– Teatro?! Onde é que há teatro?
– Não sei, teríamos de ver. Deve haver alguma coisa.
– Sim, longe. Depois temos de andar nós a desdobrar-nos para levar um à natação e o outro ao teatro. E o teatro serve para quê?
– Desenvolve a capacidade de abstração, estimula o corpo, fomenta a interatividade com outros. E perde a timidez.
– Acho que não. Abstraído já ele é. Temos de arranjar alguma coisa que o ajude a concentrar-se. A focar-se.
– Xadrez. Xadrez é bom para isso.
– Eu não vou pôr o meu filho no xadrez. Isso é para totós.
– Não é nada. É bom para o raciocínio lógico e para a memória. E ajuda-o a focar-se.
– Os colegas na escola vão gozar com ele. Se é para fazer uma coisa sentado, é melhor o inglês. Sem inglês não vai fazer nada na vida.
– Inglês já tem na escola.
– Mas assim aperfeiçoa. Fica a saber mais e tem boas notas.
– As notas não são tudo. É melhor uma coisa que acrescente alguma coisa ao que já tem.
– O inglês é essencial no mercado de trabalho.
– Sim. E também é essencial para fazer amigos de outras nacionalidades e viajar. Há tempo para isso.
– E se for râguebi?
– Râguebi? Eu não quero o meu filho num desporto desses. São uns brutamontes. E fica cheio de nódoas negras.
– É ótimo para o espírito de equipa. Dá-lhe sensação de pertença. Não são nada brutamontes. Desenvolve o cabedal e aprende a trabalhar em grupo. É um desporto bem elitista.
– Por isso mesmo. Não quero. Para fazer coisas ao ar livre, antes tai chi.
– Tai chi? Isso é para quem está stressado e precisa de relaxar.
– Não tenhas preconceitos.
– Se é para uma coisa oriental, antes karaté. Aprende a controlar a força.
– Não quero o meu filho em desportos de combate.
– E se for futebol?
– Depois quer ser como o Cristiano Ronaldo e fica frustrado.
– E se ele for bom? Já o viste a dar toques na bola?
– Já. E acho que não é grande coisa. Mas mesmo que seja, queres levantar-te cedo aos sábados para o levar aos treinos e aos domingos para o levar aos jogos? Levas tu, eu fico a dormir. Preferia uma coisa que estimulasse o lado criativo dele. Pode ser pintura.
– Não concordo. Ou é uma coisa física ou é uma coisa que lhe sirva para o futuro.
– Daqui a pouco vais querer matriculá-lo em aulas de informática.
– E porque não? Sem computador não faz nada.
– Sabes lá tu o que é que ele vai fazer. Tem a vida toda para escolher. Olha, música. Música serve para o futuro.
– Música? Não o queres pôr no ballet, já agora?
– E porque não? Se ele gostar, também é bom. É preciso é que ele goste.
– É preciso é que esteja ocupado.
– Tive uma ideia: e se lhe perguntássemos?
– Perguntar-lhe o quê?
– O que é que ele quer? É ele que vai ter a atividade extracurricular, ele que escolha.
– Ele sabe lá o que quer. É melhor decidirmos nós.
– Tu gostaste das coisas em que os teus pais te matricularam? No judo estiveste três meses, no órgão não chegaste a dois. Eles alguma vez te perguntaram?
– Vou perguntar-lhe se não gostava de ir para o ténis.
– E eu vou convencê-lo a fazer ioga, vais ver…
[Publicado originalmente na edição de 25 de setembro de 2016]