apenas solidariedade com dois estudantes que haviam sido presos e que nem conhecia. Na verdade, estava só a ajudar uma colega por quem tinha um amor platónico, mas o acaso custou-lhe o destino. Logo depois de ser julgado e absolvido, saiu de Portugal, com “uma falsa licença militar”, chegou à Suíça em 1972, a completar 20 anos. “Foi uma rutura total na minha vida”, recorda. A Medicina ficou pelo caminho, acabaria por retomar os estudos na Suíça, formou-se em Economia, é hoje professor emérito da Universidade de Lausanne. Em 1974, ainda voltou a Portugal, logo que soube da Revolução, para ver com os próprios olhos e ouvir Mário Soares e Álvaro Cunhal discursarem no 1.º de Maio.

O contexto é importante para entender quem tanto fervilha com o grito de liberdade de há 50 anos, mesmo morando além-fronteiras. Na Suíça, António esteve na origem da FAPS, criada em 1989, que surgiu como organismo de cúpula quando já havia cerca de 200 associações portuguesas pelo país. Eram ponto de encontro da comunidade, de informação, tinham equipa de futebol, grupos folclóricos, de teatro, organizavam concertos, de Amália Rodrigues a Carlos do Carmo. Só que os tempos são outros, as novas gerações não são tão ligadas, muitas associações acabaram. “No comité da FAPS sobram os resistentes, uns dez sobreviventes, doentes do associativismo”, que têm sido o motor para estas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril – têm o apoio das cidades de Renens e de Prilly, e a FAPS também pediu ajuda ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

Imagem do programa da primeira edição do Fórum dos Portugueses da Suíça, criada pela portuguesa Hélia Aluai

Entretanto, outros tantos mais jovens se foram juntando, como Hélia Aluai, que se mudou há oito anos para a Suíça. Trabalha como ilustradora e dá aulas de Desenho numa escola. “Nunca fui de procurar portugueses nem associações, quis sobretudo integrar-me bem na comunidade suíça. Mas já conhecia o António e com isto dos 50 anos da Revolução acabei por propor a ideia de criar os Primeiros Encontros de Ilustração Contemporânea.” Assim será, chamam-se “RevolutionS”, é Hélia quem lidera o projeto, que nasceu numa mesa de café, está a trabalhar nele há mais de um ano. O objetivo é que o projeto se mantenha, que seja bianual, sempre sobre uma revolução (o primeiro, claro, é sobre a Revolução dos Cravos). Há um concurso, uma exposição dos trabalhos finalistas, um júri, prémios. “Esta efeméride está a mexer muito com os portugueses aqui e sinto que está a ajudar a trazer as pessoas de volta às associações”, comenta Hélia.

Mas há mais, o programa vai durar de 25 a 28 de abril, com eventos bilingues e gratuitos. Divide-se entre Renens e Prilly, conta com uma mostra de cinema português, um concerto de portugueses residentes na Suíça com canções de Abril, um Parlamento dos Jovens Portugueses da Suíça (a ideia é que os miúdos, no final, apresentem mesmo reivindicações ao Estado Português), também o Fórum dos Portugueses da Suíça. “Sinto um entusiasmo enorme, isto tem dado muito trabalho, mas estamos com muita vontade de festejar”, diz António. Ainda haverá publicidade nas rádios locais, nos autocarros, um frenesim.

A famosa revista francesa “L’Histoire”, que dedica a edição de março à Revolução dos Cravos

Os 50 anos do 25 de Abril estão a motivar celebrações por todo o Mundo. E nem só de eventos nascidos pelas mãos da comunidade se faz a festa. Na vizinha França, onde moram 1,2 milhões de portugueses, a Embaixada de Portugal já tem tudo a fervilhar (também há associações com iniciativas próprias). “Há alguma tradição de celebrar o 25 de Abril em França, esta não será a primeira vez, embora a escala, este ano, seja muitíssimo maior”, aponta o embaixador José Augusto Duarte. Para se entender, as comemorações oficiais começaram em janeiro e estendem-se até final de junho. “Não acontecem apenas em Paris, mas em todo o território francês. E sentimos que os próprios franceses estão muito interessados.” Lyon, Nantes, Brest, Estrasburgo, Bordéus, “o objetivo é chegar sobretudo aos mais jovens, não deixar que a celebração se limite a uma faixa etária cuja idade lhe permite lembrar a Revolução”. Debates em universidades, um ciclo de cinema pelo país, concertos, exposições. Até a capa da famosa revista francesa “L’Histoire” é, este mês, dedicada à Revolução de Abril.

Para lá do Atlântico e nas ex-colónias

Se rasgarmos as fronteiras da Europa e atravessarmos o oceano Atlântico, os festejos continuam. No que toca a Abril, os quilómetros não ditam distâncias. São menos cinco horas em Toronto, Luis Morgadinho anda atarefado a convidar gente para o grande dia. Está à frente da Associação Cultural 25 de Abril de Toronto, assumiu a presidência depois da morte do pai, em 2019. A ligação à data é fácil de explicar. O pai cumpriu serviço militar em Angola durante a guerra colonial, foi em África que Luis nasceu e depois de uma breve passagem por Portugal, no pós-25 de Abril, a família acabaria por se mudar para o Canadá. Fala português, com palavreado inglês pelo meio. “Nessa altura, houve muitos portugueses a vir e um grupo começou a juntar-se informalmente para celebrar o 25 de Abril. Até que formaram oficialmente a associação, nos princípios dos anos 1990.”

No Canadá, a Associação Cultural 25 de Abril de Toronto há muito que celebra a data, com um jantar de gala num restaurante português para o qual convida sempre um Capitão de Abril
(Foto: DR)

Desde então, os moldes dos festejos nunca mudaram: há um jantar de gala num restaurante português que junta centenas de pessoas e há sempre um Capitão de Abril convidado, que viaja de Portugal até Toronto, e que discursa na festa (habitualmente, também vai a escolas falar da Revolução dos Cravos). Este ano, será o tenente-general Luís Nelson dos Santos. Ainda lançam uma revista, que é gratuita, “na edição dos 50 anos, por exemplo, há um artigo da historiadora Raquel Varela”. Para isso, angariam fundos. “Muitos comerciantes portugueses daqui dão-nos apoio, também sindicatos, os trabalhadores portugueses sempre estiveram muito envolvidos nos sindicatos cá”, conta Luis. Como no Canadá não é feriado no dia 25, a festa vai acontecer a 27 de abril.

Tudo se faz, mesmo não sendo muitos os membros ativos da associação, talvez uns dez mais comprometidos, 20 no total. “Mas a comunidade portuguesa aqui é muito vibrante e junta-se muito. Há vários clubes, dos Açores, do Minho, do Alentejo. Não só em Toronto. Há festas quase todas as semanas. E vêm membros de outras associações celebrar os 50 anos do 25 de Abril connosco.” Até porque, sublinha Luis, “a Revolução dos Cravos foi das mais importantes revoluções do século XX, ficou entranhada nos portugueses e é um exemplo para o Mundo do que pode ser feito com a força de um povo, da descolonização que aconteceu e da transformação económica, social e política que Portugal sofreu”.

Rosado da Luz
(Foto: DR)

A descolonização é um ponto importante. Antes de seguirmos viagem até à América do Sul, olhemos para as ex-colónias. Na Guiné-Bissau, por exemplo, os festejos estão em velocidade de cruzeiro. Há cerca de 500 portugueses que têm morada oficial no país, mas estima-se que a comunidade portuguesa ultrapasse os oito mil cidadãos, segundo Miguel Cruz Silvestre, embaixador, que põe os olhos no cinquentenário de Abril. “A Guiné-Bissau acaba por ter um papel precursor, por ter sido o primeiro país africano de Língua Oficial Portuguesa a iniciar o ciclo de comemorações das independências. Celebrou os 50 anos da sua independência em 2023 e este ano estamos a celebrar o cinquentenário do 25 de Abril.” No plano oficial, as iniciativas arrancaram com a inauguração, em novembro, de uma exposição sobre a vida e obra de Amílcar Cabral, que esteve no Palácio Baldaya, em Portugal, e agora foi cedida permanentemente a Bissau (já foi visitada por muitas escolas). Para lá disso, o programa terá uma semana. Há um ciclo de cinema alusivo à data em Bissau, murais criados por artistas guineenses ou uma manifestação de arte cénica por um grupo local, seguida de um concerto, no próprio 25 de Abril. “São iniciativas para os portugueses e para os guineenses, que também vivem esta data com grande simbolismo.”

Na Guiné-Bissau, as celebrações do cinquentenário da Revolução dos Cravos vão contar com uma atuação do Grupo de Teatro do Oprimido
(Foto: DR)

Voltemos, pois, ao continente americano, a uma das grandes comunidades portuguesas lá fora. Fernando Campos está prestes a completar 45 anos na Venezuela. Aterrou no país em 1979, tinha 19 anos, numa altura em que em Portugal ainda se vivia um período conturbado de reorganização e consolidação da democracia, e enamorou-se. O número de portugueses já era, então, expressivo na Venezuela e Fernando tratou logo de procurar conterrâneos, de se envolver no que já existia no terreno. Foi presidente do Centro Português de Caracas, é hoje conselheiro das comunidades portuguesas e presidente do Instituto Português de Cultura (IPC). Na direção do IPC, são seis os elementos a trabalhar, tanto promovem o ensino de Português nas escolas, como levam artistas e escritores de Portugal à Venezuela. “Quando cheguei, os filhos dos portugueses tinham até algum estigma em dizer que eram portugueses. Agora, a nova geração, já nascida cá, tem-se virado muito para Portugal, no sentido de aprender o idioma, de querer ser português para além do passaporte. Até se preocupam em ir votar.” Talvez por isso, e apesar da crise económica que a Venezuela atravessa, das dificuldades que afetam também o movimento associativo, os 50 anos do 25 de Abril não podem ficar em branco. “Celebramos sempre e estamos a tentar levar os festejos ao interior da Venezuela, às comunidades mais remotas. Este ano, será uma celebração maior.” Têm o apoio da Embaixada e da Secretaria de Estado das Comunidades.

(Foto: DR)

A 25 de abril, haverá um concerto em Caracas, “com artistas locais, lusodescendentes, a tocar os clássicos de Abril”. Além de uma exposição fotográfica, uma conferência e a exibição de um documentário. “Contactámos a RTP para nos ceder imagens reais daquele dia”, relata, entusiasmado. Fernando conta juntar pelo menos 300 pessoas nos festejos. “Os 50 anos têm um peso especial. Sabemos que a democracia está sempre sob ameaça. E conhecendo a situação política da Venezuela, esta é uma oportunidade também para, de forma subtil, expressarmos valores democráticos.”